Esses "fiapos" de
liberdade de escolha e de ação constituem, entretanto,
aquilo que permite que a impessoalidade, a desintegração
etc. de que falam Simmel, Wirth, Redfield, e outros, não possam
ser entendidas como generalizadas e sem resposta. Porque os grupos sociais
surgidos da divisão social do trabalho e da heterogeneidade cultural
tendem a articular suas experiências comuns em torno de certos valores,
tradicionais ou não. Assim, se o habitante da cidade se sente solitário
diante da indiferença (qualquer que seja o conteúdo por ela
manifestado) da cidade como um todo, se é ele que determina em que
instâncias e espaços apresentará a sua "identidade",
ele utilizará os vários conjuntos de símbolos em suas
interações e opções cotidianas, tecendo, com
os "fiapos" de liberdade de escolha, de modo criativo, novas redes sociais,
interpretando, reinterpretando, rearticulando e selecionando aqueles que
melhor se encaixam em sua visão de mundo. E assim a cidade se torna
uma cidade boa para se viver.
Ainda assim, o crescimento
das cidades, com vastas aglomerações, extensas e complexas
organizações nas quais a função oculta a pessoa,
pode contribuir para o sentimento de uniformização aparente
dos indivíduos. Contudo, se a cidade atual parece apresentar-se
como uma sociedade sem estilo é justamente porque sua feição
é a somatória dos estilos dos grupos que vivem nela.
A procura de novas formas de identidade, a difusão de estilos de vida diferenciados, a experimentação que tenta criar novas unidades sociais mais "afetivas", a multiplicação de possibilidades de engajamento são tentativas de resposta a essa situação, ao sentimento de massificação.
Desse modo, por exemplo, a participação em um mutirão para a construção da casa própria pode não visar unicamente à obtenção de um bem que o Estado e a baixa renda deixam de proporcionar, mas também a oportunidade de conhecer os vizinhos, trocar idéias, avaliar o mundo. Mesmo que já se possua uma casa.
O encontro do "outro",
organizado em grupos que visam a esse fim (em clubes, associações,
bares, turmas de paquera, times de futebol, terreiros, igrejas, movimentos
de minorias, movimentos reivindicatórios, ou mesmo empreendimentos
que têm por finalidade última o encontro de parceiros para
o lazer ou para o amor, como os chats da Internet, o disquenamoro ou o
disqueamizade ) representa a tentativa de resposta e remédio
para o sentimento de solidão urbana e permite o uso da criatividade
na elaboração de códigos e regras, como que "recriando"
a sociedade.
Muitos grupos se
organizam mesmo como se fossem seitas e parecem ter, como primeira função,
dar uma identidade e assegurar uma inserção (é o caso
dos "skin heads", "função", "punks" e outros), ampliando
a rede de troca e sociabilidade e enriquecendo a experiência pessoal.
Todos esses fenômenos são experiências de reconstrução
de relações sociais diretas e personalizadas".