Timothy Leary


 
Com suas idéias revolucionárias, o "tio doidão" deixou o governo americano de cabelo em pé, defendendo a liberdade de corpo e mente. Mais tarde, convenceu-se de que a própria tecnologia poderia expandir a consciência humana. 

Passado quase um ano de sua morte, qual o motivo de Timothy Leary ainda merecer uma matéria de destaque? Escassez de idéias? Falta de assunto? Muito pelo contrário. Depois de morto, Leary está mais presente do que nunca e suas aparições são freqüentes, não em sessões de espiritismo, mas na Internet. 

A quantidade de sites que tratam direta ou indiretamente daquele que já foi chamado de "o homem mais perigoso da América" pelo presidente Nixon é vastíssima. Você duvida? Então consulte qualquer seviço de busca, digite "Timothy Leary" e espere para ver quantas respostas o seu "query" trará. 

Leary consegue ser idolatrado tanto por internautas nos anos 90 quanto por hippies "viajandões" dos anos 60. Seu nome é, ainda hoje, motivo de controvérsia. Há os que o consideram um guru visionário, enquanto para outros ele não passou de um talentoso marketeiro. A verdade é que Leary foi as duas coisas com igual talento. Soube antever diversas tendências futuras, com uma inegável habilidade para a auto-promoção. 

Chamá-lo de oportunista é desconhecer a sua trajetória de vida. Nos anos 60, ele pregava a expansão da consciência através de drogas psicodélicas. A partir dos anos 80, percebeu que resultados semelhantes poderiam ser obtidos com recursos oferecidos pela tecnologia moderna, como a interatividade e a realidade virtual. 

Afinal, como ele próprio afirmou, "os sete milhões de americanos que experimentaram as impressionantes potencialidades do cérebro via LSD certamente abriram caminho para a sociedade computadorizada". Se o raciocínio parece esdrúxulo, Leary complementa, "drogas são tecnologias, pois são capazes de ativar os neurônios, os cem milhões de computadores que temos em nossos cérebros". 

Biopsicodelia 

Foi preciso uma longa e tortuosa trajetória para levar Timothy Leary de conceituado acadêmico a ídolo da contracultura, e posteriormente da cybercultura. Contribuíram para isso, sem dúvida, suas várias passagens pela prisão e exílio e seu talento em explorar a mídia. 

Quando jovem, Timothy Leary ingressou na Academia Militar de West Point e lutou na 2a Guerra Mundial. Formou-se em Psicologia e tornou-se PHD pela Universidade de Berkeley na Califórnia. Seu livro, "Diagnóstico Interpessoal da Personalidade", foi considerado o melhor de 1950 pela Associação de Psicologia Americana, e lhe valeu um convite para lecionar na Universidade de Harvard. 

Em 1960, após ter ingerido cogumelos alucinógenos no México, ele iniciou experimentos com drogas alteradoras de consciência em Harvard. A experiência fez com que se aproximasse de escritores como Aldous Huxley, William Burroughs e Allen Ginsberg e provocou sua expulsão dos quadros da universidade. 

Em 66, já fora de Harvard, Leary criou em Milbrook, estado de Nova Iorque, um centro de pesquisas psicodélicas, que se tornou local de peregrinação mundial dos usuários de LSD. Antecipava-se à Revolução Psicodélica, que tomaria conta das ruas de Londres e São Francisco e da qual Leary, ainda que involuntariamente, se tornaria o principal representante. 

O próprio Leary tenta minimizar a sua participação. "Fui escolhido para o papel de porta-voz por Aldous Huxley, Allen Ginsberg e Alan Watts. Eles me viam como um professor careta de Harvard e, portanto, a pessoa certa para difundir aquelas idéias". 

Timothy Leary passou, a partir daí, a ser visto como uma ameaça à juventude e à própria sociedade americana. As suas incursões pela cadeia tornaram-se uma constante. Em 1970, ele conseguiu fugir de uma prisão da Califórnia, onde cumpria sentença de dez anos por porte de dois cigarros de maconha, que segundo ele, foram "plantados" pela polícia. 

As muitas perseguições e uma entrevista legendária à revista Playboy, em 1966, transformam Leary numa celebridade da mídia, lembrado até em músicas dos Beatles. A sua popularidade pareceu aumentar ainda mais a ira das autoridades. Ele foi obrigado a fugir pela Europa e África e acabou sendo capturado em 1973, no Afeganistão. Extraditado para os EUA, foi mandado de volta para a prisão, e em 76, colocado em liberdade condicional. 

Tecnosofia 

Em meados dos anos 70, após uma mal-sucedida disputa ao governo da Califórnia, Leary começou a se interessar pelo desenvolvimento de softwares. Para ele, essa foi uma evolução natural até de sua visão como psicólogo, pois "a psicologia está ligada ao pensamento humano e ao processo cognitivo, e vejo os computadores como um meio de processar pensamentos e idéias". 

Ao contrário do que pode parecer, Leary não era nenhum deslumbrado com o uso da tecnologia e fazia restrições à sua má utilização. "Estou convencido que uma das muitas razões do conflito, desorganização, e destruição que caracterizam o comportamento humano hoje em dia é a tecnologia que nós usamos para pensar, tremendamente destrutiva e confusa". 

Se usados apropriadamente, os computadores poderiam, em sua visão, ser instrumentos fundamentais na era da informação, daí o seu grande entusiasmo pela Internet. "Quando o indivíduo está ligado por linhas telefônicas e satélites ao mundo, uma nova língua e uma nova sociedade irão se desenvolver. McLuhan chamou isso de Aldeia Global e é o que estamos vivendo agora !". 

Timothy Leary não se limitou a teorizar - chegou a desenvolver o software Mind Mirror e planejava fazer uma série de filmes interativos intitulada "Mind Movies": o primeiro seria baseado no romance "Neuromancer", de William Gibson, com William Burroughs como roteirista. 

De acordo com Leary, o "próximo passo" na revolução da informática seria o maior de todos, "o link direto entre o cérebro e o computador. Significa que estaremos nos comunicando de um cérebro para outro, usando o computador como um dispositivo de ligação. Isto marcará o início de uma nova espécie. Estamos nos aproximando cientificamente do que é conhecido como telepatia". A etapa atual seria, em seu entender, uma tímida preparação para o que viveremos em seguida. "Daqui há vinte ou vinte e cinco anos, as pessoas olharão para trás e dirão 'aqueles pobres e confusos bárbaros não sabiam como operar seus cérebros'". 

Transição 

Em 1995, após uma vida marcada pelas mais variadas transgressões, Leary teve diagnosticado um câncer de próstata terminal. Já que a morte era inevitável, ele morreria como sempre viveu, se divertindo. Apesar das fortes dores que sentia e de estar confinado a uma cadeira de rodas, Leary estava decidido a lidar publicamente com a sua morte, anunciando-a antecipadamente e declarando-se entusiasmado com sua chegada. 

Para ele, a morte representava "a cena final no glorioso épico de nossas vidas". Chegou a anunciar que pretendia se suicidar em frente às câmeras e transmitir as imagens pela Internet, mas tudo não passou de mais uma de suas jogadas promocionais. A idéia de compartilhar seus derradeiros momentos com outros internautas era, no entanto, um desejo verdadeiro. 

Leary planejou cuidadosamente a sua 'última viagem', que ocorreria numa 'câmara de de-animação'. "Estarei num quarto especialmente preparado, onde toda a parede será uma tela, para que nos minutos finais de minha vida eu esteja me comunicando com qualquer um que esteja linkado. Haverá champanhe, caviar e muitos amigos na minha festinha". 

Os últimos dias de Leary foram dos mais ativos de sua vida. Juntamente com um grupo de jovens admiradores, ele criou a sua home page oficial. O site é uma reprodução virtual de sua casa. 

Pode-se visitar o quarto de "de-animação", ler os seus textos não pulicados na biblioteca, participar de chats, ou sentar-se no sofá e assistir TV. Até a data de sua morte, era fornecido um boletim do seu estado de espírito e de saúde e das drogas legais e ilegais que ele tomava para aliviar a dor. Outro de seus projetos finais foi a realização do livro The Ultimate Trip: A Manual for the Designer Dying, onde tratava de métodos e tecnologias que desenvolvera para "adiar o momento final de dor, coma, desamparo e indignidade que nos aguarda". A partida de Leary se daria com muitas gargalhadas, afinal, uma das formas que ele encontrou para aliviar o sofrimento foi a inalação de gás hilariante. 

Surpreendia a todos, a forma 'brincalhona' com que Leary decidiu encarar a morte. Seu amigo Allen Ginsberg, que esteve com ele até o final, comentou: "Todos ficamos impressionados com sua generosidade, franqueza e joie de vivre, encarando a morte como uma aventura, uma inevitável passagem humana, ao invés de algo a ser temido". 

Até depois de sua morte, Timothy continuou sendo um "viajandão". A empresa Celestis Inc., que realiza "funerais" no espaço sideral, colocou uma amostra das cinzas de Leary em um foguete Pegasus, em janeiro passado. Após permanecer em órbita por dois anos, as cinzas se queimarão ao entrar em contato com a atmosfera, gerando um forte facho de luz. Um espetáculo que ele, com certeza, aplaudiria de pé. 

As últimas palavras de Leary foram "por que não ?", para em seguida exclamar "sim !". Seu destemor não é surpreendente, se lembrarmos que, pouco antes, ele havia dito que "para se imortalizar, é preciso digitalizar ! Nossos tataranetos estarão interagindo conosco em suas telas enormes". Leary tinha convicção que uma vez que ele se fosse, suas idéias continuariam a fluir pelas ondas da Internet. Não havia, portanto, motivo para temer o inevitável. Na grande rede, Timothy Leary descobriu o segredo da vida eterna. 

Se ligue, se sintonize e conecte-se! 

Leary certamente aprovaria a adaptação de seu famoso mote dos anos 60, "se ligue, se sintonize e pule fora", usado para definir o estado de espírito necessário para se embarcar em viagens psicodélicas. Conectar-se com Timothy Leary nos anos 90 não é uma tarefa das mais difíceis. Ele está presente nas mais diversas mídias, mas o seu "lar" ainda é a Internet. 

Não se trata nem de um trocadilho, uma vez que a casa de Timothy Leary está aberta a visitas virtuais. Quem quiser contar com a hospitalidade do velho guru, pode aparecer em www.leary.com:8081. Se for sua primeira visita, você pode ter como guia um anfitrião dos mais atenciosos, o próprio Leary. Caso você já seja um habituée, sinta-se à vontade para explorar os cômodos por conta própria. 

Todos os quartos merecem uma visita. Na biblioteca, pode-se por exemplo, ler uma carta de apoio enviada por John Lennon e Yoko Ono, a correspondência que Leary manteve com Aldous Huxley e Allen Ginsberg, além de textos inéditos e trechos de livros publicados. No chat room, pode-se participar de grupos de discussão sobre uma infinidade de temas. Vale ainda dar uma passada no de-animation room, onde Leary passou seus últimos momentos. 

Biografias de Leary podem ser encontradas em diversos endereços, entre eles: www.webpointers.com/leary.html e www.altculture.com/site/entries/timxleary.html, com links para temas como realidade virtual, LSD e Terence McKenna, pensador indicado pelo próprio Leary como o seu mais provável sucessor; http://frieda.art.uiuc.edu/gd360/mkadzies/usa/html/bio.html, que possui links com artigos, bibliografia e textos jornalísticos escritos por Leary ou sobre ele. 

Aos que, além de admiradores de Leary, são também aficcionados em cibercultura é imprescindível passar por http://deoxy.org/deoxy.htm. Um site que trata de temas como xamanismo, religiões orientais e drogas alteradoras de consciência. O link http://deoxy.org/learyraw.htm, que trata da obra de Timothy Leary e do cientista e pensador alternativo Robert Anton Wilson, oferece ligações com vários textos escritos pelos dois. Vale a pena checar um bate-papo entre o cantor David Byrne e Timothy Leary, http://hyperreal.com.drugs/psychdelics/leary/byrne.talk, onde este demonstra profunda admiração pelo candomblé. 

Indispensável também é aparecer na página do filme Synthetic Pleasures, o último registro filmado de Timothy Leary, www.syntheticpleasures.com. O documentário, dirigido pela brasileira Iara Lee, trata das mudanças que a moderna tecnologia introduziu em nossas vidas. Traz links interessantes, entre eles uma entrevista com Leary - www.caipirinha.com/Collaborators/learyinterview.html

Se, após todas essas dicas, você ainda não se der por satisfeito, não desanime. Você pode criar o seu próprio roteiro. Basta procurar o serviço de busca que mais lhe agrada e se deleitar com a imensidão de respostas que surgirão ao digitar as duas palavras mágicas: Timothy Leary. 

Pense por si mesmo e questione a autoridade! 

A frase que gostava de repetir, quando o chamavam de guru ou líder, dá a real medida de quem foi Timothy Leary. Um defensor intrasigente do livre-pensar e inimigo mortal de todas as formas de cerceamento. 

A Internet mostrou-se uma excelente tribuna para pensadores como Timothy Leary. Um dos poucos espaços onde seus textos poderiam ser vistos sem censuras. 

Seus muitos admiradores aproveitaram a grande rede para divulgar suas idéias e escritos. É um material tão vasto que se descobrem fatos pouco comentados a respeito de Leary. 

Caso dos experimentos que ele fez com a droga psicocilibina entre um grupo de presidiários, quando ainda era professor universitário. Leary conta que a psicocilibina levou muitos detentos a refletir sobre suas vidas e considerar alternativas à atividade criminosa, e só não foi um sucesso devido à pouca cooperação das autoridades do presídio e do governo local. 

Leary era um contundente crítico da sociedade americana. Numa palestra realizada no Highline Community College, ele comentou que a frase do presidente Kennedy - "não pergunte o que o governo pode fazer por você, mas sim o que você pode fazer por ele" - lhe fazia pensar na Alemanha nazista. 

Chegava ao extremo de declarar: "Não sou um americano e trabalho incessantemente para desmembrar, destruir e descentralizar o governo americano". Para ele, a América, outrora um celeiro de idéias novas e ousadas, "passou por um declínio de inteligência, com a ascensão da superstição, violência, racismo, tribalismo e fanatismo religioso". As religiões tradicionais seriam, ao seu ver, uma eficiente forma de dominação. "Conceitos como demônio, inferno, culpa, maldição eterna, pecado e mal são formas de intimidar e esmagar o individualismo." Para ele, ao exigir a submissão a um único Deus de autoridade inquestionável, o monoteísmo se mostrava "vingativo, agressivo, expansionista e intolerante, em qualquer uma de suas manifestações: islamismo, catolicismo, protestantismo, e até comunismo e imperialismo". 

Haveria, no entender de Leary, formas de combater as 'prisões de consciência'. "O antídoto é uma dose de inteligência, que não vai ser dada por professores, políticos ou mesmo escritores, mas por programadores de computador, designers e artistas de software. A raça humana enfrenta uma tremenda crise e o trabalho dessas pessoas é elevar o nível de inteligência de nossa cultura em pelo menos 10%". 

Para Leary, os verdadeiros heróis da atualidade seriam os programadores e os hackers, pois "eles têm a inteligência, coragem e imaginação para acessar a alta tecnologia, principalmente tecnologia do conhecimento, por prazer, por um objetivo, por lucro, ou até por capricho". 

Ele dizia gostar do termo cyberpunk, "porque a palavra punk diferencia essas pessoas e mostra que o que eles estão fazendo pode não ser autorizado. Não é por acaso que Steve Jobs e Steve Wozniak (os fundadores da Apple) eram dois garotos cabeludos freaks. Eles foram os cyberpunks originais e entrarão para a história juntamente com os grandes libertadores da humanidade". 

Nem tudo na moderna tecnologia, no entanto, enchia Leary de entusiasmo. Ele se dizia chocado com "engenheiros/filósofos como Marvin Misky, do MIT, que arrogantemente ostentam sua sede de controle e poder. Seu objetivo confesso é reduzir homens a máquinas". 

O controvertido dono da Microsoft também não contava com a simpatia de Leary. Após a sua morte, Leary tinha planos de ser congelado. Perguntado quando gostaria de voltar, ele respondeu com sarcasmo. "Que não seja durante uma administração republicana ou quando clones de Bill Gates estiverem monopolizando as ondas cerebrais". 

Leary admitia ter usado, e até o fim de sua vida ainda usar, diversas drogas. Mas fazia uma ressalva. "Eu o faço prudentemente, com moderação e cautela. Existem milhares de outras maneiras de me divertir e não quero me tornar um vegetal ou ficar lesado". 

O envolvimento de Leary com a psicodelia, no entanto, o estigmatizou por toda sua vida e o tornou alvo fácil de acusações infundadas. "O que arruinou minha imagem foi a alegação de que meu cérebro foi danificado e é meu desafio mostrar que isso não é verdade. Se você se dispõe a conscientizar um país, jogarão tudo contra você. É isto que uma ortodoxia faz com aqueles que não consegue enquadrar". 

Timothy Leary nunca esmoreceu, porque tinha uma certeza: "O fato de minhas idéias terem tido uma alcance tão vasto, sendo expressas de forma livre e não violenta é um reconhecimento de que elas são relevantes. Por que eu sou tão perigoso ? Devido justamente à relevância de minhas idéias". 

Certa vez num debate com programadores de computador, Leary se dirigiu a eles com o seguinte elogio: "Heróis da contracultura como vocês não poderão jamais ser detidos". Difícil pensar num comentário que melhor defina a vida do próprio Leary. 
 

Bruno Garcez é jornalista e, nas horas vagas, encarna o Tim Leary, divulgando suas idéias pelos canais de IRC. 
garcez@openlink.com.br 
 
 

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19/05/97
 
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