25. ASSISTÊNCIA ESCOLAR E SOCIAL
A actividade escolar e a função educativa, embora sejam de natureza essencialmente espiritual, não podem exercer-se eficientemente se não forem realizadas certas condições materiais, isto é, quando as carências económicas se acentuam e ultrapassam um mínimo que podemos considerar como o limite lógico das dificuldades de subsistência; os resultados comprometem-se e prejudicam-se enormemente os frutos do trabalho da escola, do mestre e do aluno
Podemos dizer que uma das causas do atraso e pequeno rendimento da escolaridade angolana, ao longo de cinco séculos de presença portuguesa, mas sobretudo durante os cento e trinta anos de ensino oficial — 1845-1975 —, pode encontrar-se na pobreza de grande número dos seus estudantes, alguns de origem europeia mas a maior parte de etnia africana.
Pensou-se desde muito cedo na importância do problema económico, subordinando-o às condições que no momento se impunham. Falava-se na dificuldade da aquisição de livros, que nos meados do século XIX tinham preço muito elevado. Dizia-se que o papel era caro, por vezes escasseava, os que o possuíam dispunham apenas de pequenas quantidades, sendo substituído por lousas e até por folhas de bananeira. Uma vez por outra, fazia-se referência à pobreza do vestuário, chegando mesmo a autorizar-se a frequência de algumas escolas usando os alunos apenas uma simples tanga. Aqui e além aparece a menção a deficiências de nutrição, por vezes muito notórias e tinham origem não só na pobreza como nos hábitos alimentares da população nativa, muito incorrectos, e cuja dietética era defeituosa, incompleta, pouco rica de elementos nutritivos e além disso desequilibrada.
Grande parte do erros deste sector eram devidos à dificuldade de adquirir géneros mais nutritivos, geralmente mais caros, ao desvio para o fumo e para as bebidas de boa parte dos recursos monetários, que deviam ter melhor aplicação. Algumas vezes falava-se mesmo na carência de alimento, na insuficiência alimentar sob o aspecto quantitativo, em períodos de fome que de quando em quando se registavam.
O decreto de 10 de Novembro de 1921 instituiu em Angola o abono de família, por vezes designado também por subsídio de família, calculado sobre o vencimento de categoria do funcionário. Um empregado público que tivesse uma pessoa de família com direito ao subsídio receberia o correspondente a metade do vencimento; se tivesse duas pessoas a cargo, auferia de subsídio de família 60% do seu vencimento de categoria; e os que tivessem três ou mais pessoas a sustentar, com direito ao abono, receberiam de subsídio quantia equivalente a três quartos do ordenado. Deve atender-se que o "vencimento de categoria" era uma parte pequena do salário efectivo. Os políticos têm grande habilidade para sofismar, para criar miragens!
Pouco tempo depois, reconhecendo que estes quantitativos eram demasiado baixos, perante a desvalorização da moeda e o aumento do custo de vida, o subsídio de família, embora conservasse a mesma estrutura, era aumentado para o dobro. Passados bastantes anos, foi estabelecido valor único para todos os funcionários. Poderíamos registar outras alterações; contudo, limitar-nos-emos a estas, pois a finalidade deste trabalho e os objectivos que temos em vista são muito diferentes.
Apesar dos defeitos e limitações que apresentou, a medida em questão e a posição tomada por este decreto manifestam a louvável intenção de favorecer as populações e foram o germe de outras medidas tendentes à minimização dos graves problemas sociais.
Outro decreto, este de 29 de Agosto de 1923, autorizou o Governo de Angola a subsidiar alunos de engenharia e estudantes dos cursos de condutores, seguidos nas respectivas escolas, em Portugal. Custa um tanto a entender em que consistiam aqueles cursos... Para poderem beneficiar da regalia, exigia-se o compromisso de servirem no território angolano, depois de concluídos os estudos, durante um período nunca inferior a quatro anos. Esta exigência foi mantida por longo tempo, praticamente até ao momento da independência, para a concessão de bolsas de estudo. Tinha em vista, muito naturalmente, que Angola viesse a tirar fruto, no futuro, dos sacrifícios monetários que suportava. Havia a preocupação de evitar que os alunos deixassem de servir o território, resgatando com a sua actuação o auxílio prestado. Não era hipótese fantasiosa a previsão de serem outros países a colher os frutos advenientes da actividade dos técnicos que se ajudava a preparar. Apesar de ser ainda muito estreito e limitado o panorama económico de Angola, tanto sob o aspecto comercial como industrial, reconhecia-se já haver grande interesse em dispor de pessoal convenientemente preparado, capaz de imprimir à evolução social, cultural, técnica e financeira um ritmo mais acelerado e maior vitalidade.
O diploma legislativo de 16 de Abril de 1927, frequentemente referido, que aprovou e mandou pôr em execução a Reorganização do Ensino Primário na Província de Angola, propunha que se criassem bolsas de estudo com o fim de permitir a continuação da escolaridade aos Pupilos da Província de Angola, recrutados entre os alunos que revelassem notáveis qualidades de inteligência e aptidões que pudessem ser úteis ao serviço da comunidade social. Já nos referimos a esta ocorrência noutro ponto desta obra e neste mesmo volume.
Com data de 2 de Fevereiro de 1935, foi aprovado o Regulamento das Bolsas de Estudo, a que já se referia o diploma legislativo de 26 de Março de 1928. Destinava-se a incentivar o prosseguimento dos estudos aos melhores alunos. Aceitava-se o princípio de serem concedidas a estudantes que frequentassem o curso liceal, sendo renováveis nos anos seguintes, quando a média da classificação anual do beneficiado atingisse ou ultrapassasse catorze valores. Segundo a informação do texto legal, instituíam-se assim os agora chamados Pupilos da Colónia de Angola, em que se depositavam grandes esperanças e se via poderem constituir no futuro um núcleo de cidadãos responsáveis, bem preparados, de bom nível intelectual, com qualidades de trabalho e aptidões apreciáveis. A quantia que cada um recebia por ano era de três mil escudos.
Com a data de 28 de Agosto de 1939, foram instituídas duas bolsas de estudo, uma em cada um dos liceus de Angola, para serem atribuídas aos alunos melhor classificados, filhos legítimos de pais pobres, que lhes permitissem prosseguir estudos superiores, nas universidades de Lisboa, Porto ou Coimbra. As bolsas conferiam aos alunos contemplados direito ao bilhete de passagem, de Luanda para Lisboa. Os estudantes beneficiados deveriam ser encaminhados para uma das seguintes carreiras: — Engenharia, Medicina, Veterinária ou Agronomia. A importância da bolsa de estudo era de oitocentos escudos mensais.
Em 6 de Março de 1940, foi aprovado o Regulamento da Concessão das Bolsas de Estudo, acima referidas, e confirmava-se que tinham sido instituídas pela portaria ministerial de 28 de Agosto do ano anterior, nos liceus de Luanda e Sá da Bandeira, ordenando a maneira de fazer a selecção dos candidatos, de forma que se evitassem injustiças flagrantes e odiosas.
Tratando da assistência prestada aos estudantes carecidos de meios, não podemos deixar de referir que, no dia 2 de Junho de 1943, foi determinado aumentar uma bolsa de estudo à que a portaria ministerial de 28 de Agosto de 1939 tinha instituído no Liceu Salvador Correia, de Luanda. O aumento de frequência levou os responsáveis a concluir que duas bolsas eram insuficientes, pelo que se criou esta. Não se foi mais além por motivo de carência de meios económicos — e talvez possamos acrescentar que por ser pequeno o interesse dispensado ao estudo e aos problemas educativos em todo o País, Portugal e os territórios coloniais, sem exceptuar Angola. Com um pouco mais de vontade decidida e dedicação provada poderia ter-se ido mais longe, poder-se-ia fazer obra mais vultosa.
Ainda dentro do mesmo assunto, a assistência às populações e indivíduos que não dispunham de meios, queremos registar que, em 19 de Julho de 1944, foi criado em Angola, com sede em Luanda, o Instituto de Acção Social de Angola (I. A. S. A.). Este organismo desempenhou importante papel, tanto sob o aspecto benemerente como cultural. Era desde a sua fundação apresentado como instituição de utilidade pública, com fins de assistência e beneficência, gozando de personalidade jurídica para todos os efeitos legais. Entre os seus objectivos expressos contava-se o que era mencionado nestes termos: "subsidiar a educação de menores necessitados e promover o seu internamento em estabelecimentos adequados, de preferência mantidos pelo Instituto ou pelo Estado". Este organismo mantinha-se em pleno funcionamento na data da independência e muito fez em benefício das camadas e classes mais humildes, desvalidas e necessitadas; conta no seu historial realizações louváveis; não pode deixar de ser mencionado ao tratar dos problemas escolares, sobretudo quando se trata da assistência. Chegou a abrir e a manter escolas com finalidades e objectivos variados, tendo em vista a promoção social, inclusive para o ensino das primeiras letras, para a alfabetização mais rudimentar, em bairros e localidades desprovidas de recursos, atendendo as populações mais humildes. Sustentava, em Luanda e outras cidades importantes, refeitórios onde os carentes dispunham de alimentação gratuitamente fornecida.
O diploma legislativo de 16 de Abril de 1927 determinava que fosse criada em todos os estabelecimentos de ensino primário da província a respectiva Caixa Escolar ( ou outra associação congénere) destinada a auxiliar os alunos pobres. Era também declarada obrigatória a criação de bibliotecas e museus, com regulamentação própria, adaptada ao meio social em que funcionassem. Além destes serviços, impostos por texto legal, poderia haver outros, promotores da acção educativa e da assistência, como cantinas escolares, colónias de férias marítimas e campestres, escolas ao ar livre, escolas escutistas, cursos dominicais, cátedras ambulantes, associações de antigos alunos, associações de self-governement — aos quais as autoridades prestariam protecção, favorecendo a sua criação e manutenção.
Passados quase dois anos, em 18 de Janeiro de 1929, foi aprovado e publicado nas páginas do órgão oficial do território o Regulamento das Caixas Escolares das Escolas Primárias da Colónia de Angola, que desde então se multiplicaram em todas latitudes do seu vasto espaço. Nos últimos tempos da dominação portuguesa, mais do que para prestar auxílio, serviam para simplificar a actividade escolar, fornecendo a todos os alunos o material escolar necessário para os seus trabalhos, directamente adquirido e pago com o produto das verbas recebidas, que os pais ou encarregados de educação voluntariamente satisfaziam, quase sempre no momento da matrícula.
Pouco depois, em 17 de Julho de 1930, foi aprovado também o Regulamento das Cantinas Escolares das Escolas Primárias da Colónia de Angola. E outro regulamento, este agora com data de 26 de Março de 1928, atribuiu às juntas distritais de ensino, que havia em todos os departamentos administrativos, a função e encargo de organizarem, apoiarem, manterem e subsidiarem as cantinas que pudessem ir sendo criadas. Infelizmente, poucas entraram em funcionamento.
A partir do final do ano de 1935, encontramos no registo da atribuição dos dinheiros públicos a verba anual de dezoito contos, que se conservou inalterável durante alguns anos, destinada à assistência escolar e que era distribuída pelos diversos distritos de Angola. Podemos referir, por exemplo, que em 18 de Setembro de 1937 foi feita a distribuição daquela quantia apenas pelas três escolas de ensino secundário existentes na colónia, o Liceu Salvador Correia, de Luanda, o Liceu Diogo Cão, de Sá da Bandeira, e a Escola Prática de Pesca e Comércio, de Moçâmedes, ficando com as importâncias de seis, nove e três contos, respectivamente.
A fim de prestar melhor assistência às crianças das escolas, proporcionando-lhes os benefícios da mudança de ambiente, durante as férias, o diploma de 25 de Novembro de 1929 criou em Angola as Colónias de Férias Marítimas, localizadas nas cidades de Luanda, Lobito, Benguela, Moçâmedes e Porto Alexandre. Além do que os organismos governamentais poderiam realizar neste importantíssimo sector, contava-se que o exemplo do Estado pudesse servir de estímulo aos particulares, levando os indivíduos e as colectividades, firmas e empresas, organizações de qualquer tipo, a dedicarem a sua atenção aos problemas da assistência infantil. Tal desiderato não obteve a concretização ambicionada, e só algumas dezenas de anos mais tarde é que algumas instituições, quase sempre do âmbito governamental, começaram a dedicar o seu interesse a este problema e necessidade social. As colónias de férias infantis marítimas deveriam funcionar no período abrangido pelas férias escolares, ou seja nos meses de Janeiro, Fevereiro, Março e Abril, os mais quentes do ano.
Voltamos a ter notícia de uma iniciativa tendente a dar realização aos projectos oficiais das colónias de férias infantis marítimas em 15 de Janeiro de 1938. Segundo diploma desta data, funcionariam já nesse ano as de Luanda, Lobito e Moçâmedes, sendo cada uma delas destinada aos alunos e escolas das respectivas circunscrições escolares, e estariam abertas durante os meses de Janeiro, Fevereiro e Março, encerrando no dia 30 deste mês para que tudo estivesse pronto, no dia próprio, para a abertura do novo ano lectivo.
Adoptar-se-ia o regime de internato ou semi-internato. As crianças seriam acompanhadas pelos professores expressamente designados; durante a duração do banho estaria presente um enfermeiro, prevenindo a hipótese de ser preciso prestar auxílio ou socorro de urgência. Tomariam parte nos diversos turnos organizados as crianças de localidades afastadas do mar; as da cidade em que funcionava a colónia poderiam incorporar-se, sem que isso representasse encargo financeiro para a organização. Destinavam-se apenas às crianças matriculadas nas escolas primárias, às quais seria distribuído o fato de banho adoptado em cada colónia, tendo em conta as características climáticas do local em que funcionavam.
A portaria de 25 de Janeiro atribuiu a cada uma delas as verbas indispensáveis para o seu funcionamento, nove contos para a de Luanda, quatro contos e meio para a de Lobito e igual quantia para a de Moçâmedes — o que perfazia a soma de dezoito mil angolares, na linguagem do tempo, relativa à moeda em circulação neste território.
Apesar de se não referir directamente aos problemas escolares ou educativos, não deixaremos de registar, como curiosidade histórica, que no dia 3 de Janeiro de 1938 foi dada aplicação em Angola ao disposto no decreto de 23 de Abril de 1937, que mandava dissolver os organismos, de qualquer espécie, com denominação que pudesse confundir-se com a de organismos corporativos, e que não tivessem modificado a sua designação. Portugal era então, oficialmente, um "Estado Corporativo". Recordaremos que as doutrinas corporativas estavam então em voga, sendo aceites em quase todo o mundo. Podemos chegar à conclusão de que esta mentalidade chegou a estar mais difundida do que hoje nos querem fazer acreditar, sendo adoptada por indivíduos das mais diversas tendências. Foram abrangidos por aquela determinação as seguintes instituições:
— Grémio Pátria Integral, de Luanda, criado em
25 de Maio de 1915;
— Grémio Salvador Correia, de Luanda, fundado em 30 de
Junho de 1924;
— Grémio Camabatela, na povoação
deste nome, ali organizado em 7 de Outubro de 1929;
— Grémio Paz e Trabalho, de Malanje, instituído
em 17 de Janeiro de 1925;
— Grémio Paulo Dias de Novais, de Malanje, criado a 16
de Abril de 1925;
— Grémio Lusitânia, de Benguela, organizado em
23 de Novembro de 1910;
— Grémio Recreativo de Seles, de Vila Nova de Seles,
criado em 25 de Novembro de 1929;
— Grémio Pátria Nova, de Silva Porto (Belmonte),
instituído em 18 de Janeiro de 1912;
— Grémio Pátria Livre, de Moçâmedes,
fundado em 13 de Abril de 1926.
Embora se não trate também de uma iniciativa escolar ou
estreitamente ligada à instrução, não deixaremos
de fazer referência, neste lugar, ao diploma legal de 23 de Novembro
de 1935, pelo qual foi dada aprovação oficial ao texto dos
estatutos da Instituição de Assistência às
Crianças Indígenas. Deixaram o seu nome ligado a este
organismo algumas senhoras da melhor sociedade luandense, que a portaria
da aprovação regista e inclui. Na mesma data, atendendo a
considerações várias, foi extinta a Liga de Protecção
à Infância de Angola, sendo os seus bens integrados no
património da nova instituição, assim como os do Lactário
e da Maternidade de Benguela, pelo que deduzimos que tenham sido
também extintos, em data próxima. Em Luanda funcionava um
serviço que era designado por Gota de Leite, e tinha em vista
prestar auxílio e assistência à infância. A leitura
do texto que se lhe refere leva-nos a concluir que deveria estar em causa
a população infantil de idade inferior à da entrada
na escola primária.
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