MARTINS DOS SANTOS
PÊRA DO MOÇO
BRAGA – 1998 Í N D I C EToponímia Curiosidades locais Anexas e seus oragos A igreja matriz Festas nas aldeias Párocos Residência paroquial Situações de momento Elementos de destaque Ensino público Serviço postal Comércio e indústria Artesanato... e outras coisas Teatro popular Religiosidade Abastecimento de água Carpete vegetal Iluminação pública Com santos não se brinca Um pároco de outrora Um chafariz campestre Imagens religiosas Forno público Benefícios eclesiásticos Enigma de uma imagem Não terá sido erro?! Uma peça valiosa Pormenores do culto As missas cantadas Vendedores ambulantes Problemas de namoro Moinhos manuais Fala um estudioso Sombra da guerra Em torno do arciprestado Arciprestado de Pêra do Moço Analisando um inquérito Anotações suplementares Dotação de noivas Inscrição lapidar Arciprestados da diocese da Guarda Notas dispersas
Pêra do Moço deverá ser um topónimo formado a partir do correspondente antropónimo. Na região há mais casos idênticos, alguns até dentro dos limites geográficos da freguesia, como a seu tempo poderemos verificar. Nas proximidades, podemos localizar diversas povoações cujos nomes lembram indivíduos — João Antão, João Bragal, João Bravo, João Durão, Gonçalo, Gonçalo Bocas, Adão, Fernão Joanes, Pero Soares, Vila Fernando, Vila Soeiro, Paiviegas (Paio Viegas), Aldeia de Joanes, Aldeia de João Pires, Quinta de Pero Martins, Monteiros, Gonçalveiros, Monte Margarido.
O nome da aldeia e freguesia, Pêra do Moço, parece sugerir a evocação de um tal Pêro, o Moço, que seria um habitante denominado Pêro, redutivo de Pedro, talvez filho de outro de igual nome, e por isso chamado Moço, para se fazer a indispensável distinção de pessoas.
Por isso, podemos admitir que o filho se destacasse mais do que o seu progenitor, por motivos que agora é difícil, mesmo impossível congeminar.
Deve atender-se a que na primeira metade do século XX o nome da aldeia tinha pronúncia diferente da actual, pois dizia-se Péra, com som aberto e não fechado, como hoje. Isso nos leva a aproximar a prosódia do termo com a do étimo latino, Petrus.
Alguns estudiosos, como por exemplo José Pedro Machado, afirmam que a forma toponímica Péra pode indicar uma de duas coisas, a evolução do termo Pedro através de pedra ou então estar relacionado com um étimo que significa saco. Para o nosso caso serve melhor a primeira acepção.
A alteração registada na prosódia regional ficou-se devendo em boa parte à influência do falar das pessoas letradas, fenómeno de que podemos apontar outros exemplos, nem sempre inteligentes ou razoáveis. Por vezes as alterações não correspondem a aperfeiçoamento.
Recordamos, "verbi gratia", que nos anos mencionados ainda havia a distinção entre a leitura do CH (tch) e a do X.
Uma das nossas professoras ridicularizava-nos quando pronunciávamos o TCH, enunciando uma locução que nos magoava e a qual muito contribuiu para que houvesse a mudança:
— Uma tchapa de tchumbo tchapada no tchão.
Alguns anos depois, o nosso professor liceal de Língua Portuguesa esclareceu-nos que o erro estava na emenda e não na pronúncia regional. Coisas da suposta certeza intelectual!
Também as primeira e terceira pessoas do pretérito do verbo dizer tinham a pronúncia dixe, em vez de disse, aproximando-a também da forma latina dixit. Se bem repararmos, encontramos a diferença em todas as formas deste tempo verbal.
O mesmo mestre afirmava estar certa esta maneira de falar e nada se ter ganho com a mudança, que se ficou devendo a uma pseudo sabedoria e estulta modernização, ignorância afectada e presunçosa.
Pode afirmar-se ainda que o termo hebraico pascal aleluia tinha pronúncia um tanto diversa, pois se dizia aleluía, desfazendo o ditongo. Nunca ninguém nos explicou qual das duas formas seria a mais exacta. Ouvimos, há ainda pouco tempo um velho sacerdote de Braga que acentuava o aleluía, mas isso não chega para tirar uma conclusão.
Já dissemos que dentro da freguesia de Pêra do Moço há outros exemplos de nomes de pessoas a designar povoações. Segundo um antigo pároco, e declarações ouvidas ao nosso avô paterno (Domingos dos Santos, falecido em 28 de Junho de 1945, com mais de oitenta anos), são sugestivos os nomes de duas das suas anexas, Martianes e Guilhafonso.
Martianes é nome que provém do de um tal Martim Eanes, ou talvez Martin Anes, por certo antigo residente da região.
Guilhafonso corresponde por certo ao de Gui Afonso (forma sincopada de Guilherme Afonso) ou preferivelmente a Gil Afonso, também antigo morador.
José Osório da Gama e Castro, no seu livro "Diocese e Distrito da Guarda", em nota inserida na página 285, fala da igreja de Santillafonso — e esclarece ser dedicada a Santo Ildefonso — na cidade da Guarda, e que em 1388 servia de sé. Embora não vejamos nisto qualquer tipo de relacionamento, não deixaremos de notar a aproximação fonética com o nome daquele povoado.
Verdugal parece não oferecer dúvidas, pois é consenso geral que quer dizer lugar onde abundam verdugos, cobras esverdeadas, não venenosas, frequentes na região.
Amial (que por vezes se escreve Ameal, e parece estar errado) deve indicar lugar onde abundam amieiros, arbusto comum nas margens dos regatos.
Rapoula é um nome que apresenta já maiores dificuldades. Antes de prosseguirmos, recordemos que na região, para os lados do Sabugal, há uma aldeia que se designa por Rapoula do Coa, e perto de Celorico da Beira outra que se chama Rapa.
Este vocábulo em latim quer dizer nabo, e leva-nos a admitir que seja a forma do plural. Rapoula significaria, pois, nabal, talvez mesmo campo de nabiças. Podemos pensar que o seu étimo básico fosse rapôncio, raponço ou talvez até rapúncio.
Tenhamos em conta que na primeira metade do século XX esta aldeia era designada por Rapoila.
Ora os sufixos ola e oila são correspondentes e indicam um diminutivo; a actual maneira de escrever (oula) poderá significar pouca coisa... sendo simples adaptação ortográfica.
Talvez não seja despropositado pensar na palavra repolho, a que se aponta um étimo proveniente da língua castelhana e que seria repollo; seja como for, encontramo-nos sempre diante de um termo relacionado com a agricultura...
Menoita é outro nome que oferece dificuldades. O termo comum actual mais aproximado será moita e na verdade abundam ali as bouças de carvalheiras. Mas esta origem não satisfaz... Impõe-se que procuremos outra explicação.
Poderia pensar-se em men (elemento que entra na formação da palavra dólmen) com o significado de pedra, ou então em meina, que quer dizer mina e também mineral, minério.
Na região encontram-se pedreiras de boa qualidade; o já mencionado Domingos dos Santos, nosso avô paterno, dizia que os antigos afirmavam ter vindo dali a pedra para a construção da igreja paroquial.
Abundava também a argila e teve fama a telha que ali se fabricava, utilizada em toda a região, pois era o único centro produtor.
Extraiu-se aqui, desde tempos imemoriais, o tungsténio ou volfrâmio, correspondendo a última fase de extracção intensiva ao período da segunda guerra mundial, 1939-1945, e fez-se pesquisa de minérios, com resultado diverso, em vários pontos ou locais, mesmo nas demais povoações. Mas a Menoita sobrepunha-se a todas.
Geograficamente, a região abrangida pela freguesia de Pêra do Moço apresenta pouco interesse, embora haja a convicção fundamentada de ser habitada desde há muitos milhares de anos, o que aliás acontece com todo o território nacional. Dos tempos pré-históricos conserva-se uma anta, havendo a convicção de terem existido outras, pois o local é indicado pelo plural, Campo das Antas.
Bem perto existe um velho e descomunal castanheiro, há alguns anos classificado, tal como a anta, como imóvel de interesse público.
Em Pêra do Moço, a parte mais elevada da aldeia é chamada Castelo, mas nada nos leva a acreditar que ali tenha havido algum baluarte; a zona não oferece condições estratégicas notáveis e nem o local mencionado tem posição que permitisse sustentar resistência aos ataques que viessem de fora.
Deve atender-se, no entanto, ao facto de no alto da montanha sobranceira à freguesia ter passado outrora uma estrada romana que ligaria a região da Guarda com a zona de Pinhel, prolongando-se para um e outro lado.
Nascem aqui duas ribeiras de pouca importância, a maior delas nas proximidades de Menoita, denominada Ribeira das Cabras, e outra de menor caudal e extensão perto da sede da freguesia, conhecida por Ribeira da Pega. Corre a primeira para sudeste, indo lançar-se no rio Coa depois de fazer larga curva, e deslocando-se a segunda quase para o norte, desaguando no mesmo rio, um pouco além de Pinhel, praticamente na mesma embocadura.
Toda a parte urbana da freguesia fica, globalmente, na encosta oriental de pequeno monte a que a população residente dá o nome de Lomba, sem sabermos ao certo se é o nome da montanha ou se é apenas um vocábulo comum, lomba ou cume de uma elevação.
Nesta cordilheira fica localizado um dos marcos geodésicos, indicando o ponto mais elevado de vasta zona; ao longe avista-se outro, no alto dos píncaros onde existiu a antiga vila do Jarmelo; são vulgarmente conhecidos pela denominação de pinocos, mas também designados talefes.
Dos pontos mais altos dessa cordilheira avista-se o Jarmelo, a nascente, Pinhel, a nordeste, Trancoso, a noroeste, Celorico da Beira e Fornos de Algodres, ao poente. E ao longe, também a nordeste, divisa-se perfeitamente a Serra da Marofa.
Em frente, ao nascente, abrangida em boa parte pelos seus limites territoriais, fica outra elevação, praticamente de igual altitude, de nome mal definido, e onde se localizam duas conhecidas ermidas, em freguesias e municípios diferentes, Santa Bárbara, de Gonçalo Bocas (Guarda), e Senhora da Alagoa, de Pomares (Pinhel).
Não existe em todo o espaço da freguesia de Pêra do Moço qualquer casa apalaçada e nem há memória de ali terem residido famílias fidalgas.
Também não há e cremos nunca ter havido casas agrícolas de grande abastança; pode concluir-se que, devido à sua pobreza e clima rigoroso, nunca os detentores de avultados bens materiais se prenderam aos encantos da região...
Pode dizer-se também que se não notava entre a sua população carência extrema de recursos. Verificava-se haver invejável igualdade social, sem extremos, nem para um polo nem para o outro.
Para sermos mais explícitos, diremos que todos os seus moradores mostravam viver com bastante parcimónia e escassos meios pecuniários, eram praticamente todos iguais... na pobreza e na minimidade, pobreza bem perto da miséria!
De certo interesse, em todas as povoações, poderão ser as respectivas capelas, uma em cada aglomerado populacional, com a excepção do Amial, que por ser muito diminuto e ficar perto da Menoita não a possui, e Pêra do Moço, que além da igreja paroquial conserva a capela privativa do lugar.
São as seguintes as suas designações e a respectiva localização:
Pêra do Moço |
S. João Baptista (Igreja paroquial) |
Pêra do Moço |
S. Sebastião |
Guilhafonso |
S. António |
Martianes |
Nª Sª das Necessidades |
Verdugal |
S. Salvador (Jesus Cristo) |
Rapoula |
S. Marcos Evangelista |
Menoita |
S. Bárbara |
Todas estas capelas têm características que nos levam a supor terem sido construídas ou reedificadas desde os fundamentos ao longo do século XVIII, pois parecem ser do estilo joanino rústico (a que se chama por vezes estilo barroco rural), todas de igual estrutura, de tamanho aproximado e com semelhanças bem notórias, sem que alguma delas mostre ter antiguidade notável ou modernidade digna de menção. Não têm valor artístico saliente, nem na arquitectura nem na decoração; os seus altares são de confrangedora pobreza.
A igreja paroquial é do estilo barroco joanino. A sua amplidão corresponde à importância que outrora teve esta freguesia e ao número dos seus habitantes.
Recordemos que até cerca de 1940, havia apenas uma missa dominical e quase todos os moradores assistiam, enchendo completamente o vasto templo, mesmo com certo aperto. Nessa época, até estava desprovida de bancos, permitindo comportar maior número de fiéis. A bancada foi feita já no tempo do P. Alberto Gonçalves.
As suas paredes são de largura descomunal, pois tem cerca de metro e meio; recorde-se que o acesso ao púlpito e à torre se faz por escadas bastante largas encaixadas no interior das paredes laterais.
Têm uma cornija de bom desenho em toda a sua extensão, com saliência tanto para o interior como para o exterior.
A capela-mor está separada da nave por um arco de volta redonda, elegante mas sem ornatos ou enfeites, se excluirmos o medalhão cimeiro e um friso múltiplo em toda a altura.
A frontaria mostra certa imponência, mas a sua ornamentação é modesta — acompanha o alto pórtico, uma grande janela e o nicho, vazio de imagem. E não deixa de apresentar arquivoltas bastante graciosas.
Já recordámos que a tradição oral afirmava ter vindo das proximidades da Menoita a cantaria mais valiosa; a análise superficial do granito coaduna-se com tal hipótese.
O altar-mor é do estilo do tempo da construção ou até anterior, barroco, de colunas em espiral com frisos de cachos de uva e pássaros. Mantém características bastante comuns e que deveriam ter na época expansão muito considerável.
Observando-o com alguma atenção pode pensar-se ter sido resultado de uma adaptação, pois há diferenças bem notórias de um plano para o outro; pelo menos num deles, as colunas, embora semelhantes, parece terem sido mutiladas, visto apresentarem o fuste sem base mas conservando o capitel.
O pormenor de maior interesse deverá ser o que é constituído por duas pequenas figuras femininas, colocadas na sua parte superior, em graciosa posição. Uma sustenta a cruz e a outra o turíbulo.
Para adaptar a igreja à reforma conciliar, uma nova mesa do altar, bastante diferente do que poderia imaginar-se, foi colocada no meio da capela-mor ou presbitério.
Os dois altares laterais eram de inadequada e confrangedora pobreza, tipo armário, tendo na última remodelação sido retirados e colocado em seu lugar um revestimento de mármore, a destoar do conjunto. Se houvesse a preocupação de manter as características primitivas, a reconstrução seria bem diferente...
Foi da responsabilidade do P. Alberto Gonçalves, a quem adiante nos referiremos mais longamente, a grande reparação da igreja paroquial que eliminou os altares laterais, tanto o primitivo como outro, o do lado direito, de pobre e fantasioso estilo gótico, ali colocado por iniciativa do P. Antonino Dias Saraiva, que ainda voltaremos a encontrar. A maior alteração do conjunto consistiu na substituição do antigo tecto de madeira por uma abóbada de cimento e tijolo. Sob o aspecto estético e artístico, podemos pôr reservas à validade da decisão, pois criou um caso que não sendo único deve ser raro no universo arquitectónico do estilo barroco joanino.
Não havia na freguesia a tradição de celebrar as festas dos santos padroeiros com romarias anuais, realizando-se só esporadicamente, quando as circunstâncias o permitissem.
A festividade celebrada com maior frequência, com mais regularidade, era a de S. Marcos, na Rapoula, em 25 de Abril.
Pêra do Moço nunca festejou S. João Baptista e só de anos a anos fazia festa a S. Sebastião, mas no terceiro domingo do mês de Maio, provavelmente porque no dia da sua memória litúrgica, 20 de Janeiro, se estava em pleno inverno.
As demais aldeias ofereciam condições semelhantes quanto à realização das festas dos seus oragos ou patronos.
Ao fazer as suas orações, em comum com o marido, uma devota invocava o "santo do dia"; como estavam em vinte e cinco de Abril, festa do Evangelista São Marcos, o seu cônjuge aproveitou para a esclarecer e ao mesmo tempo suplicar ao santo:
Ó glorioso São Marcos,
Que amansais os bravos,
Amansai a minha mulher,
Que é levada dos diabos!Torna-se fácil identificar os párocos que estiveram à frente da freguesia, ao longo de todo o século XX.
O P. António Pinheiro, natural de Manteigas, que permutou o lugar com um dos párocos da sua terra, esteve aqui até quase ao findar o século XIX, talvez 1899, transferindo-se para aquela vila serrana; ignoramos quanto tempo se manteve.
Na vila da naturalidade, destacou-se muito o seu sobrinho P. José Bailão Pinheiro, pároco de uma das suas freguesias, talvez a mesma que ele recebeu. Deixou outro sobrinho casado em Pêra do Moço, Tomás Rodrigues Pinheiro, encarregado do Posto do Registo Civil, sendo ele quem lavrou o meu assento natalício.
O P. Joaquim Pereira Monteiro, natural de Vila Fernando, vindo substituir o P. Pinheiro por motivo da permuta, era o que ali permanecia na virada do século, em 1 de Janeiro de 1901. Tendo falecido no decorrer de 1912, foi inumado no adro da igreja, onde a sua família fez erigir uma elegante memória fúnebre.
Podem ler-se as notas biográficas e ver a fotografia do P. Joaquim Pereira Monteiro no "Álbum dos Vencidos", obra em fascículos publicada por seu sobrinho, o advogado Alberto Pereira de Almeida. Esses vencidos eram os partidários do regime monárquico; o autor, que como tal se conta, esteve detido nas prisões subterrâneas de Almeida, de onde conseguiu evadir-se. Quanto ao sacerdote, apenas merece referência a informação de que em Manteigas se interessou, com outros elementos do município, pelo reflorestamento da Serra da Estrela.
Como pode deduzir-se, era ele o pároco quando foi proclamada a República, tendo a casa de residência paroquial sido confiscada; deixou de interessar a quem quer que fosse, vindo a cair em ruínas.
O P. Joaquim Pereira Monteiro, no entanto, interessou-se pela arrematação de uma boa propriedade agrícola, a que se dava o nome de Passal, também conhecida por Tapada da Igreja, igualmente confiscada na mesma ocasião, e que os seus herdeiros acabaram por vender cerca de uns vinte e cinco anos após a sua morte.
O P. António Augusto Lopes tinha ascendido à dignidade canonical da sé da Guarda e foi quem, a partir de 1912, tomou conta do encargo da paroquialidade. Não sabemos quanto tempo se manteve, mas cremos terem sido largos anos. Nada ficou na tradição local a seu respeito; apenas se sabe ter sido um sacerdote culto, de prestígio e virtuoso. Chegou a ser governador civil substituto do distrito da Guarda.
Pinharanda Gomes diz que era um dos cónegos do triunvirato encarregado de governar a diocese durante o exílio do arcebispo-bispo D.Manuel Vieira de Matos, sugerindo que tinha mentalidade conservadora. Exerceu as funções de vice-reitor do seminário diocesano e era professor de Francês e de Teologia Dogmática.
O P. Celestino Gomes de Almeida estava em Pêra do Moço quando findou o primeiro quartel do século XX e cremos ter-se mantido uma boa meia-dúzia, talvez uma dezena de anos. Eu ali nasci no seu tempo e foi ele quem me baptizou. Antes disso, e a partir de Julho de 1907, tinha sido encarregado de paroquiar Arrifana e Gonçalbocas.
Na virada do século, era bispo da Guarda o bem conhecido prelado D. Tomás Gomes de Almeida; nós não sabemos se entre o bispo e este sacerdote havia algum laço de parentesco, como os apelidos podem fazer pensar; trabalhou também na Guarda o cónego da sé catedral, P. Bernardo Gomes de Almeida, irmão do prelado; tinham sido protegidos por um tio, o P. António Gomes de Almeida; poderemos admitir que tivessem outro parente na actividade eclesiástica, que poderia ser este nosso pároco.
O caso nada tem de estranho, assim como não oferece estranheza o que se passou cinquenta anos antes, quando o bispo era D.Manuel Martins Manso; havia o cónego P. Francisco Manuel Martins Manso, o irmão deste, P. José António Martins Manso, e o advogado e também padre Dr. João Manuel Martins Manso, outra cadeia de tios e sobrinhos, todos na Guarda.
O P. Manuel Salcedas, natural da Covilhã, foi quem substituiu o P. Celestino, tendo estado aqui pouco tempo, dois ou três anos. Era um sacerdote progressista para o tempo, sendo dele o primeiro automóvel ali conhecido, já bastante velho, fraco e que funcionava mal. As suas condições económicas talvez lhe não permitissem adquirir outro melhor!
O P. Antonino Dias Saraiva, natural de Seia, manteve-se em Pêra do Moço uns doze anos, tendo chegado por 1932 e saído em 1944. Veio da vizinha freguesia do Lamegal e saiu para outra paróquia ainda mais próxima, Gouveias.
Criou profundo descontentamento por celebrar os actos do culto com grande atraso sobre a hora marcada ou prevista pelos fiéis.
Foi no seu tempo que fiz a Primeira Comunhão; também no seu tempo recebi o Crisma, em Maio de 1938, ministrado pelo bispo auxiliar da diocese e titular de Bargala, D.José Augusto da Rocha Noronha, tendo este prelado falecido de uma queda de cavalo, ocorrida em Vila Franca do Deão, poucas semanas depois, em Julho seguinte.
O pároco de quem vimos falando denotava ser muito piedoso, mas tinha dificuldade em pregar, pelo que não fazia a homilia dos domingos. No tempo livre, distraía-se a tocar violino, rabeca, no falar dos contemporâneos. Disfarçava a calva lançando os longos fiapos do cabelo de um para o outro lado da cabeça, e por isso era designado por Padre Guedelha. O motivo do descontentamento acima referido foi ter estabelecido missa dominical na Rapoula; ao tempo só era celebrada no domingo de manhã e, como ele se levantava tarde e fazia os trajectos a pé (Pêra do Moço > Rapoula > Codeceiro > Pêra do Moço), a terceira missa era celebrada muito, mas muito depois do meio-dia. Devemos ter presente que nesse tempo, ainda se não celebrava a missa vespertina e para receber a comunhão era exigido o jejum natural e total, desde a meia-noite.
Quando o prelado resolveu transferi-lo, como gostava de ali estar e talvez porque se julgasse injustamente tratado, resistiu ao bispo e este suspendeu-o do ministério sacerdotal na sua antiga paróquia, tendo assim sido forçado a fazer a transferência da residência para a nova freguesia, Gouveias. Durante alguns meses residiu em Pêra do Moço, indo ali só para celebrar a missa do domingo.
Aquando da deslocação do P. Antonino, foi provisoriamente encarregado da paróquia, durante alguns meses, o P. José Augusto Magina, então no Alvendre e Avelãs de Ambom.
O P. Alberto Gonçalves, natural da vizinha freguesia de Casal de Cinza, tomou conta do encargo paroquial, em Pêra do Moço, em 12 de Agosto de 1945 e manteve-se no lugar durante quase meio século, tendo falecido em 4 de Julho de 1994 e sendo por sua vontade expressa sepultado no cemitério local. Podemos verificar que se manteve tanto tempo como os outros cinco ou seis párocos que o antecederam.
Quando começou a paroquiar teve de enfrentar o problema que vinha do seu antecessor e sentiu tais dificuldades que poucos dias depois se despediu. Houve posterior entendimento entre o bispo, o pároco e os representantes de população, pelo que pôde ali permanecer.
Uma das características deste sacerdote era a obsessão pelas viagens, tendo visitado grande número de países em todo o mundo. Como curiosidade, podemos informar que foi duas vezes à Rússia nos tempos ominosos da luta de erradicação entre capitalistas e comunistas; para isso pedia o "visto" no seu passaporte já no decorrer da viagem, numa das embaixadas da então famosa URSS (União das Repúblicas Socialistas Soviéticas), a vulgarmente designada União Soviética.
Depois da morte do P. Alberto, foi nomeado pároco da freguesia o Dr. Manuel da Silva Ferreira, que se manteve no desempenho do cargo durante cerca de três anos.
O pároco actualmente em exercício é o P. António da Fonseca Coelho, que tomou conta do encargo no decurso de 1997.
Quando o P. Alberto Gonçalves iniciou as suas funções, a antiga casa de residência, de que já falámos, porque tinha ficado desabitada durante longos anos, estava reduzida a parte das paredes, e mesmo estas em estado de desmoronamento. A madeira do soalho, as janelas, as portas, as telhas e outros constituintes haviam sido, abusivamente, aproveitados ou destruídos. Pudemos testemunhar directa e pessoalmente esse facto.
Uma vez que não fora utilizada e, em princípio, estava na posse do Governo, voltou a ser entregue à diocese e através dela à paróquia.
O novo pároco tomou desde logo a iniciativa da sua reconstrução, pois não havia residência paroquial adequada e condizente, dedicando a esta tarefa todo o entusiasmo, tendo residido nela até ao seu falecimento. No alto da fachada principal uma pedra trabalhada recorda o seu nome e o ano da reconstrução:
P. ALBERTO 1946 Foi uma gentileza do mestre de obras construtor (Joaquim Broa), que simpatizou com a maneira de ser daquele sacerdote e quis testemunhar a sua estima de forma perdurável e empregando nisso os seus dotes profissionais. Atribuindo-lhe a iniciativa, deve atribuir-se-lhe também a consequente realização.
Recordemos que a antiga casa de residência dos párocos foi confiscada pelo Estado em consequência das medidas tomadas ao abrigo e baseadas na Lei da Separação da Igreja e do Estado, após a proclamação da República, em 1910.
Como deixou de estar ocupada, a sua degradação foi bastante rápida, se atendermos às suas características e solidez da construção. Entre 1932 e 1935, o período que a memória deixa entrever, conservava-se ainda em razoáveis condições. Era então usada pela rapaziada da aldeia para os seus componentes ali fazerem as suas patuscadas, inclusive os bailes dominicais.
Por razões que não conseguimos esclarecer, entrou a partir de então numa fase de acentuada, rápida e talvez até premeditada deterioração. Pudemos verificar pessoalmente, o arranque das tábuas do soalho, para fazer fogueiras na sua lareira, assim como a retirada das telhas, que serviam para consertar os telhados de outras casas da aldeia.
Quando em 1940 a diocese e, consequentemente, a paróquia foram reintegradas na sua posse, havia apenas as paredes, aliás já em desmoronamento. Aproveitavam-se as pedras e o terreno!
Podemos assentar que nos primeiros vinte anos (1911-1931) o seu desmantelamento foi bastante compassado, fruto de não estar em uso normal, enquanto nos dez anos seguintes (ou até menos) se registou uma rapidez destrutiva impressionante, em que tomaram parte, maldosamente ou não, determinados membros da população local.
Neste momento, em que voltou a estar desocupada, não deixará de antever-se a repetição dos passos anteriores, podendo estar em completa ruína dentro de breves vinte e cinco anos!
Começando com o P. Celestino Gomes de Almeida e terminando com o P. Alberto Gonçalves, os párocos de Pêra do Moço acumulavam as funções equivalentes na freguesia de Codeceiro (raramente em Avelãs de Ambom), tendo a seu cargo a responsabilidade das duas comunidades eclesiais. Quando faleceu, o P. Alberto era também pároco de Gouveias, mas já não de Codeceiro.
Os primeiros padres referidos tinham a seu cargo apenas uma paroquialidade, e por vezes havia outros sacerdotes a coadjuvá-los.
Deixou nome o P. Agostinho, parece que radicado em casa de parentes. Não sabemos que apelido de família teria; apenas podemos atender ao dos seus familiares. O mais destacado deles foi o seu sobrinho médico Dr. Abel da Fonseca. O P. Agostinho dedicou-se ao ensino das primeiras letras e era tratado pelo designativo de "Padre Mestre".
O Dr. Abel da Fonseca, atrás referido, casou, residiu e faleceu em Freixedas em Junho de 1952, sendo sepultado na terra natal. Tivemos ocasião de folhear a sua tese de formatura, que fez imprimir e tratava os problemas da "Hipertrofia da Próstata".
Nos primeiros decénios do século XX, concluíram os estudos que levaram ao exercício do magistério primário duas senhoras naturais de Pêra do Moço, que ainda conheci, Maria da Conceição Terras e Maria da Conceição Pinheiro (filha do já mencionado Tomás Pinheiro). Não há notícia de outras pessoas da freguesia que tenham enveredado pelo mundo das letras e da cultura.
Aproveitando a referência ao Dr. Abel da Fonseca (que mais se interessava pela vitivinicultura do que pela terapêutica nosológica), podemos informar que, talvez pelo ano de 1930, foi criado o Partido Médico de Pêra do Moço (cremos que de iniciativa municipal), tendo sido preenchido por apenas três clínicos: —Dr. António Anes, que viveu em Guilhafonso; —Dr. Afonso de Paiva, que residiu na Rapoula; —Dr. Filinto dos Reis Novais, que morou em Pêra do Moço, na casa expressamente construída para residência e consultório clínico.
Com a aposentação e saída deste, o lugar nunca mais foi preenchido e as instalações passaram a servir para ali funcionar a Casa do Povo.
Os restos mortais deste clínico, depois de estarem alguns anos depositados no cemitério da terra da sua naturalidade, Quadrazais, concelho do Sabugal, foram trasladados para o de Pêra do Moço, onde se encontram.
Ainda com referência ao Dr. Abel da Fonseca, recordamos que uma sua sobrinha-neta, Maria de Lurdes Marques dos Santos, exerce a função médica num dos hospitais de Lisboa.
Na sede da freguesia, a escola primária funcionava desde os últimos anos do século XIX ou até antes, se pensarmos que o Padre Mestre, já mencionado atrás, poderia ter trabalhado ao longo do seu último quartel. Até aí por 1933, funcionaram a escola masculina e a escola feminina; frequentei a escola dos rapazes durante a primeira classe e cursei as seguintes já na escola mista. Não será fácil determinar quando foi feito o desdobramento.
Na anexa Rapoula funcionava outra escola, creio que sempre de frequência mista, não podendo dizer desde quando.
Em Guilhafonso e Menoita, funcionaram a partir dos primeiros anos da década de 1930 os chamados postos escolares, que eram escolas preenchidas por regentes (agentes da educação sem o curso da especialidade, muitas vezes tendo feito apenas o exame da quarta classe), de frequência mista e consequentemente confiadas a senhoras quase sempre solteiras, cujo vencimento era incrivelmente baixo. Os postos e regentes escolares foi uma fraca inovação pedagógica daqueles anos difíceis.
Era este o condicionalismo do tempo, hoje inaceitável e por isso mesmo incompreensível. Pode dizer-se que, se abstrairmos do afastamento das regentes escolares, a situação se mantém quase inalterável, se não pior do que então! O número de crianças tem diminuído!
A única diferença para melhor consiste em que os estudantes de hoje têm facilidades de deslocação para poderem estudar noutras escolas, quase sempre na Guarda.
Não é possível apontar os nomes dos agentes do ensino que trabalharam nas escolas da freguesia de Pêra do Moço. Nem mesmo recordo o nome completo dos que eu tive. Apenas posso esclarecer que o meu primeiro mestre dizia chamar-se Carlos dos Santos (de Azevo, Pinhel), foi substituído por uma senhora ainda nova, D. Guilhermina Pina (de Aldeia Viçosa), a qual entregou o lugar a D. Adelaide Martins Chorão (de Aldeia da Ponte, Sabugal).
Os ascendentes do marido desta senhora, Amândio Martins da Fonseca, eram originários da freguesia, sendo ainda ele então proprietário do prédio rural conhecido por Confraria, referido noutro lugar destas anotações.
Na já afastada data de 9 de Maio de 1920, os habitantes de Guilhafonso dirigiram ao Ministro da Instrução o pedido da criação de uma escola móvel, que poderia atender também as crianças de Martianes. Dizia-se que a aldeia ficava a três quilómetros da escola oficial, de Pêra do Moço, e que era grande a frequência escolar. A pretensão não foi atendida.
Nas primeiras décadas deste século, Pêra do Moço teve uma diminuta estação de serviço postal, onde os seus moradores podiam adquirir estampilhas e entregar cartas ou bilhetes postais, que ao tempo estavam muito em uso, porque a taxa a pagar era bem mais económica. Havia uma mulher, a que se dava a designação de "estafeta", que diariamente fazia o trajecto de ida e volta entre Codeceiro e Guarda-Gare, transportando as malas do correio das duas freguesias. A correspondência postal era distribuída a domicílio.
A responsabilidade da estação estava a cargo de um pequeno comerciante, com taberna e mercearia, um indivíduo de certo destaque no meio, chamado Joaquim de Pina e Oliveira. Durante muitos anos a distribuição das cartas esteve confiada a um funcionário dos C.T.T. natural e residente na freguesia, José Rego — irmão de um conhecido farmacêutico da Guarda, Manuel Rego, que também nasceu nesta freguesia, na Menoita, e foi o fundador da Farmácia Rego, ainda hoje existente naquela cidade.
Em certa altura, pelo ano de 1952, a estação postal fechou e os serviços foram transferidos para a estação ferroviária de Sobral-Gare, onde se mantiveram durante alguns anos.
A actividade industrial foi sempre muito reduzida em toda a freguesia. A única indústria tradicional era a fabricação de telha, na Menoita, que se sabe vir de longe e ser o principal centro abastecedor da região. Decaiu nos últimos tempos, não tendo êxito algumas tentativas de modernização.
No Verdugal funcionava, ao lado de uma forja de ferreiro, uma fábrica de moagem, cujas moendas eram activadas por um motor de explosão. Não era grande o movimento, pois os maiores produtores de centeio faziam moer o cereal numa moagem de mais fama existente em Pomares ou o entregavam aos moleiros de Avelãs de Ambom e Rocamonde, os quais vinham buscar o cereal e o devolviam transformado em farinha, depois de subtraírem a respectiva "maquia".
Quanto aos restantes povoados, a indústria local pouco passava de algumas fráguas de ferreiro, uma ou outra forja de serralheiro, poucas e mal apetrechadas oficinas de marceneiro ou de carpinteiro (estas na maior parte dos casos com a finalidade de confeccionarem os instrumentos agrícolas), algumas bancas de sapateiro (quase todos habilitados apenas para fazer tamancos, botas de pneu e o conserto do calçado de uso quotidiano, que também era vulgarmente designado por "calçado de cote").
Pode afirmar-se que todos os "artistas" se dedicavam mais à profissão no período invernoso, visto que o estival era quase sempre reservado para os trabalhos agrícolas, que a todos dava o necessário para viverem, aquilo de que careciam para se alimentarem.
Prestava-se particular atenção e especial interesse ao que podia designar-se por agricultura de subsistência. A cultura agrícola destinada à venda pouco ia além da produção de batata, não sendo muitos os que a sustentavam.
Também a actividade comercial interessava pouco os habitantes da freguesia de Pêra do Moço. Somente na Rapoula havia uma loja razoavelmente abastecida, que vendia os artigos empregados pelos sapateiros nos seus trabalhos de fabrico ou conserto de calcantes comuns, e outra que poderia aproximar-se do género armarinho, retrosaria ou capelista, e satisfazia as exigências dos poucos alfaiates e costureiras e as vulgares necessidades das mães de família.
Quanto ao mais, o comércio limitava-se a uma ou outra taberna, geralmente designada por venda, que negociava vinho a copo, por vezes aguardente, cerveja, refrigerantes, xaropes (em regra apenas usados para refrescos), cigarros ou tabaco em onça, fósforos, petróleo de iluminação e coisas parecidas.
Uma ou outra venda comercializava açúcar em pesagens de quilo, meio-quilo ou quarto-de-quilo, arroz em quantidades equivalentes, e ainda bacalhau de fraca qualidade, sabão e azeite. Havia algumas que tinham outros artigos, papel, lápis, borrachas, linhas, botões, nastros, elásticos, fitas e piões!
Funcionavam quase sempre nos baixos de alguma residência de andar. Não tinham janelas e a iluminação fazia-se pela porta. Se algumas tinham soalho, outras tinham piso simples de cimento, liso, e raramente se encontrava uma venda com pavimento de ladrilho.
As condições de limpeza deixavam muito a desejar. Os copos eram lavados mergulhando os bordos na água de um alguidar, raramente renovada, e agitando-a com movimentos rápidos. Não era lavar, nem sequer enxaguar! Os clientes chamavam-lhe cerimónia, dando-lhe também a designação de exéquia...
Há quem defenda a preservação de alguns destes estabelecimentos, para que se conserve a imagem do viver antigo...
Aí por meados da década de 1930, as autoridades impuseram aos donos das tabernas a colocação de meias-portas, do tipo vaivém; atingiam só pouco mais de meia altura e eram providas de molas que as mantinham sempre fechadas, tanto abrindo para fora como para dentro.
Dizia-se então que essa medida tinha em vista manter certo isolamento e evitar que a criançada pudesse presenciar as cenas pouco edificantes que ali se desenrolavam, normalmente bebedeiras, discussões, insultos, palavras obscenas e sessões de pancadaria...
Nesse tempo, as tabernas ou vendas eram vistas com reserva e a polícia exercia sobre elas uma vigilância cautelosa!
Em dado momento, passou a ser exigida a afixação de um cartaz que dizia:
— "É proibida a permanência de menores".Na Espanha, até se descia ao pormenor:
— "É proibido cantar e blasfemar".
Falámos atrás de uma moagem accionada por motor, que funcionou no Verdugal. O seu proprietário, Albino Pires, foi o pai de dois fabricantes de apreciadas facas de cozinha, renomadas como manifestação artesanal, Adelino Pires e Ernesto Pires.
O primeiro é alguns anos mais velho do que o compilador destas anotações; o segundo é praticamente da mesma idade, tendo sido companheiros nos bancos da escola primária. A sua iniciativa permitiu-lhes colher bons resultados pecuniários, mas também divulgou o nome da sua terra, dando-o a conhecer em dilatadas regiões do País e até do estrangeiro.
Esta família manifestou de longe raros dotes de iniciativa. Já falámos na sua moagem mecânica, uma inovação com tendência progressista.
Pelo início da década de 1930, o pai Albino Pires tomou a decisão de construir a residência fora da povoação, numa propriedade agrícola, e tal facto causou estranheza. O feito foi imitado algum tempo depois por outro morador, que edificou casa nas proximidades da primeira.
Foi esta a origem da Quinta do Albino e da Quinta do Rebelo. Antes disso havia apenas em toda a freguesia uma residência isolada, junto à estrada que liga a Guarda a Pinhel; tinha o expressivo nome de Estalagem, não se sabendo que na origem ou alguma vez tivesse tal finalidade, pois a tradição local nada informa a esse respeito.
Vinha de longe a atracção pelo teatro, quase sempre de fundo religioso, embora essa manifestação se efectivasse muito esporadicamente. Falando de Pêra do Moço, podemos dizer que conhecemos várias pessoas que nos princípios do século XX (mais provavelmente ainda nos anos finais do antecedente século XIX) tomaram parte na representação do Auto de São Sebastião, e alguns anos depois na apresentação do drama histórico Inês de Castro.
Em 1947 e 1948, representaram-se duas célebres peças teatrais escritas por Almeida Garrett, respectivamente, o figurativo Alfageme de Santarém (em 7 de Setembro de 1947) e o clássico Frei Luís de Sousa (em 16 de Maio de 1948). Para encher mais o programa, acrescentou-se a este último a alegoria Milagre da Serra, de João Correia de Oliveira, baseada nas aparições de Fátima, pouco antes publicada.
A iniciativa destes eventos foi do compilador destas anotações. Registamos que em vez dos trajes fantasiosos que geralmente se empregavam, houve a inovação de usar indumentária da época, fornecida por casa especializada do Porto, sendo alugado o correspondente guarda-roupa.
Sem pretender e nem poder elaborar uma lista completa destes acontecimentos, podemos referir que na freguesia se efectivaram, mais de uma vez, no nosso tempo, em Guilhafonso e Verdugal, Rapoula e Menoita.
Recordamos os títulos de alguns: Paixão de Cristo, Auto de Santa Bárbara, Rainha Santa, Honra e Glória, Os Dois Sargentos. Mas sabemos que foram muitos mais, outros que a memória se recusa a fazer reviver.
Quando ainda adolescente, tive a casual oportunidade de compulsar, de ler e a iniciativa de copiar um manuscrito do Auto de São Sebastião, que estava muito danificado, pois tinha sido escrito algumas dezenas de anos antes e servira várias vezes para récitas teatrais, tanto em Pêra do Moço como noutras localidades da região.
Sabemos não ser o texto original, pois a peça havia sido impressa no Porto, já no afastado ano de 1862. Conclui-se muito facilmente que se trata da adaptação do conhecido romance "Fabíola", de Wisemann. Ainda o conservamos, tendo-lhe introduzido mais tarde algumas alterações. Atribuía-se a sua autoria a D.Maria José Furtado de Mendonça, senhora culta, residente na Rapa e falecida em 1922, concluindo-se que foi obra da juventude...
Referem-se a esta escritora Pinharanda Gomes, em "Dicionário de Escritores do Distrito da Guarda", Inocêncio da Silva e a Grande Enciclopédia Portuguesa e Brasileira.
Efectuavam-se na freguesia outras manifestações que não deixam de apresentar certo interesse, sobretudo as de índole religiosa. Tentaremos dar um apanhado muito sumário das que reputamos de maior importância.
O dia 25 de Abril, dia do evangelista S. Marcos, realizava-se o cortejo ou procissão com origem na igreja paroquial e término na capela de Rapoula, que lhe é dedicada, entoando ao longo do comprido percurso as rogações, ou seja a Ladainha de Todos os Santos, recebendo até a designação litúrgica de Ladaínha Maior. Em Pêra do Moço era, sem dúvida, a mais extensa, embora as outras, efectuadas nos três dias anteriores à Quinta-Feira da Ascensão, não fossem curtas, atendendo ao trajecto percorrido.
A primeira destas terminava na pequenina capelinha de Martianes; a segunda, passava pela capela de S. Sebastião, da sede da freguesia; e a terceira e última na de Verdugal. Estas eram as chamadas Ladaínhas Menores.
Repetiam-se as conhecidas invocações e incluíam sempre, tanto a Maior como as Menores, a celebração da missa correspondente. A afluência dos fiéis era bastante grande. Sabemos que a tradição das ladainhas não é cristã, tem fundo pagão, as suas raízes encontram-se no paganismo romano.
Segundo afirmam as notas litúrgicas, tinham em vista pedir a protecção divina para os trabalhos do campo, as culturas, sementeiras e colheitas agrícolas.
Nos terceiros domingos dos meses de Maio, Junho, Julho e Agosto, realizava-se depois da missa dominical uma procissão eucarística em volta da igreja da paróquia.
Era costume imemorial, mas de que se não sabe a origem, pois não tinha fundamento no calendário litúrgico e era tradição exclusivamente local. Em toda a região, efectuava-se só em Pêra do Moço.
No domingo da Ressurreição e no dia do Corpo de Deus, depois da missa, a procissão eucarística percorria grande parte da aldeia e era abrilhantada por vários estandartes, pelo menos um de cada anexa, assim como as correspondentes cruzes processionais.
No dia de Páscoa, entoava-se repetidas vezes (e sobrepondo-se a outros cantos apropriados) o responsório: Regina caeli laetare. Na festa do Corpus Christi tinham vez os cantos religiosos popularizados.
Em muitos ou quase todos os domingos do ano, assim como no Dia de Finados, 2 de Novembro, fazia-se o cortejo de sufrágio pelas almas do Purgatório, em volta do cemitério, o adro que circundava a igreja. Entoavam-se os nove responsórios do Officium Defunctorum, em que o latim era barbaramente maltratado pelo acólito leigo.
Antes da missa do domingo, o padre sentava-se na imponente cadeira paroquial e ia evocando os nomes constantes de uma longa lista que tinha nas mãos; depois de cada evocação referida rezava o Pater noster. Chamava-se a isso Rezar as Amentas. Tal como nos restaurantes, ementa ou amenta significa lista, rol, relação.
Falámos em certo ponto que o P. Antonino celebrava a missa com muito atraso. Convenhamos agora se podia terminar cedo ou mesmo dentro de horário rígido, cumprindo todas estas obrigações!
Depois que ele saiu, o P. Alberto Gonçalves fez com que alguns desses costumes terminassem ou tivessem menor apreço e influência. No entanto, devemos ter presente que também era pouco escrupuloso no cumprimento de horários, olhava pouco para o relógio!
A morte exercia influente papel na vida da comunidade, não tanto o falecimento das pessoas, que se rodeava de certo recato, mas sobretudo o funeral e as exéquias de sufrágio, de âmbito geral e a que grande número de pessoas se associava.
Pode dizer-se que se não realizavam enterros civis, pois o padre acompanhava-os sempre, desde a residência ao cemitério, e isso quer fosse da povoação quer das anexas mais afastadas, como Guilhafonso, Rapoula ou Menoita. Até perto dos meados do século, todos os cadáveres eram sepultados em Pêra do Moço, no adro que ladeava a igreja. Só depois se estabeleceram novos cemitérios, os que actualmente existem.
As famílias com algumas posses não deixavam de ter em conta o valor da esmola e, por ocasião da saída do enterro, faziam distribuição de pão centeio, o que na região se consumia, a quem quisesse recebê-lo. Devemos considerar que se viviam tempos de grande carência e havia quem apreciasse tal gesto. Mais tarde, este costume evoluiu, modernizou-se, e foi substituído pela distribuição de moedas.
Durante o percurso do cortejo fúnebre, o sacerdote entoava em melopeia gregoriana o conhecido salmo Miserere. Também se aproveitava o tempo para rezar o terço. E ainda sobrava para conversa em voz submissa, na linguagem eclesiástica.
O féretro entrava na igreja paroquial, ouvindo-se o bimbalhar plangente dos sinos, fazendo-se ali a encomendação do cadáver, cantando os versículos do ritual e seguindo depois para o cemitério, onde era enterrado.
Muitas vezes, sobretudo quando se tratasse de pessoas de maior destaque, havia missa de corpo presente ou até o canto do Officium Defunctorum, com a presença de meia dúzia de sacerdotes, ou até mais, expressamente solicitados para o acto.
Nem sempre este rito se fazia no dia do funeral. Muitas vezes acumulavam-se as intenções e destinava-se-lhes um dia, em que se sufragavam diversos mortos, também com a assistência de numeroso clero, denominado Dia de Ofícios.
A propósito, pode registar-se uma curiosidade que pelo seu exotismo merece menção especial. Havia no Verdugal uma senhora muito devota, casada mas sem filhos, que receando não terem os seus herdeiros, à morte de ambos os cônjuges, a iniciativa de lhes sufragar as almas (assim se explicou o facto), fez com que ainda em vida fossem cantadas as diversas partes constituintes do Ofício dos Mortos, a que se seguiu a solene Missa de Defuntos, por sua alma e pela alma de seu marido, que assistiram à função.
Não recordo já como este se chamava, embora o tenha conhecido muito bem; ela chamava-se Matilde, e não esqueci o seu nome, porque era igualmente o de minha mãe.
Ao tempo, afirmou-se que para fazer isso o pároco (P. Antonino Dias Saraiva) entrou em contacto com o bispo da diocese (D.José Alves Matoso), que não viu em tal facto qualquer irregularidade, era apenas uma excentricidade!
Voltemos, porém, a falar dos hábitos normais de sufragar os falecidos. Nos quatro primeiros dias santificados que se seguissem ao funeral, (mais tarde passaram a ser só dois) juntavam-se os vizinhos, parentes, amigos e conhecidos junto da casa onde alguém morrera, rezavam pela sua alma e em seguida dirigiam-se à igreja; passavam junto do cruzeiro colocado em frente da porta principal, comemorativo de certa Missão, celebrada há muitos anos (na data de 1879, gravada no supedâneo); ali ajoelhavam e rezavam o Pai Nosso, a Ave Maria e o Glória, a que se refere a legenda inscrita na base; seguiam depois para junto da sepultura, entrando por fim no templo para assistirem à missa.
No final, repetia-se o trajecto (sem a ida ao cruzeiro) sob a presidência do pároco. Na sede da freguesia, depois de ele se retirar, continuava a reza por algum tempo. Os fiéis cristãos da freguesia eram, como estamos vendo, mais papistas que o Papa...
Acorriam a estas funções parentes, amigos e conhecidos. Aproveitava-se o ensejo para convívio amigável e relacionamento frutuoso, revitalizante. Também nós nos deslocávamos às freguesias vizinhas, para nos incorporarmos em idênticas comemorações de sufrágio pelos mortos.
Até pelo decurso do segundo quartel do século XX, a população residente era abastecida de água apanhada em fontes de mergulho, isto é, submergindo a vasilha para a encher de líquido. Nem sempre estariam limpas, por vezes até muito emporcalhadas, o que representava um perigo para a saúde.
No inverno, o caudal bastante volumoso garantia certa pureza, mas no verão, em que era diminuto, aumentava o perigo de afectar a saúde de quem a usasse. Realmente, não constituía perigo imaginário, antes era muito real e concreto.
Em Pêra do Moço havia duas fontes de mergulho, sendo a da Lameira, na parte baixa, muito menos confiante do que a do Castelo, na parte alta da povoação.
Pêra do Moço dispunha de água relativamente pura, podendo dizer-se que potável, e por isso as doenças que ela provocava não eram muito frequentes; mas noutras povoações a situação chegava a ser alarmante.
No decorrer da década de 1930, foi feita nova exploração de água e canalizada para os marcos fontenários, primeiro dois e depois três; a aldeia passou a usar a água do chafariz, de maior confiança. Neste particular, a situação era idêntica em todas as aldeias.
As ruas da localidade não tinham piso consistente, eram ainda simplesmente de terra batida. No verão levantava poeira e no inverno transformava-se em incómodos lamaçais.
Nas partes fundas das ruas, os moradores lançavam caruma e giestas cortadas em troços curtos, que eram trilhadas e moídas pelo calcamento prolongado de carros, animais e pessoas; esses restos esmagados e apodrecidos serviam para estrumar os campos. Ofereciam aos transeuntes a vantagem de eliminar ou diminuir o lamaçal.
Em certo momento as autoridades viram ser necessário fazer o calcetamento das ruas principais. Foi realmente feito, tendo sido esquecidas as ruelas secundárias, que ficaram para nova e futura ocasião. O piso era desnivelado e andava-se nele com relativo incómodo, tanto as pessoas como os animais de trabalho. Só bastantes anos mais tarde se regularizou e aperfeiçoou, aplicando-lhe uma camada de asfalto.
O calcetamento da rua principal da sede da freguesia deve ter sido efectuado talvez depois de 1935. As restantes, assim como as das demais aldeias, deverão ter sido pavimentadas bastantes anos mais tarde, por certo já pelos meados do século.
A grande aspiração de todas as aldeias da região era serem dotadas de luz eléctrica. Pensava-se nisso desde longa data, mas os responsáveis estavam pouco dispostos a atender este justo desejo. Só nos primeiros anos do último quartel do século XX foram efectuados os trabalhos da electrificação e estabelecida a rede de distribuição domiciliária. Não dispomos de dados cronológicos que permitam estabelecer a data provável deste melhoramento. Tendo em consideração ocorrências diversas e relacionando factos, poderemos deduzir que a iluminação eléctrica de quase toda a freguesia ocorreu pelo ano de 1976.
Nessa ocasião, andava por outras paragens, desprendido dos problemas da terra, residindo no estrangeiro. Estes melhoramentos, por tal motivo, foram concretizados sem que tivesse conhecimento directo e pessoal dos trâmites percorridos.
Pouco depois de 1930, sendo eu ainda muito pequeno mas tendo do facto suficiente lembrança, numa tarde de domingo um grupo de rapazes distraía-se junto da capela de S. Sebastião, que talvez estivesse em obras. Encontraram ali um andor velho, dos que se usavam nas procissões, atirado para qualquer sítio. Com a maior inocência e naturalidade, talvez julgando mesmo tratar-se de uma atitude louvável, improvisaram um cortejo pelas ruas da aldeia, tendo colocado um rapazito sobre o andor, como se fora a imagem de um santo.
O pároco de então viu o facto pouco favoravelmente, censurou com aspereza os seus promotores, e parece que até os ameaçou, ipso facto, com a pena de excomunhão canónica (sem dúvida improcedente), por falta de respeito às coisas e cerimónias religiosas.
Como o caso não era grave por sua natureza, pois todos estavam certos de não ter havido intenção desrespeitosa, e muito menos atitude ofensiva, o problema em breve envelheceu e esqueceu. Recordei-o ao arrancar da memória um pouco do muito que lá está depositado e escondido...
O sacerdote em questão era o P. Manuel Salcedas, que na verdade tinha feitio um tanto agreste; creio que se fosse o seu sucessor, o P. Antonino, talvez nada haveria, pois era por temperamento mais dado à condescendência, muito mais compreensivo.
O jornal "A GUARDA", no seu número do dia 21 de Fevereiro de 1997, na página 15, publicou um artigo assinado com as iniciais J.G., que nos levaram a pensar ser o seu autor o conhecido investigador Jesué Pinharanda Gomes, que muito se tem dedicado ao estudo do passado eclesiástico da diocese egitaniense. Admitimos logo que esta suposição poderia levar-nos a um erro grosseiro!
Solicitando informações, Pinharanda Gomes esclareceu-nos que o seu autor é o P. José Geada, outro pesquisador das coisas de antanho.
Esse escrito traça notas biográficas do bispo D. Jerónimo Rogado do Carvalhal e Silva, natural da freguesia de São Vicente, da cidade da Guarda, tendo ocupado a sede episcopal diocesana, de 1773 a 1797, segundo o jornal, ou de 1775 a 1797, segundo a "História Eclesiástica de Portugal", do P. Miguel de Oliveira, sendo mais provável a primeira informação — depois de ter passado durante meia dúzia de anos pela diocese de Portalegre.
No corpo desse artigo afirma-se que um dos seis irmãos de D. Jerónimo, talvez o mais moço, (pois é o seu nome que encerra a correspondente lista), o cónego da sé da Guarda P. José Lobo Castelo Branco, foi pároco de Pêra do Moço.
Podemos admitir-se a hipótese de que isso ocorresse durante o episcopado de seu irmão, portanto no último quartel do século XVIII.
Não deve causar estranheza a diferença de apelidos, pois naquele tempo eram muitas vezes escolhidos pelo utente, por razões pessoais, adoptando frequentemente os dos padrinhos ou outros seus benfeitores.
O artigo em referência diz-nos que o nome do bispo só aparece completo em 1738, quando já tinha dezoito anos de idade e se matriculou na Universidade de Coimbra. Adoptou o que usara seu avô materno, Jerónimo Rogado do Carvalhal, juntando-lhe o apelido Silva; não sabemos onde foi buscá-lo.
Tenhamos em conta que até 1911 não havia em Portugal o registo civil e que a escolha dos nomes só bastantes anos depois foi regulamentada.
Entre Pêra do Moço e Verdugal existe uma boa propriedade agrícola a que se dá o nome de Confraria, indicativo provável de que tenha sido propriedade de alguma congregação religiosa; se o foi, deverá ter sido confiscada em 1835, por motivo da expulsão dos frades, ou em 1760, em consequência da expulsão dos jesuítas.
A tradição local não se lhe refere, pelo que deve ser posta de lado a primeira hipótese, de que por bastante próxima (pouco mais de um século e meio), não deixaria de se ter conservado memória; e também nada nos deixa prever ou concluir que na freguesia se tivessem instalado os jesuítas.
Não podemos deixar de ter em conta que, para esta região, é uma propriedade bastante extensa e valiosa; a designação que a acompanha alicerça a convicção de se tratar de uma propriedade pertença de algum organismo eclesiástico.
A existência de um chafariz, o único da região, corrobora aquela suposição, pois segundo a conhecida expressão de Trindade Coelho trata-se sem dúvida de obra de frades. O citado chafariz tinha (e talvez ainda tenha) duas bicas de água corrente, acumulada num tanque e servindo naturalmente para regar a horta.
Reconhecemos ser de traçado relativamente modesto, todavia não deixava de ser de boa cantaria, em granito da região, provavelmente de alguma pedreira próxima.
Outro pormenor nos chamou a atenção, desde a meninice — ao contrário do que era habitual, os seus proprietários, embora da freguesia, tinham residência afastada, pois habitaram em Martianes, e eram talvez os mais endinheirados moradores das redondezas.
A igreja paroquial de Pêra do Moço possui algumas imagens que parecem ser artisticamente valiosas.
Duas delas deverão ter certa antiguidade, deixando a impressão de serem do estilo barroco antigo — S. João Baptista e S. José.
Há outras que parecem ser do barroco mais recente:— Senhora do Rosário e Jesus Crucificado (Senhor dos Aflitos).
Havia uma, de excepcional beleza, com uma invulgar expressão de vida e naturalidade, aparentando ser do mesmo estilo da Senhora do Rosário, que já no último quartel do século XX foi roubada, certamente para algum coleccionador de arte sacra, conhecedor do seu valor sob o aspecto artístico mas de consciência pouco escrupulosa! Representava o Menino Jesus em idade de criança crescida, que muito raramente deverá encontrar-se. Era protegida por uma campânula de vidro, uma redoma, de razoável tamanho, sendo a estátua de altura média.
Não temos ideia de qual seria o valor artístico das imagens que se espalhavam pelas capelas públicas das anexas, mas cremos que não era grande. Havia algumas designadas de roca, que como se sabe tinham apenas a cabeça e as mãos, sendo o corpo sugerido por meio de uma armação de ripas ou canas, envolvidas em tecido.
Em certa ocasião, as mordomas de momento compraram pano para revestirem a imagem de Nossa Senhora das Necessidades, de Martianes; verificando depois ser insuficiente, resolveram o problema pedindo a um carpinteiro que cortasse um tanto da altura das varas ou roca. A população feminina, considerou isso um desacato e não poupou os remoques!
O pão que no meu tempo de criança se comia na região era o de centeio, cultivado, farinado e panificado na própria localidade. Cada uma das aldeias possuía o seu forno público, que todos utilizavam.
Depois de ficar alguns dias sem servir, arrefeciam as lajes de granito que o constituíam e, ao ser aquecido pela primeira vez, precisava de maior quantidade de lenha; devido a isso, tal encargo era cometido por vez, no primeiro dia útil da semana, segundo o local da residência, — era o que se chamava desamuar o forno — respeitando-se depois para a sua utilização a posição relativa à residência de cada família.
Os progressos registados, as modificações introduzidas nos hábitos correntes vieram acabar estes e outros costumes, que os vindouros esquecerão e, conhecendo-os, só dificilmente os poderão compreender.
Sabemos, por informação prestada pelo livro do P. José Geada, "A Música na Sé da Guarda", que houve na povoação de Rapoula, de Pêra do Moço, umas propriedades cujo rendimento se destinava ao pagamento dos emolumentos de dois capelães-cantores da catedral diocesana. Infelizmente, não se conhecem pormenores do caso, e seria interessante saber quais seriam, como lhes foi atribuída tal finalidade e o que foi feito para a situação se alterar. Tudo nos leva a pensar que isso ocorresse ao longo do século XVIII.
O inquérito do Marquês de Pombal, adiante referido, refere-se a tal ocorrência, confirmando e reforçando a informação.
Nos princípios do século, segundo pode deduzir-se, a capela de São Sebastião, de Pêra do Moço, degradou-se por falta de reparação oportuna e quase deixou de servir o culto. Segundo relata a tradição, cultuava-se ali uma valiosa imagem do patrono, (a que actualmente ali se encontra) que corria o risco de se deteriorar, de irremediavelmente se danificar.
Em face disso, a estátua foi transferida para a igreja paroquial; em seu lugar foi colocada outra, mal feita, feia, um verdadeiro mostrengo, mostronço ou monstronço, na linguagem local. Recordo de ali a ver, no dia das "rogações", onde entrava a procissão que, depois de ser rezada a missa, prosseguia a caminho da matriz, de onde viera.
Em dada ocasião, pela primeira metade da década de 1930, a capela entrou em obras e ficou em condições de servir. A imagem primitiva voltou ao seu lugar e a outra, sua substituinte, arrumada em qualquer canto, de onde inexplicavelmente desapareceu, sem se saber como isso poderia ter acontecido.
No falatório do povo, tinha sido o pároco, P. Antonino, que a havia destruído, ou então teria sido recolhida por uma conhecida devota, que seria D. Palmira Marques.
Temos de reconhecer que o P. Antonino não deveria ser pessoa para fazer mistério; quanto àquela senhora, nada se provou, pois quando faleceu não estava entre os seus objectos de devoção. O enigma nunca se desvendou e parece que, pelo pouco que a imagem valia, se não justificava sequer que tivesse surgido. Ninguém se importou grandemente com o caso. Nem sequer o património artístico ficou empobrecido!
Ninguém deve reparar que me refira muito particularmente aos problemas que se prendem com Pêra do Moço, mais do que aos das suas anexas. Nasci e criei-me ali e conheço melhor os acontecimentos; trata-se da sede da paróquia, onde foi construída a matriz e funciona a Junta de Freguesia; as demais povoações ocuparam sempre lugar secundário, os seus eventos não deixavam de ser locais.
Na minha infância, a igreja paroquial dispunha de alguns conjuntos de castiçais que creio serem de estanho ou chumbo. Eram semelhantes os dos três altares, com a diferença do tamanho; o altar-mor tinha seis, bastante altos; os outros altares tinham cada um deles dois mais pequenos.
Sendo considerados velhos e feios, foram adquiridos outros, considerados mais bonitos, amarelos e brilhantes, de vulgar liga metálica. Deverá ter-se aproveitado para fazer a substituição alguma visita pastoral ou festa paroquial de maior brilhantismo — não sei!
O que seria feito dos antigos? Ainda por lá andarão os seus possíveis fragmentos ou terão sido vendidos a peso a algum vulgar comprador de restos de metal?
Entre os de chumbo e os metalizados, houve outros, de madeira dourada, destituídos de valor artístico, mas que hoje poderiam ser considerados interessantes como elemento decorativo! Já não devem existir!
É defeito comum não ter em conta que o velho nem sempre é ruim e feio e o novo nem sempre é bom e bonito! Por isso nos atrevemos a fazer a pergunta: — Não terá sido um erro?!
No património artístico da paróquia, a peça de maior valor era, certamente, um ostensório ou custódia, que desde longa data esteve em casa de meus avós paternos e meus pais. Muitas vezes, quando devia ser usada, a tirei e repus na sua caixa de madeira, conservada em lugar que se julgava ao abrigo de possíveis ou hipotéticos ladrões.
Creio que se mantinha ainda em casa de meus pais quando eu dali saí; durante algum tempo ficou entregue ao zelo de meu irmão Joaquim, já falecido; hoje o seu guardião é ainda um dos descendentes da mesma família, o único a residir na freguesia, João Marques dos Santos.
Será oportuno perguntar desde quando e porque estava confiada a tal guardião, o avô Domingos?!
Estou convencido de que acontecia isso desde o início do século; sei que tinha óptimo relacionamento com o P. Joaquim Pereira Monteiro, que não queria tê-la sob sua responsabilidade, e talvez ele o sugerisse!
Todos os párocos foram estimados pelos meus ascendentes, sobretudo os que mais tempo se mantiveram — P. Joaquim Pereira Monteiro, P. Antonino Dias Saraiva e P. Alberto Gonçalves.
A outra questão leva-nos a pensar que fosse:
a) por ser dotado de reconhecidos sentimentos religiosos;
b) porque oferecia plena confiança como depositário,
c) porque a sua residência era a mais próxima da igreja paroquial.
Admitamos que estas razões poderiam no momento ser consideradas decisivas e fundamentais!
Havia quem dissesse ser de ouro. Recordando a imagem que dela conservo, tenho a convicção de que poderá ser de prata dourada.
Tem razoável peso, desenho elegante, talvez destacado valor artístico. Recordando a sua imagem, conjecturamos ter um pedestal de altura razoável, que sustenta o corpo principal, com a forma de paralelipípedo, cujas arestas representam colunas e têm pequenas campânulas pendentes, sendo encimado por uma cúpula. A pequena cruz superior, que se lhe adaptava por meio de grossa rosca, tinha forma de grande simplicidade, comparativamente, e a tradição recolhida através do nosso avô paterno, dizia que a cruz original tinha sido aproveitada pela irmã de um pároco (sem apontar qualquer forma de identificação), para a usar num cordão de ouro, sendo substituída por outra menos bonita.
A mais ligeira análise pode levar a concluir que houve, certamente, uma substituição.
Em vez do atropelo referido, talvez seja mais provável e mais dignificante pensar que se tenha perdido e fosse substituída por outra mais pobre.
Apreciando-a sob o aspecto artístico, poderemos admitir que a custódia de Pêra do Moço seja um razoável exemplar da joalharia barroca.
Neste momento, em que se pensa no inventário dos objectos de arte das nossas dioceses e paróquias, de todos os bispados e freguesias de Portugal, cujo plano de efectivação prevê que seja concluído antes do fim do século, até ao final do ano 2000, o referido ostensório deverá talvez ficar à testa da lista, sendo-lhe atribuído o primeiro lugar do Inventário Artístico-Religioso de Pêra do Moço.
Será ilusão, será erro ou apreciação deformada por imagens que acompanharam toda a infância e adolescência?
Como será fácil calcular, nem todos os pormenores curiosos vêm à lembrança em sucessão ininterrupta, muitos são recordados isoladamente. Dos mais importantes ou mais significativos poderá fazer-se-lhes menção, embora extemporânea; os de menor interesse serão simplesmente votados ao esquecimento.
Recordo que antes da missa dominical, qualquer que fosse a hora da celebração, o pároco realizava a cerimónia da aspersão do povo, percorrendo a igreja pela sua coxia central, desde o altar-mor até à porta principal. Enquanto aspergia com o hissope, ia pronunciando a antífona adequada — Asperges me Domine — terminando com a recitação da súplica correspondente, a oração litúrgica Exaudi nos Domine.
Com bastante frequência, antes desse rito, benzia a água julgada indispensável, em volume ou capacidade que seria de mais de um decalitro de cada vez, quantidade que podemos considerar exagerada; era depois distribuída por quatro grandes pias de pedra ainda hoje conservadas na igreja.
Havia umas tantas devotas que a apanhavam na concha da mão e iam lançá-la sobre a sepultura dos seus familiares, no adro circundante à igreja, atitude que então víamos sem estranheza e hoje nos parece mais uma crendice do que fé sólida e suficientemente esclarecida.
Consultando algumas obras litúrgicas, podemos concluir que a cerimónia do Asperges poderia ou até deveria ser cantada e não apenas recitada, como eu via fazer. Era então um rito corrente de preparação para a chamada "missa conventual".
Recordaremos também como decorriam as cerimónias que antecediam a procissão do Domingo de Ramos, curiosas e interessantes, dentro das normas litúrgicas ao tempo em vigor e que julgamos virem da reforma preconizada pelo Concílio de Trento.
Depois da bênção litúrgica dos ramos de oliveira, previamente encomendados nalguma das aldeias do vale do Mondego, quase sempre no Sobral da Serra, enquanto se fazia a sua distribuição pelos fiéis cantavam-se repetidas vezes as duas antífonas que começavam ambas com as palavras latinas: Pueri Hebraeorum.
Realizava-se a procissão em volta do adro e, quando voltava, as portas da igreja estavam fechadas; estabelecia-se então um diálogo em melopeia gregoriana entre um grupo de cantores do sexo masculino (dentro da igreja), que entoava a estrofe Gloria, laus et honor, ficando as outras, de texto diferente, a cargo do pároco, que estava fora com os fiéis.
A cerimónia estava prevista, como atrás referimos, nas rubricas litúrgicas de então, que vinham do longínquo Concílio de Trento.
Não será difícil compreender que se aproveitava a ocasião festiva para estrear roupas novas. Ao tempo, não era costume comprá-las logo que se sentisse necessidade ou tivesse gosto, as condições eram exigentes e as disponibilidades escassas. A maior parte fazia isso no Domingo de Páscoa, Festa de Flores, o mais festivo do ano. Repare-se que é mais expressivo dizer Festa de Flores do que Festa das Flores. Não faltava quem antecipasse em uma semana tal acontecimento e a satisfação que lhe correspondesse; em vez de ser no Domingo da Ressurreição, estreavam-se no Domingo de Ramos.
O P. Antonino era muito devoto, como já dissemos, e promovia com certa frequência missas cantadas, nos domingos ou festas litúrgicas que ele entendia deverem assinalar-se. Para isso convocava o seu grupo de cantores, dos dois sexos, que ensaiava durante alguns dias na sacristia da igreja, ao princípio da noite, depois da reza diária do terço.
O coro tinha pouca capacidade e talvez por isso o reportório limitava-se a duas missas, que se alternavam — uma em canto gregoriano, designada por De Angelis (No compêndio musical tem o indicativo VIII, e juntava-se o Credo, que tem o indicativo III), e outra que ele designava por Missa de Lurdes, em toada próxima daquela mas que talvez se possa atribuir ao antigo compositor francês Henri du Mont. O texto era cantado em latim, a língua litúrgica de então.
Dá vontade de registar os nomes dos principais e mais assíduos participantes, constituintes do grupo coral, em Pêra do Moço: — Fernando Mendes e suas filhas, Conceição e Amélia; António dos Santos e seus filhos, Joaquim, José (eu mesmo) e Manuel; o primo destes, Luís Pires; e mais uns tantos componentes, nem sempre os mesmos, de que recordo Maria do Céu, Cândida Marques e Lídia Videira. Por vezes entravam outros elementos.
Os dois primeiros nomeados, Fernando e Conceição, pai e filha, eram considerados e eram na realidade as melhores vozes do conjunto.
Na aldeia não havia algo que se parecesse com clãs; no entanto, este grupo congregou-se em família, nos anos futuros, mesmo através de descendentes, ao tempo muito longe da data do seu nascimento.
Dois netos do Fernando e do António, filhos da Conceição e do José, casaram entre si (Joaquim e Cristina); o Joaquim foi o marido da Cândida; o Manuel casou com a Lídia.
Nos domingos comuns cantavam-se hinos com músicas popularizadas, conhecidas em quase todo o país. Só mais tarde, na década de 1950, começou a fazer-se em voz alta a leitura da tradução em vernáculo da Epístola e do Evangelho.
A freguesia não tinha grande actividade comercial, como já salientámos. Quase tudo o que era preciso comprar se adquiria na cidade da Guarda ou então nalgumas das feiras regionais, a que também já nos referimos.
Aproveitamos a oportunidade para dizer que, talvez no final da década iniciada em 1931, se tentou estabelecer uma feira mensal na Rapoula, onde existia um largo terreiro bem apropriado, mas a iniciativa fracassou, morreu à nascença, como costumamos dizer.
Visitavam estas aldeias alguns vendedores ambulantes, homens ou mulheres, nalguns casos com certa regularidade e noutros casos apenas ocasionalmente. Vamos tentar dar uma ideia do que se passava.
Havia uns tantos contrabandistas que vendiam artigos trazidos da Espanha, alguns muito usados e mesmo apreciados. O artigo mais comum do contrabando espanhol era a pana, (a que também se dava o nome de bombazina) tecido muito utilizado, especialmente para fazer calças, pois oferecia duração invulgar. Havia dois tipos desse tecido, o chamado liso e o encordoado, com sulcos paralelos a todo o comprimento; como regra eram de cor castanha ou preta. Nalguns meios, a pana tinha a denominação de veludo, mas não era em verdade o autêntico terciopelo.
Vendiam-se e usavam-se bastante as alpercatas espanholas, que eram chinelos de lona, quase sempre cinzenta ou castanha, com o rasto de borracha. Havia-os com o rasto feito de "corda", que deveria ser de sisal, mas eram muito mais raros.
Também se comercializavam as camisetas brancas, para usar sob a camisa, (camisolas interiores) de tecido fino para o verão e de tecido grosso e forte para o inverno. Por vezes apareciam as ceroulas de malha, muito apreciadas no tempo invernoso e frio.
Os contrabandistas eram às vezes indivíduos conhecidos da freguesia, mas os mais assíduos vinham de aldeias próximas da fronteira. Uma mulher que diziam ser de Pousade percorria aquelas aldeias quase que permanentemente; alguns vendedores até chegavam a vir de Quadrazais, os afamados quadrazenhos.
Havia vendedoras ambulantes de sardinha ou carapau, de figos ou pêssegos, quase sempre mulheres que os transportavam em cestos, à cabeça. Também vinham da região do Mondego vender melões e melancias, transportados sobre animais de carga.
Os mencionados produtos eram por vezes anunciados por meio de pregões, tendo ficado célebre um deles, o que era empregado pela vendedeira de peixe, e que nós, a garotada da aldeia, completávamos rimando, o que talvez não fosse muito do agrado da vendedora:
— Quem compra a sardinha fresca?
— Salgada que nem uma besta!Mas havia ainda os compradores ambulantes de ferro velho, lenticão, trapos de lã, peles de coelho. Era muito conhecido um indivíduo designado por Dominguiso, que provavelmente deveria ser natural ou residente no Dominguiso, perto da Covilhã, a confrontar com Tortosendo. Estes recebiam o designativo comum de homem do saco, de quem as crianças pequenas tinham um medo doentio, muito explorado pelos adultos.
A região não produz azeite nem vinho. Este, em regra, era comprado pelos taberneiros e consumidores domésticos nas Freixedas, ou nas suas proximidades. As famílias mais abastadas compravam azeite nos lagares, mas vinham também ali, com frequência, os vendedores ambulantes, que o mercadejavam a retalho.
Pela assiduidade e continuidade, deixou nome e fama José Curto, um comerciante movente de Aldeia Viçosa (talvez ainda então se chamasse Porco).
Transportavam-no em odres, peles de cabra previamente preparadas para tal fim, sobre o lombo de muares. Este tipo de recipiente desde há muito deixou de se ver, e nem sequer aparece nas conhecidas "Feiras de Artesanato". Será que existe no Museu Regional?
Havia na região, ao longo da primeira metade do século XX, um costume que hoje poderá parecer estranho mas então se apresentava como absolutamente normal. Se um rapaz de aldeia diferente namorasse rapariga residente ou natural de outra povoação, os rapazes nesta moradores cobravam-lhe a despesa de pequena estúrdia. Em regra, consistia no pagamento de alguns litros de vinho, umas lascas de bacalhau cru e o correspondente pão de trigo, para acompanhar.
Quase sempre isso se fazia já durante um namoro bastante adiantado, e o próprio pagante tomava parte com satisfação. Mas havia casos em que se fazia exigência precipitada e quem não gostasse de sofrer a imposição.
Pelos primeiros anos da década de 1930, um rapaz de fora mostrou-se interessado em namorar uma rapariga de Pêra do Moço, e parece ter sido bem aceite. A rapaziada apanhou-o um dia e forçou o pretendente, contra a sua vontade, e estando o namoro ainda muito incipiente, a "pagar o vinho", nome que se dava a tal costume.
O atingido não ficou satisfeito. Não se sabe se apenas por isso ou se algum dos elementos o ofendeu, mas o certo é que apresentou queixa na Polícia de Segurança Pública, na Guarda. Uns tantos rapazes foram presos, levados para a esquadra da sede do concelho e lá ficaram algum tempo — umas horas ou uns dias. Um dos atingidos era meu tio, António da Silva Cairrão, recordando perfeitamente a recepção que teve no regresso, por parte da família, em que se misturaram alegria pela libertação e crítica ao comportamento que haviam tido.
Por este motivo ou por qualquer outro, o namoro findou. A jovem namorada decidiu recolher-se a um convento e, decorrido o prazo regulamentar, emitiu votos religiosos. Não casou, fez-se freira.
Eu mesmo, pessoalmente, tive de encarar o problema que o costume criava, e isso já em 1950. Na véspera do nosso casamento fui à aldeia da naturalidade de minha esposa, por motivo do consórcio que ali se realizaria no dia seguinte. O nosso namoro ocorrera em Pêra do Moço, onde ambos residíamos.
Alguns rapazes naturais e residentes naquela povoação procuraram-me e quiseram fazer a tradicional exigência; acedi, mas eles pretendiam que eu tomasse parte na patuscada. Neguei-me, porque deveria ter (ou inventei) outras ocupações; entreguei-lhes uma importância razoável, para eles se divertirem "à nossa saúde". Houve discordância entre eles, só fariam a farra se eu estivesse presente. E mandaram entregar-me o dinheiro que lhes tinha dado!
O problema da alimentação era, para grande parte dos seus habitantes, de uma importância invulgarmente grande, se tivermos em conta as dificuldades que por vezes apresentava. Mesmo nas famílias em que se não manifestava de forma aguda, esse assunto era tido em consideração, dando motivo a conselhos, reprimendas ou sugestões muito válidas sob o aspecto educativo.
Os meses de Primavera eram os mais críticos. O tempo das colheitas ficara longe, as reservas alimentícias começavam a escassear em muitas casas. Deitava-se mão a todos os meios que pudessem ajudar a resolver dificuldades.
As "papas de milho" era um alimento frequentemente usado. Normalmente, consistia em cozer o seu miolo descascado (o arolo, provincianismo que o meu dicionário não regista) em leite, embora por vezes as famílias pobres e que o não conseguiam fizessem a decocção com água.
Cultivava-se na região, em escala razoável, o milho miúdo (e também, embora menos, o milho painço. A consulta aos dicionários deixa-nos a convicção de serem os dois a mesma coisa, mas não são: o milho miúdo tem espiga esparramada enquanto o milho painço a tem quase cilíndrica. E o grão é bastante diferente, embora parecido.
O guardador do milheiral, que tinha o encargo de afugentar os pardais (assim como são já os correspondentes espantalhos) poderá constituir uma figura com bastante interesse etnográfico! Utilizava a bíblica funda para atirar pedradas aos pássaros.
Para aproveitar o milho miúdo na alimentação, utilizavam-se os "moinhos de mão", onde se descascava, a fim de poder ser usado na confeição das papas.
Aqueles rudimentares engenhos consistiam em uma pia de pedra, circular, com um furo médio ao centro; dentro dela girava a mó, movida manualmente por meio de uma vara presa no alto a um apoio fixo e que lhe transmitia a força braçal e imprimia o movimento através de um "olho", aberto quase no extremo do seu raio. O furo atrás mencionado permitia a passagem de um apoio lenhoso que assegurava a regulagem do atrito e, consequentemente, o resultado final. Se a mó girasse com grande atrito tornava-se o trabalho mais cansativo e o grão ficava esmagado em demasia, prejudicando o produto e o seu aproveitamento.
Na minha família eu ocupava-me de certas minudências, tidas como secundárias. Uma das coisas de que sempre me encarregavam era "moer o milho", chegando a fazer esse serviço com relativa facilidade, calculando perfeitamente o atrito, por meio de cunhas reguladoras da altura do apoio central, pois ele servia de eixo ou rolamento à mó giratória.
Estas coisas parecem-nos poéticas e interessantes vistas à distância; na sua execução prática não tão atraentes nem tão curiosas!
A operação não tinha em vista obter farinha, mais sim grânulos pequeninos. Não é difícil encontrar no comércio um produto bem semelhante, extraído do maís — o milho comum, milho grosso ou milho graúdo.
Tendo um dos jornais diários de Braga publicado um artigo sobre este assunto e estes engenhos, no primeiro semestre de 1997, reconheceu-se ser interessante focar aqui o pormenor; tal costume, e correspondente técnica, vem de muito longe, conta dilatada antiguidade.
O livro publicado por J. Pinharanda Gomes sob o título "História da Diocese da Guarda" refere-se a Pêra do Moço em meia dúzia das suas páginas, pouco mais do que na transcrição do nome, a propósito de qualquer assunto; nada escreveu que se reporte expressamente a factos aqui ocorridos ou personagens ali residentes.
A referência mais curiosa é a que nos diz que, em 1 de Dezembro de 1406 (estava-se então no reinado de D.João I), o bispo da Guarda, ao tempo D. Gonçalo Vasques da Cunha, trocou com o bispo de Viseu, então D.João Homem, a sua igreja de Pêra do Moço pela de Castelo Mendo, mas que o escambo parece ter sido apenas episódico, de pouca duração, pois os dois benefícios eclesiásticos continuaram afectos aos seus primeiros detentores, Pêra do Moço para a Guarda e Castelo Mendo para Viseu.
Devemos entender por isto que provavelmente estava em questão a cobrança dos rendimentos pagos por cada uma delas, num sistema que naquela época era corrente e hoje nos causa estranheza, atendendo à localização geográfica.
Pêra do Moço começou por ser uma vigararia, passando mais tarde à categoria de priorado. Com efeito, até meados do ainda decorrente século XX o pároco local era tratado por prior.
Hoje estas designações pouco ou nada nos dizem, apenas podemos atender à etimologia delas. O vigário (vicário) parece ser algo inferior a prior, portanto vigararia seria menos que priorado. O vigário deveria ser como que um substituto, um vice, enquanto o prior gozaria de evidente prioridade, sendo o primeiro.
Atendamos que a vigararia passou a priorado, o que deverá indicar como que uma promoção. É mais crível do que o rebaixamento! Informa-nos a mesma obra (e pode ler-se a mesma informação noutros trabalhos de divulgação) que a vigararia, e depois o priorado de Pêra do Moço era da apresentação do cabido egitaniense, o que só terminou com a extinção dos padroados, presumindo ter sido em 5 de Agosto de 1833.
O mesmo autor e na mesma obra refere-se a um documento guardado na Biblioteca Nacional de Lisboa e que tem a data de 19 de Julho de 1260 (Portugal era governado pelo rei D.Afonso III), no qual há curiosa referência que não pode passar despercebida.
Antes de mais, registe-se que se alonga por 117 alíneas, ocupando esta freguesia o sexto lugar, portanto logo no começo da enumeração. Já era designada por priorado, no temporal e no espiritual, da apresentação do cabido da sé da Guarda.
O mais interessante é a forma pela qual se definia o benefício eclesiástico, pois se lhe chamava Petra do Moço. Isso pode ajudar a esclarecer a formação do nome da freguesia. Só é estranho que na segunda parte a locução tivesse já forma modernizada, igual à de hoje, apesar de estamos separados por mais de sete séculos de distância no tempo!
Sabemos que esta região teve de sofrer bastante com as actividades bélicas, na primeira metade do século XIX, sobretudo com as invasões francesas, e particularmente a terceira, suportando enormes danos relacionados com a passagem do exército napoleónico, pois fica no caminho de Almeida para Celorico da Beira, Buçaco e Coimbra, tendo ficado rasto de destruição e pilhagem. Também as lutas civis subsequentes deixaram memória, relacionada sobretudo com os abusos motivados pelo aboletamento de tropas em casas particulares. Todavia, carecemos de informações exactas, pois o que os antigos contavam mesclava a história com a lenda, a realidade com a fantasia.
A Primeira Guerra Mundial, 1914-1918, mobilizou alguns soldados naturais de Pêra do Moço, tendo-se registado apenas uma vítima mortal, Miguel da Cruz, que sabemos ser natural do Verdugal, (seria cunhado do Adelino Pires), tendo conhecido ainda sua mãe. Houve outros militares mobilizados, um deles meu tio materno, Joaquim da Silva Cairrão. Alguns combatentes naturais da freguesia estiveram em campos de concentração, tendo ficado prisioneiros dos alemães.
Ouvi contar muitas vezes que, no dia do regresso, meu tio não permitiu que seu pai (a mãe era já falecida) e as irmãs o abraçassem antes de se lavar e mudar de roupa, pois vinha imundo e até carregado de parasitas (piolhos).
A Segunda Guerra Mundial não provocou lágrimas nem deixou mortos da freguesia, visto que Portugal manteve a chamada "neutralidade actuante", colaborando com os dois grupos beligerantes.
As nossas guerras coloniais também aqui deixaram marcas de lodo, lágrimas e sangue...
Na invasão de Goa morreu um conterrâneo, natural da Rapoula, Manuel José Rego, filho do carteiro José Rego, a quem já atrás nos referimos.
Em Angola, durante a Guerra da Independência, encontraram a morte dois irmãos estudantes da Universidade de Luanda, Delegação do Lubango. Um deles (Tomás de Aquino) morreu em desastre de automóvel, no dia 19 de Setembro de 1975. O outro (Eugénio José) participou de uma operação militar, na região da Matala; segundo informações particulares, em dia incerto dos meados de Outubro do mesmo ano foi feito prisioneiro de guerra pela UNITA, com outros companheiros, sendo todos eles fria, criminosa e cobardemente executados.
Senti profunda e dolorosamente tão penoso e amargo evento, pois eram meus filhos.
Localizou-se aqui a sede de um arciprestado, que nos parece não ser antigo, não tendo duração muito longa. Pensávamos ter sido instituído nalguma das alterações eclesiásticas da segunda metade do século passado, provavelmente depois que D.Manuel Martins Manso tomou conta do bispado, podendo ter sido até mais tarde.
Acertávamos em parte, mas errávamos em grande extensão. Consultando o livro "Diocese e Distrito da Guarda", de José Osório da Gama e Castro, na sua edição de 1902, podemos verificar que ainda não aponta o arciprestado de Pêra do Moço.
Por sua vez, Carlos de Oliveira, na obra "Apontamentos para a Monografia da Guarda", informa que na divisão eclesiástica efectuada em 1882 a paróquia de Pêra do Moço ficou incorporada no 3º Círculo do Aro da Guarda.
Antes de prosseguirmos, diremos que "aro" era o nome dado ao principal distrito eclesiástico da diocese, que se dividia em quatro "círculos"; e o mais curioso, sob o aspecto linguístico, é que aro significa círculo e pode indicar também os subúrbios de uma cidade; neste caso particular, estendia-se por longa distância, como Vila Cortês do Mondego ou Vila do Touro.
Anteriormente, em consequência da criação da diocese de Portalegre, em 21 de Agosto de 1549, o bispado da Guarda ficou dividido pelo Aro da Guarda, Ouvidoria de Abrantes, e os arciprestados de Castelo Branco, Celorico da Beira, Covilhã, Monsanto e Penamacor.
Com a criação da diocese de Castelo Branco, e mais tarde até a de Pinhel, introduziram-se novas alterações, mal conhecidas e que para o nosso caso pouco ou nada interessam.
Sabemos que em 29 de Agosto de 1908, no final de um retiro do clero, efectuado no seminário da Guarda, foi enviada uma mensagem ao arcebispo-bispo da diocese, D.Manuel Vieira de Matos, com numerosas assinaturas; firmou também esse documento o P. Joaquim Pereira Monteiro, então o prior local, na qualidade de "arcipreste de Alverca".
José Manuel Landeiro, na sua obra "Diocese da Guarda e Arciprestado de Penamacor", editada ao longo do ano de 1940, informa-nos pormenorizadamente quanto aos arciprestados que havia, indicando quais as freguesias que abrangiam, o nome dos párocos e o número de fogos, aparecendo então o de Pêra do Moço. Pela sua curiosidade, transcrevemos no final deste capítulo o quadro que se lhe reporta, com o nome dos seus párocos; eliminámos o número de famílias por não oferecer qualquer interesse.
O arciprestado foi extinto no decorrer da segunda metade do século XX, em data que desconhecemos. Entre 1930 e 1940, o arcipreste era o pároco de Pomares, P. Joaquim Pires dos Santos. Estamos persuadidos de que o último arcipreste foi o P. Alberto Gonçalves; a cúria episcopal diocesana poderá confirmá-lo!
Arciprestado de Pêra do Moço — em 1 9 4 0 —
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Alverca |
P. Augusto Duarte Ruivo |
Arrifana |
P. Manuel Portugal |
Avelãs de Ambom |
P. Antonino Dias Saraiva |
Avelãs da Ribeira |
P. José Augusto Madeira |
Bouça Cova |
P. Augusto Duarte Ruivo |
Codeceiro |
P. José Augusto Madeira |
Gonçalbocas |
P. Manuel Portugal |
Gouveias |
P. Alfredo Rodrigues Gaspar |
Pêra do Moço |
P. Antonino Dias Saraiva |
Pomares (Arc.) |
P. Joaquim Pires dos Santos |
Ribeira dos Carinhos |
P. Francisco Almeida Metelo |
Rocamonde |
P. Fernando Lopes Valente |
S. Miguel do Jarmelo |
P. José Augusto Pereira |
S. Pedro do Jarmelo |
P. José Augusto Pereira |
Sobral da Serra |
P. Fernando Lopes Valente |
Vila Franca do Deão |
P. José Augusto Madeira |
Introduzimos as seguintes alterações, consideradas necessárias ou pelo menos convenientes: Desdobrámos algumas iniciais, D=Duarte; A=Almeida; A=Augusto (no pároco do Jarmelo).
Demos o nome correcto do pároco de Pêra do Moço e Avelãs de Ambom, Antonino (e não António).
O Marquês de Pombal tomou a iniciativa de realizar um inquérito de âmbito geral, a cujo questionário deveriam responder, entre outros elementos, os párocos das freguesias.
O prior de Pêra do Moço cumpriu o que lhe era solicitado e as respostas dadas podem ser consultadas na Torre do Tombo. Podemos deduzir que tudo o que as diferentes obras de divulgação geral têm informado se baseia nesse documento, omitindo até os pormenores mais interessantes. E pode constatar-se também que, por leitura superficial e apressada do documento, muitas dessas informações referem-se apenas à sede e não à freguesia total; ao dizer, por exemplo, que se contavam 52 fogos, omitiam-se os 206 das anexas.
Comecemos por esclarecer que o prior de Pêra do Moço, em 20 de Maio de 1758, data em que assinou as declarações prestadas, era o P. Manuel da Cruz Massano Castelo Branco. Alinhou vinte e sete respostas às perguntas que lhe foram apresentadas, sendo pela negativa a maior parte delas.
Diz que a freguesia se estende por uma longa campina, um vale fértil, sem serras nem rios ou ribeiras dignos de registo, somente pequenos regatos.
Cultivava-se muito centeio e linho, pouco trigo, cevada e milho, não produzia vinho nem azeite. Podemos notar que não fala da cultura da batata, então ainda incipiente na Europa mas que chegou a ser ali a mais expressiva, e nem do feijão, que se pensa constituir então, com a castanha, de que também não fala, uma das bases da alimentação das populações rurais.
Atribui-lhe a localização que realmente tem e afirma só se avistar dali um ponto geográfico destacado, o monte do Jarmelo; declara que a terra era somente de El-Rei, o que nos leva a concluir que não estava sob a alçada de qualquer outro senhor temporal.
Não constituía termo, nem era sede de concelho, então em grande número; não era terra coutada; a freguesia não estava provida de juiz ordinário, apenas constituía uma beetria que prestava obediência ao governo da Câmara da Guarda.
Aproveitamos o ensejo para transcrever da já citada obra de Carlos Oliveira, que "behetria significava povo livre, vivia sob o domínio de costumes propriamente seus, e podia escolher senhor todas as vezes que lhe conviesse".
Não tinha beneficiados (somente um coadjutor do pároco, e não por obrigação), não tinha nenhum convento, assim como não havia hospital nem Casa de Misericórdia, ou qualquer outra coisa notável; não se faziam feiras e nem romarias; não dispunha de correio, sendo servida pelo da cidade da Guarda, nada dizendo quanto à maneira como funcionava.
Não tinha privilégios assinalados ou coisa digna de memória; não era porto de mar, informação que nos parece absurda; não havia muralhas e nem era praça de armas, consequentemente não tinha castelo ou torre (subentendemos que se referia a baluarte e não torre de igreja, pois provavelmente já tinha sido construída). Não havia memória de que desta freguesia tivessem saído homens insignes (vocábulo empregado no documento); e nós podemos ampliar a informação abrangendo o sexo feminino.
Falando da igreja paroquial, o P. Manuel da Cruz Massano Castelo Branco informa que fica fora da povoação, à distância correspondente a uma pedrada, um tiro de pedra, como ele diz, assim como a capela de S. Sebastião, que fica à distância de um tiro de mosquete. Dava-lhe como oragos os que ainda hoje têm, assim como às capelas de Rapoula e Menoita, Verdugal e Guilhafonso.
Referia-se expressamente à Quinta do Amial e à Quinta da Martianes, sem mencionar a sua capela, e nem de outro modo se lhe referir, pelo que poderemos concluir que a capela de Nossa Senhora das Necessidades seja posterior. Recordemos que o seu tamanho é mínimo e que a imagem da sua titular era e ainda será, segundo cremos, em toda a freguesia, a única designada "de roca", indicativo de falta de recursos.
Na igreja paroquial de Pêra do Moço havia as imagens de S. João Baptista, o titular ou orago do templo, S. José, Nossa Senhora do Rosário, Cristo Crucificado e do Menino Deus (a que foi roubada no decorrer da segunda metade do século XX); mencionava também uma imagem de Nossa Senhora da Conceição e outra de Santa Rita, cujo paradeiro e fim são desconhecidos.
Existiam na sede da freguesia, segundo informação de P. Manuel da Cruz Massano Castelo Branco, três confrarias, a do Santíssimo Sacramento, a do Menino Deus e a de Nossa Senhora do Rosário. Nada ficou quanto à memória de tais agremiações. Esta informação leva-nos a pensar no que noutro lugar se disse, na existência de uma boa propriedade agrícola conhecida pelo nome de "Confraria", e que talvez pertencesse ao património de alguma das três referidas; a origem e significação dos nomes têm sempre bases lógicas.
Diz-nos também que no Verdugal existia a capela de S. Salvador do Mundo, onde havia sido estabelecida a Irmandade das Almas; na Rapoula havia a Irmandade de S. Marcos Evangelista, com sede na capela edificada em honra do mesmo santo; na Guilhafonso mantinha-se a Irmandade de Santo António, a quem a respectiva capela era dedicada; na Menoita encontrava-se a capela da invocação de Santa Bárbara. Não refere, logicamente, a actual Irmandade do Coração de Jesus, de Pêra do Moço, que talvez seja a continuadora das velhas confrarias, extintas sem se saber como, quando e por quê.
O pároco da freguesia era apresentado pelo Cabido da Sé da Guarda, com o qual compartilhava todos os rendimentos in solidario, havendo casos em que entravam ainda na cobrança o bispo e os capelães da sé. Na Rapoula e na Menoita, os capelães-cantores da catedral cobravam metade dos dízimos; na Guilhafonso e Martianes a Mitra (bispo) arrecadava a terça parte. Abatendo aos rendimentos globais todas estas parcelas — do cabido, do bispo e dos capelães-cantores — ficaria para o sustento do pároco a importância de duzentos mil réis, pouco mais ou menos. Era o que ele próprio declarava, sob esta mesma expressão.
Diz ainda o inquérito que no limite da terra, muito perto deste lugar, a sede da freguesia, havia uma fonte termal de água ferrosa, que os médicos recomendavam para muitas queixas, muitas doenças, tendo experimentado da sua aplicação resultados maravilhosos; por isso, no Verão acorria ali muita gente e até era levada para várias partes.
Hoje nada se sabe da fonte termal, que desapareceu por completo, facto que não é único na região.
Pudemos constatar pessoalmente, talvez aí por 1940, que apareceu uma fonte de água fortemente sulfurosa próximo da aldeia de Montes, do Jarmelo, a qual deixou de correr pouco tempo depois.
No caso de Pêra do Moço, contudo, verificámos e consequentemente podemos testemunhar que, em certo ponto próximo da nascente da Ribeira da Pega, a água de um regato juntava no fundo do seu leito lodo fortemente avermelhado — e isso nos leva a acreditar na informação e a localizá-la. Não deixaremos de dizer, no entanto, que a tradição oral local não conservou memória dessa realidade, o que não deixa de ser estranho, pois o tempo não é exageradamente dilatado.
Refere-se ainda o inquérito à lenda que diz como teria sido formada a lagoa que há nas proximidades, por o dono daqueles descampados não ter concedido o terreno necessário para a construção da capela, que por isso teve de ser edificada um pouco acima, em sítio mais alevantado, mas já fora dos limites paroquiais — constituindo-se no exacto lugar da previsível capelinha uma lagoa sazonal, que seca no Verão, mas não se colhe nela fruto algum.
Argomil, a aldeia próxima, onde está a ermida, constituía ainda então uma freguesia autónoma e não era anexa de Pomares, como hoje, o que se comprova por informações de outras fontes.
Pêra do Moço não padeceu qualquer ruína no grande terramoto de 1 de Novembro de 1755. No entanto, e sob testemunho de pessoas fidedignas, afirma o pároco, na própria manhã do dia 19 de Maio desse ano de 1758 sentiu-se aqui um terramoto, que pelos vistos não causou prejuizos, pois não os menciona. Não deixaremos de ter em conta que o documento foi assinado no dia seguinte, 20 de Maio.
O P. José Quelhas Bigotte, na sua obra "O Culto de Nossa Senhora na Diocese da Guarda" diz que a capela da Menoita é dedicada a Nossa Senhora dos Milagres. Trata-se de um lapso, sem qualquer dúvida. O inquérito pombalino já lhe dava a invocação de Santa Bárbara, que ainda conserva.
Visto que não refere a capela de Martianes, dedicada a Nossa Senhora das Necessidades, e existindo certa aproximação ideológica entre os dois títulos — quando temos Necessidades até podemos esperar Milagres — concluímos que foi confusão de informação, não sabendo quem a poderá ter dado.
Não deixa de ser curioso registar que José Manuel Landeiro também não indica na freguesia de Pêra do Moço o culto de Nossa Senhora das Necessidades, mas não inclui o outro título.
José Osório da Gama e Castro, na obra já mencionada, informa que a igreja paroquial de Pêra do Moço, em 3 de Julho de 1321 da era de Cristo, 1359 da era de César, fora taxada pelo monarca, a quem pertencia, no montante de vinte libras.
No livro que ele elaborou e já citámos, "Diocese e Distrito da Guarda", publicado em 1902, não aponta o arciprestado de Pêra do Moço, sinal de que ainda não teria sido criado, assim como não aponta outros que depois aparecem — Seia, Gouveia, Manteigas, Malhada Sorda, Rochoso, Silvares e Vila Nova de Tázem. Esta freguesia deveria pertencer já então, como em 1908, ao arciprestado de Alverca e talvez o arcipreste fosse já, como nesse tempo, o pároco de Pêra do Moço, P. Joaquim Pereira Monteiro.
Podemos ainda acrescentar que, quando foi criada a diocese de Portalegre, em 1549, reinando D.João III, a freguesia de Pêra do Moço era naturalmente considerada do termo da Guarda, e não tinha ainda passado à classificação ou categoria de priorado (que já era, como vimos, em 1260), pois se lhe chamava vigararia; estava sob a jurisdição da Ordem de Cristo, sendo da apresentação ordinária do rei.
O escritor Manuel Joaquim Barroco, no seu livro "Panoramas do Distrito da Guarda", em edição de 1978, afirma:
— "Na povoação de Menoita, anexa de Pêra do Moço, foram encontradas muitas moedas romanas, que estão expostas no Museu Regional da Guarda. Também na Menoita, na antiguidade, foram explorados minérios, fabricando-se ainda há relativamente poucos anos telha mourisca. Não obstante a emigração, Pêra do Moço é freguesia de muito progresso, em especial no aspecto agro-pecuário".
Foram instituídos por um antigo pároco da freguesia de Pêra do Moço dois dotes anuais de cem mil réis cada um, em favor de duas jovens da freguesia, pobres e com bom comportamento moral. Ignora-se a data da criação, mas tudo leva a crer que ao tempo fosse uma quantia invejável, que muito ajudaria a consolidar novas famílias, pois era concedida para o casamento.
No segundo quartel do século XX era quantia pequena, mas ainda apreciada (podemos calcular que correspondesse a cerca de dois a três meses de ordenado de uma criada de servir). Com a desvalorização da moeda, por ocasião da Guerra Civil da Espanha, deixou de interessar e caiu no esquecimento, nenhuma noiva se candidatava...
Temos conhecimento, de outiva, de aquele sacerdote ter sido cónego da sé diocesana e de os dotes serem pagos pela Santa Casa da Misericórdia da Guarda. Hoje não deve já ser viva nenhuma das beneficiadas, pois deixou de ser requerido há mais de sessenta anos.
A acta da sessão da Junta de Freguesia de Pêra do Moço, de 25 de Maio de 1922, diz-nos que se tratava realmente de um pároco de outrora, o P. Alexandre de Gouveia, sem dar mais informações, e fornece-nos o nome de uma jovem que se candidatava para que lhe fosse concedido o dote, a órfã Joaquina Maria, filha de António Inácio; o pedido fora apresentado por Delfina Maria, provavelmente a sua mãe.
Existe na frontaria da igreja paroquial de Pêra do Moço uma inscrição latina que, sem se saber o motivo, não despertou ainda o interesse dos indivíduos versados em epigrafia. A primeira linha indica com bastante clareza referir-se ao templo e ao seu titular, S.João Baptista, mas as linhas inferiores são indecifráveis se as pretendermos ler do solo, em condições pouco favoráveis.
* * * * * Apenas como curiosidade, e tendo em conta o que pode relacionar-se com Pêra do Moço, vamos apresentar, como Apêndice às anotações anteriores, quadros em que são postas em evidência as divisões eclesiásticas da diocese da Guarda de que tivemos conhecimento, a de 1882, fornecida por Carlos de Oliveira, a de 1902, de Gama e Castro, e a de 1940, de José Manuel Landeiro, colocando estas em paralelo.
As datas indicadas, 1902 e 1940, referem-se à publicação dos livros desses autores e não à divisão eclesiástica.
Arciprestados da Diocese da Guarda Segundo a divisão de 1882, referida por Carlos de Oliveira (Distribuição das freguesias)
Guarda | |
(1º Círculo - 19 freg.) | Guarda (19) |
(2º Círculo - 22 freg.) | Guarda (11), Sabugal (11) |
(3º Círculo - 17 freg.) | Guarda. (17 — Inclui Pêra do Moço) |
(4º Círculo - 16 freg.) | Guarda (8), Belmonte (3), Manteigas (3), Covilhã (2) |
Alfaiates | Sabugal (10), Almeida (1) |
Almeida | Almeida (11), Figueira de Castelo Rodrigo (1) |
Almendra | Figueira de Castelo Rodrigo (6), Pinhel (1), Vila Nova Foscoa (2) |
Alpedrinha | Fundão (8), S. Vicente da Beira (4) |
Alverca | Pinhel (6), Trancoso (7), Guarda (1) |
Castelo Mendo | Almeida (15), Sabugal (1) |
Castelo Rodrigo | Figueira de Castelo Rodrigo (9) |
Covilhã | Covilhã (24), Belmonte (1) |
Fundão | Fundão (23) |
Linhares | Gouveia (13), Celorico (6) |
Penamacor | Penamacor (12), Sabugal (4) |
Pinhel | Pinhel (21), Almeida (2) |
Sabugal | Sabugal (14) |
Sandomil | Seia (18) |
Santa Marinha | Gouveia (10), Seia (11) |
Trancoso | Trancoso (27) |
Vale de Azares | Celorico da Beira (16) |
Arciprestados da Diocese da Guarda
|
|
Guarda | Guarda (29 freg) |
(1º Círc.— 19 freg) | |
(2º Círc.— 22 freg) | |
(3º Círc.— 17 freg) | |
(4º Círc.— 14 freg) | |
Alfaiates | Alfaiates |
Almeida | Almeida |
Almendra | |
Alpedrinha | Alpedrinha |
Alverca (Incluiria Pêra do Moço?) | |
Castelo Mendo | |
Castelo Rodrigo | Figueira C. Rodrigo |
Celorico da Beira | Celorico da Beira |
Covilhã | Covilhã |
Fundão | Fundão |
Linhares | |
Penamacor | Penamacor |
Pinhel | Pinhel |
Sabugal | Sabugal |
Sandomil | Sandomil |
Santa Marinha | |
Trancoso | Trancoso |
Pêra do Moço | |
Manteigas | |
Malhada Sorda | |
Gouveia | |
Seia | |
Rochoso | |
Silvares | |
Vila Nª de Tázem |
No livro de actas da Junta de Freguesia de Pêra do Moço encontramos as informações seguintes:
2 de Fevereiro de 1920
Anunciava-se que a Câmara Municipal da Guarda concedera um subsídio de duzentos escudos para a construção de um valado na fonte da Lameira, em Pêra do Moço, estando as obras em andamento. Para acompanhar e fiscalizar os trabalhos, visto que a Junta só tinha um vogal residente naquela aldeia, e isso não deveria ser responsabilidade de uma só pessoa, foi nomeada uma comissão composta por Jerónimo dos Santos, António de Pina e Oliveira, Diogo Ferreira, Domingos dos Santos e João Marques (Este era o presidente da Junta; o aqueduto em questão tinha em vista que a água nascida na fonte de mergulho pudesse por ele atravessar o largo e a rua, permitindo aos transeuntes livrar-se do lamaçal que ali se formava).
9 de Maio de 1920
Foi resolvido solicitar ao Ministro da Instrução, a pedido de uma comissão de moradores de Guilhafonso, a criação de uma escola móvel naquela povoação, que fica a três quilómetros de distância da escola oficial, e poderia servir também para as crianças de Martianes. Os constituintes dessa comissão eram Joaquim Saraiva, António Pedro dos Santos, Manuel Agostinho e António Alves. Comprometiam-se a fornecer a casa para a escola e a mobília que fosse precisa. (O pedido nunca foi atendido).
3 de Junho de 1920
O presidente da Junta de Freguesia comunicou que o falecido Joaquim Pires, solteiro e de maior idade, de Rapoula, havia deixado para a igreja paroquial de São João Baptista, desta freguesia, o rendimento de um prédio rústico situado no sítio da Lameira do Castanheiro, também designado por "Entre-os-Anjos", ou o seu valor, se fosse vendido. Os herdeiros João Cairrão e Jerónimo Elias haviam feito a entrega desse prédio e decidiu-se pagar os emolumentos da lei na Repartição de Finanças, fazer a competente alteração na matriz e o respectivo averbamento na Conservatória de Registo Predial.
29 de Novembro de 1920
Decidiu-se convocar o cidadão João Baptista, que havia tomado posse da "tulha" pertencente à casa de residência da professora, sem licença da Junta, para declarar os motivos pelos quais ali tinha entrado, ordenando que se retirasse. (Será lógico pensar que se tratasse de uma loja ou palheira anexa; fala-se da mesma casa com certa frequência).
26 de Janeiro de 1922
Apresentou-se nesta sessão o cidadão Joaquim Luís Monteiro para prestar contas de quanto tinha recebido pela "cruz da fábrica" e descontar o custo do regulamento do relógio. Verificando-se estar muito desfazada, aquela taxa foi aumentada, passando a ser de cinquenta centavos para os adultos e vinte e cinco centavos para as crianças. (Deveria tratar-se da taxa dos enterramentos e do pagamento por dar corda, diariamente, ao relógio da torre. Por conhecimento de outras vias, podemos afirmar que Joaquim Monteiro exercia as funções de coveiro e sacristão, que mais tarde passaram a ser desempenhadas por seu filho Diamantino Monteiro. A taxa mencionada subiu, em 19 de Fevereiro de 1923, para um escudo e vinte centavos, adultos, e sessenta centavos, crianças, e em 23 de Novembro do mesmo ano, respectivamente, para dois escudos e um escudo).
25 de Maio de 1922
Foi apresentada a petição de Delfina Maria, da Rapoula, em nome de Joaquina Maria, filha de António Inácio, relativa aos dotes que o P. Alexandre de Gouveia, antigo pároco nesta freguesia, deixou às órfãs, para que fosse assinada a declaração de a requerente, Joaquina Maria, ser pobre e ter bom comportamento moral e civil. (Deduz-se de tudo isso que ela fosse a sua mãe).
13 de Julho de 1922
A Junta de Freguesia tomou conhecimento de um ofício do administrador do concelho, comunicando que estava por pagar a importância correspondente a vinte e três missas anuais e a três anos, portanto sessenta e nove missas, aos legados pios. Foi resolvido pagar.
7 de Setembro de 1922
Foi apresentado o alvará e o processo com o nº 364, referente às missas que a Junta devia pagar; o seu custo mais o do processo que ao assunto se referia importou em vinte e seis escudos e trinta e sete centavos. (Só se compreende isso se atendermos a que, talvez em 1911, o Estado se apoderasse dos fundos depositados por conta de legados pios, obrigando-se ao seu cumprimento; a razão pela qual o encargo recaiu sobre a Junta já é difícil entender; deveria estar implicado o seu património).
30 de Dezembro de 1922
Apresentou-se nesta sessão o mesmo cidadão Joaquim Luís Monteiro para prestar contas de quanto tinha recebido pela "cruz da fábrica" e do que lhe deviam pelo regulamento do relógio. (Deveria estar em causa a taxa dos enterramentos e o pagamento por dar corda, diariamente, ao relógio da torre; o assunto fora tratado já na sessão de 26 de Janeiro desse ano).
2 de Janeiro de 1923
Nesta sessão, a Junta cessante transferiu os poderes à Junta eleita. Os seus membros efectivos eram João Marques, Joaquim Pinto e António Monteiro, sendo secretário António de Pina e Oliveira; os novos autarcas passaram a ser João Pires de Ascensão, José António, António Filipe e António Marques, continuando o mesmo secretário; todavia, aparecem algumas vezes outras assinaturas, havendo maior número de vogais, as de José Diogo Ferreira e Jerónimo Luís Marques.
17 de Maio de 1923
Tratou-se do problema de "desamuar o forno", em Pêra do Moço, e do aproveitamento da vez de o usar e servir para benefício de amigos, procurando cortar abusos. Decidiu-se também que pela marcação das sepulturas de familiares se cobrassem cinquenta escudos na colocação da pedra tumular e cem escudos na colocação de grades de ferro; a ocupação das sepulturas seria de dez anos para quem fosse sepultado em caixão e sete anos para os que fossem enterrados sem ele. (Será interessante esclarecer que havia na igreja paroquial um esquife que servia para transportar os cadáveres dos pobres, os quais eram enterrados envolvidos num lençol, quase sempre oferecido por alguma caridosa vizinha).
23 de Novembro de 1923
Entre outras coisas, decidiu-se que as pessoas que, fora da ordem das sepulturas, quisessem os seus familiares sepultados na parte da frente do cemitério ou adro da igreja, do lado da povoação, pagassem a taxa suplementar de cinquenta escudos. (Voltou a tratar-se o mesmo assunto em 27 de Fevereiro de 1924 e em 20 de Março de 1935, como veremos, neste caso).
30 de Outubro de 1924
Foi apresentado requerimento dos professores, solicitando a reparação do edifício das escolas, sendo decidido solicitar à Câmara Municipal que providenciasse nesse sentido. Também se pôs o problema da reparação dos caminhos. (Estes assuntos aparecem muitas vezes ao longo dos anos, e só lhes faremos referência se houver motivo especial, pois é uma repetição monótona e sem interesse).
1 de Dezembro de 1924
A Junta de Freguesia considerou a necessidade de construir um ramal que ligasse a sede da freguesia à estrada nacional que vai para Pinhel, sendo pedida a participação da Câmara da Guarda, oferecendo os moradores o trabalho braçal.
10 de Agosto de 1925
Foi decidido começar imediatamente as obras de reparação da residência da professora, pois se queixava de não ter casa para habitar. (Voltou a tratar-se o problema na sessão de 17 de Outubro, mas agora com referência ao trabalho de carpintaria).
26 de Setembro de 1925
A Junta tomou conhecimento de que o custo do serviço de pedreiro, da reparação da casa da professora, seria de oitocentos escudos, sendo necessário que os lavradores e outros homens fizessem o carregamento e transporte da pedra. Tratou-se ainda da necessidade de mandar reparar o relógio da torre, que não trabalhava havia cerca de três meses. (O problema do relógio também se repete muito, e por isso deixaremos de lhe fazer menção corrente. Tratava-se de um maquinismo muito interessante, que merecia ter sido conservado).
2 de Janeiro de 1926
A nova Junta de Freguesia declarou unanimemente não se responsabilizar pelas contas, livros e documentos da gestão finda, pois a Junta cessante não entregara dinheiro e por isso se não responsabilizava pela dívida existente; os seus membros eram os seguintes cidadãos: António Monteiro, presidente, Firmino de Jesus, vice-presidente, José Cardoso, José António e Rafael da Costa; os suplentes ou substitutos eram Joaquim Pires, Joaquim dos Santos, Joaquim Figueiredo, Jerónimo Martins e Manuel Marques; António de Pina e Oliveira deixava de ser o secretário, passando o cargo a António Marques; o tesoureiro seria António dos Santos.
13 de Agosto de 1926
Provavelmente em consequência da revolução de Maio anterior, tomou posse a Comissão Administrativa da Junta de Freguesia, constituída por João Marques, presidente, e pelos vogais António de Pina e Oliveira, e Joaquim Pinto, e os substitutos Jerónimo Luís Marques, que passou a ser o tesoureiro, João Pires de Ascensão e António Filipe; haviam sido nomeados por alvará do governador civil da Guarda, de acordo com as determinações do decreto nº 11 904, de data omissa.
5 de Maio de 1927
Estando em ruína a casa das sessões, a Comissão Administrativa resolveu vendê-la, sendo posta em arrematação na data de 15 do mesmo mês de Maio. (Não se conseguiu nesse dia fazer a transacção. Temos a convicção de que esta casa das sessões da Junta de Freguesia e a de que se fala a seguir, ou seja a da residência da professora, de que já atrás se tratou, e a da antiga escola masculina, é a mesma, situada no Oiteirinho).
11 de Agosto de 1927
Reconheceu-se que a casa onde antigamente funcionou a escola do sexo masculino, propriedade da Junta de Freguesia, estava em ruínas e não havia meios para fazer a sua reparação; os edifícios das escolas masculina e feminina de Pêra do Moço e da escola mista de Rapoula precisavam de reparações; resolveu-se vender aquela casa para fazer estas obras, marcando a sua arrematação para o dia 1 de Setembro seguinte.
1 de Setembro de 1927
As casas da antiga escola masculina foram vendidas em hasta pública, tendo sido atribuídas ao cidadão residente na freguesia, Celestino Gomes de Almeida, pela importância de duzentos escudos. (O mencionado cidadão era o pároco, que não tinha residência própria, pois havia sido confiscada em 1911, e de acordo com outros indivíduos adquiriu esta para tal fim; ali residiu durante uma dúzia de anos o P. Antonino Dias Saraiva; o P. Alberto Gonçalves morou nela pouco mais de um ano; fica no Oiteirinho).
12 de Dezembro de 1927
Foi deliberado fazer a arrematação do trabalho de abrir as sepulturas no cemitério local, porque o coveiro estava a cobrar preços exorbitantes.
25 de Fevereiro de 1928
Foi resolvido convocar o cidadão José Pereira de Figueiredo para se lhe arrendar a casa do Outeiro de que a Junta não precisava, pois ele a ocupava sem estar arrendada, concordando em que pagasse um escudo e cinquenta centavos mensais.
10 de Setembro de 1928
Reconheceu-se a necessidade de medir o terreno para uma garagem, em Pêra do Moço, no local designado por Balcão. (Mesmo junto, talvez no mesmo lugar, ficava o "tronco", onde eram ferradas as vacas e as éguas).
11 de Abril de 1929
Comunicou-se aos membros da Junta que a balança romana da freguesia estava quebrada, tendo decidido mandar fazer a sua reparação, quando isso fosse possível.
8 de Agosto de 1929
A Junta tomou conhecimento de que a Câmara Municipal concedera um subsídio de duzentos escudos para se fazer a reparação da escola feminina de Pêra do Moço. (As três sessões seguintes — 12/9, 24/10 e 14/11 — trataram do mesmo assunto, a reparação das duas escolas, que foi feita pelo carpinteiro Manuel Félix, de Martianes, e pelo caiador António Valente, do Codeceiro).
11 de Dezembro de 1930
Resolveu-se arrendar pelo sistema de arrematação a garagem construída em Pêra do Moço, no sítio do Balcão.
25 de Dezembro de 1930
Foi feita a arrematação da garagem, por aluguer anual, tendo sido atribuída a Manuel Marques, residente na povoação, pela quantia de duzentos e sessenta escudos, pagando metade em Janeiro e a outra metade em Junho. (Tratava-se de um barracão de madeira onde o P. Manuel Salcedas, guardava um velho e pequeno automóvel, o primeiro que por aqui circulou; Manuel Marques deverá apenas ter servido de intermediário, com conhecimento de todos, para que o nome do pároco não aparecesse. Em 2 de Fevereiro de 1933, a pedido de diversos indivíduos, decidiu-se perdoar ao Manuel Marques a quantia de cem escudos, por o aluguer cobrado ser uma exorbitância; mas podemos pensar se não seria por o P. Manuel Salcedas ter saído da freguesia, deixando de utilizar a garagem).
7 de Maio de 1931
Tendo a Câmara Municipal comunicado estar na disposição de conceder um subsídio para obras na freguesia, foi-lhe dado conhecimento de que se tornava necessário construir um chafariz e abrir uma estrada que ligasse ao Sobral da Serra.
4 de Junho de 1931
Tornava-se necessário assinar uns requerimentos para algumas crianças pobres irem a banhos para a Figueira da Foz. (Nada mais se sabe de tal iniciativa).
24 de Dezembro de 1931
A Junta de Freguesia em consequência de um ofício do inspector do Círculo Escolar da Guarda, recomendando que fosse arrendada uma casa para a residência da professora da escola feminina, conseguiu encontrar uma, de que era proprietário João Baptista, pelo preço mensal de doze escudos, comprometendo-se a professora a fazer o pagamento. (Ficava ao Balcão, do lado direito de quem sai da aldeia; não deixa de ser estranho o interesse do inspector).
10 de Março de 1932
Foi apresentado um requerimento de Maria da Conceição Morais Pinheiro Ferreira, professora oficial em Guarda-Gare, para que lhe fosse vendida a sepultura de sua mãe Ana Morais, falecida em 1914, e ficou decidido que lhe seria reservado um talhão de 2m x 0,80m e pagaria cento e dez escudos o metro quadrado. (Voltou a tratar-se este assunto na reunião de 27 de Novembro seguinte, sendo vendida pela quantia de cento e trinta e dois escudos; na acta de 2 de Fevereiro de 1933, em que se passou o recibo de quitação, solicitado pelo viúvo, Tomás Rodrigues Pinheiro, afirma-se ter sido vendido um lote de 1,2 metros quadrados).
2 de Abril de 1932
Aceitou-se comprar uma balança romana para servir só na povoação de Pêra do Moço, sendo paga com donativos dos seus moradores. (Com esta acta terminaram as suas funções os membros da Comissão Administrativa nomeada em 1926, sem indicação dos motivos da substituição).
10 de Abril de 1932
Os novos membros da Comissão Administrativa, e que eram António José Ferreira, presidente, António Marques, secretário, e José Alexandre, tesoureiro, declararam não se responsabilizar pelas contas da gerência anterior, que nada entregara em dinheiro.
18 de Outubro de 1932
Foi considerada a necessidade de se construir um chafariz na Rapoula, ficando decidido que para os trabalhos de captação da água cada habitante desse seis dias de trabalho braçal, sendo a primeira obra a fazer, atendendo à sua necessidade e utilidade, pois a povoação não tinha água que satisfizesse as exigências da higiene. (Lembramos que o presidente da Comissão Administrativa residia na Rapoula).
27 de Novembro de 1932
Foi vendida a sepultura de que se falou em 10 de Março. Deliberou-se oficiar à Câmara Municipal, pedindo que fosse concedido a esta freguesia um subsídio da importância de dez mil escudos para fontes, caminhos e casa de residência da professora. Nesta data, regista-se a substituição do presidente, António José Ferreira, voltando a aparecer o nome de João Marques.
3 de Fevereiro de 1935
Verificou-se a substituição da Comissão Administrativa da Junta de Freguesia, tendo sido lavradas duas actas no mesmo dia.
Informava-se na acta da comissão cessante que a garagem estava alugada a José Alexandre pela importância anual de dez escudos.
Os membros da nova Comissão Administrativa eram Manuel Marques, presidente, António dos Santos, secretário, Fernando Mendes, vogal, e Luís Pires, tesoureiro, sendo substitutos Manuel Domingos e Joaquim dos Santos; a sua nomeação fora feita pelo governador civil da Guarda, pelo alvará nº 993, de acordo com o decreto nº 11 904. As cinco primeiras actas foram também assinadas pelo regedor, José Antunes.
10 de Março de 1935
Voltou-se mais uma vez a tratar do conserto do relógio da torre. (Este assunto era frequente; desta vez pormenorizava-se até que tinha sido confiado tal encargo a Manuel Martins, de Gonçalbocas; tratava-se de um serralheiro bem conhecido na região e considerado muito competente).
20 de Março de 1935
Tendo ficado a sepultura de Marcelina Maria, do lugar de Pêra do Moço, por abrir quando passaram as fileiras para diante, a filha Maria Isabel Videira, tendo falecido seu pai José Videira, queria que fosse sepultado na sepultura da dita Marcelina Maria... nós tivemos grandes dificuldades para resolver o que se havia de fazer, pois a Maria chorando pedia que lhe concedessem ordem, e nós não sabíamos o que fazer; dizem que uns não são mais do que outros, e com muita razão; por fim, deliberou-se que quando qualquer pessoa queira ser sepultada na frente andando as fileiras para trás tenha de dar a quantia de cento e cinquenta escudos, caso o coveiro diga que há lugar. (Procurámos não alterar muito a redação original; até as reticências estão na acta).
2 de Junho de 1935
Em vista da grande falta de água que atravessaram nos anos anteriores, era mister tratar com urgência de explorar água em qualquer lado, com que todos concordaram e resolveram abrir um poço no sítio da Relvinha para de futuro evitar a grande crise.
(Tratava-se de um pequeno espaço de domínio público que ao tempo existia nos arredores da povoação; a principal utilidade deste poço era dessedentar os animais.
Passados alguns anos, provavelmente por motivo da construção do dispensário e residência do médico, foi vendido o pequeno baldio, englobando o poço.
Fica localizado a cerca de duzentos metros da igreja paroquial, para o lado nordeste. A análise do terreno permite identificá-lo com facilidade).
14 de Agosto de 1935
Tendo os Drs. Silva e Balsemão pedido que se compusesse o caminho que vai de Pêra do Moço para Avelãs de Ambom, para eles poderem chegar com a camioneta ao pinhal do Patrício para tirarem os pinhos, prontificando-se dar dois mil escudos, esta Junta resolveu aceitar e chamar trabalhadores para começar o serviço, pois só eram trinta dias para se fazer a reparação, de 20 de Agosto a 20 de Setembro, e não o tendo composto não dariam nada, pelo que se pôs mãos à obra começando o trabalho em 28 de Agosto e no dia 8 de Setembro estava pronto, pois já chegou o automóvel ao pé do pinhal; tanto os lavradores como os trabalhadores, todos trabalhavam com uma vontade incalculável, não houve a mais leve queixa de ninguém, ficou um ramal como uma estrada e não como caminho, e para conhecimento dos nossos vindoiros se passaram estas regras.
(Procurámos não alterar muito a redação original. Encontramos aqui curiosidades que merecem destaque:— a sessão tem a data de 14 de Agosto e relata o acontecido até 8 de Setembro; temos um prazo longo entre a aceitação da proposta e o começo dos trabalhos, 28 de Agosto; houve um período útil de obras que não chega a ser metade do previsto, onze dias em trinta e um — 20/8—20/9; 28/8—8/9).
20 de Fevereiro de 1936
O inverno, muito chuvoso, deixou os caminhos intransitáveis, a maior parte deles, e esta Junta, não tendo dinheiro para poder atender às despesas que eles requerem, deliberou fazer o pedido à Câmara Municipal da Guarda de algum dinheiro para poder custear as despesas que fizesse com os caminhos públicos desta freguesia.
(Em nota aposta pela mesma letra no fundo da página lê-se que o pedido foi atendido, concedendo duzentos e cinquenta escudos; o dinheiro foi distribuído deste modo:
Pêra do Moço 50$00; Rapoula 50$00;
Menoita 40$00; Verdugal 40$00;
Guilhafonso 40$00; Martianes 20$00;
Amial 10$00).17 de Maio de 1936
Tendo-se ausentado para o Brasil o presidente da Junta, Manuel Marques, foi resolvido em reunião dos membros e do presidente da União Nacional, José Alexandre Madeira, nomear para o substituir o cidadão Jerónimo Luís Marques, comunicando o facto ao administrador do concelho para que lhe seja dada posse.
29 de Junho de 1936
Tendo sido contactados pelos herdeiros de Firmino de Jesus, o qual deixou em testamento duas hortas para serem atribuídas pela Junta de Freguesia aos dois mais pobres moradores da povoação de Pêra do Moço, os membros da autarquia fizeram a divisão do terreno no dia 19 de Abril e entregaram-nas a José Jerónimo Antunes e José Videira, por serem os mais necessitados e naturais da localidade. Não poderiam ser vendidas, sendo para passarem a outros quando as pudessem dispensar, por terem melhorado de situação. (Recordava-se que outrora um tal Diogo de Almeida também deixara legado semelhante e todos os beneficiados as venderam. O testador, no caso Firmino de Jesus, impunha a obrigação de uma missa anual por alma do referido Diogo de Almeida. Segundo conhecimento vago, havia entre os dois relações de afinidade, talvez padrasto e enteado, ou padrinho e afilhado, sendo o Firmino filho de pai incógnito).
18 de Outubro de 1936
Foi esta a primeira sessão presidida pelo cidadão Manuel Domingos, sem que o facto merecesse qualquer alusão. Foi decidido, sob proposta de alguns moradores de Guilhafonso, fazer a arrematação de um terreno baldio, sendo a base de licitação de cem escudos. (Também o problema da venda de pequenos terrenos é frequente, e sempre idêntico, deixando por isso de o mencionar).
25 de Dezembro de 1936
Reconhecendo-se que o pontão existente no Ribeiro dos Prados não dava passagem no tempo das chuvas, foi decidido que no dia seguinte se procederia ao seu alteamento, com a colaboração de moradores de Pêra do Moço e Verdugal. Também se decidiu fazer um aqueduto no ribeiro que corre perto da igreja, tendo sido ajustado o trabalho pela quantia de noventa escudos. Resolveu-se ainda tapar o poço da Relvinha, para evitar algum possível desastre, sendo a sua escassa água utilizada somente para os animais e apenas no estio, quando havia pouca nas fontes. E afirmava-se ter sido empedrada a calçada do povo, onde mal se podia transitar devido à muita lama que fazia.
14 de Maio de 1937
Foi posta à consideração a necessidade de construir um ou mais cemitérios, pois o antigo era pequeno e se fosse feita uma inspecção seria reprovado, sugerindo-se que se procurasse saber a opinião dos habitantes.
3 de Outubro de 1937
Dando cumprimento ao que fora determinado pelo Ministério da Justiça, foram apresentados os nomes dos novos membros da Junta de Freguesia, pois a eleição seria no dia dezassete desse mês, sendo nomeados Amândio Martins da Fonseca, Jerónimo Luís Marques, Jerónimo Alves Martins, Joaquim Videira, Manuel Saraiva e José Alves Martins.
30 de Janeiro de 1938
Foram apresentadas à consideração da Junta os principais planos de interesse para a freguesia: — A captação de água nas povoações de Rapoula e Martianes; a reparação das escolas (assunto também apresentado em 14 de Maio anterior); construção de novo cemitério em Pêra do Moço, um entre Rapoula e Menoita e outro entre Martianes e Guilhafonso.
23 de Abril de 1939
Devendo realizar-se no mês de Maio seguinte a festa da colocação do crucifixo na escola, foi decidido dar à sala pequena reparação.
25 de Junho de 1939
09 de Julho de 1939
As actas destas sessões tratam da divisão da água de rega na povoação de Martianes. (São as duas mais pormenorizadas que o livro regista; o presidente da Junta era um dos moradores interessados).
11 de Janeiro de 1942
Declarava-se nesta sessão que havia sido feita a entrega dos livros e mais documentos pela Junta cessante. Esta ficava a ser constituída por Amândio Martins da Fonseca, Luís Pires e José Damião.
10 de Janeiro de 1946
Tomava posse a nova Junta, que era constituída por Amândio Martins da Fonseca, José de Figueiredo e José Alves Martins; não se indicam os substitutos.
8 de Março de 1946
Havendo necessidade de socorrer os pobres, foi resolvido contactar a Comissão Reguladora, pedindo farinha para tal fim. (Cremos tratar-se da Comissão Reguladora do Comércio de Cereais)
13 de Agosto de 1946
Estando construídos de paredes o dispensário e a casa de residência do médico, decidiu-se apelar para a generosidade dos habitantes da freguesia para se conseguirem os fundos necessários para a sua conclusão.
10 de Setembro de 1946
08 de Outubro de 1946
22 de Outubro de 1946
19 de Novembro de 1946
24 de Dezembro de 1946
19 de Janeiro de 1947
09 de Fevereiro de 1947
23 de Março de 1947
Foi decidido pôr em arrematação as diversas fases das obras para a conclusão do dispensário e da residência do médico e tomaram-se decisões referentes ao pagamento das contas apresentadas.
15 de Setembro de 1948
Foi solicitado à Câmara Municipal a construção de um chafariz em Verdugal, estando já feita a captação da água. (Na sessão de 15 de Janeiro de 1949 dava-se a obra por concluída; mas em 15 de Julho já se reconhecia a necessidade de prosseguir os trabalhos para captação de maior caudal).
15 de Novembro de 1948
Por sugestão do vogal José de Figueiredo, foi resolvido lavrar um voto de louvor à professora Antónia de Jesus Escada pelos bons serviços prestados.
15 e Julho de 1949
Deliberou-se solicitar à Câmara Municipal da Guarda a construção de novo cemitério em Pêra do Moço.
15 de Agosto de 1949
Tomou-se a decisão de pedir a construção de um pontão no ribeiro que fica no caminho entre Martianes e Guilhafonso.
15 de Setembro de 1949
Tratou-se da necessidade de fazer a captação de água para Martianes; como a Câmara Municipal não tinha na ocasião disponibilidades financeiras, concordava em que a obra fosse feita se houvesse alguém que emprestasse o dinheiro; o vogal da Junta, José de Figueiredo, estava na disposição disso, pelo que se decidiu pedir orçamentos. (Este nome deverá encobrir outro, o de Amândio Martins da Fonseca, residente em Martianes e abastado proprietário local).
15 de Outubro de 1949
Tendo sido deixado por Firmino de Jesus e Teresa de Jesus Jacinto um prédio de terra de batatas no sítio denominado Castinçais, para ser dividido em quatro sortes iguais e serem distribuídas por esta Junta a quatro pobres dos mais necessitados que residam na aldeia sede da freguesia... (O texto não dá qualquer conclusão, passando logo ao assunto seguinte; refere-se a duas destas hortas a acta de 29 de Junho de 1936). Foi feita a apreciação das contas relativas à construção do dispensário e casa de residência do médico. Não podendo a Junta pagar a contribuição predial correspondente, solicitar-se-ía ao facultativo que a satisfizesse, pois não pagava a renda da habitação. Não querendo o encarregado do Posto de Registo Civil continuar a prestar esse serviço (sem indicar quem fosse, talvez o presidente da Junta, Amândio Martins da Fonseca, devendo atender-se à nota seguinte); foi indigitado para esse cargo o vogal José de Figueiredo. Resolveu-se solicitar à Câmara Municipal um subsídio em favor de Baltasar Ferreira e sua mulher, que estavam bastante necessitados.
15 de Janeiro de 1950
A Junta de Freguesia tomou conhecimento do ofício nº 2 293, de 29 de Dezembro de 1949, da Câmara Municipal, em que se comunicava que o presidente da Junta perdera o mandato. (Apesar de não dar qualquer explicação, pode deduzir-se que fosse por ter deixado de residir na freguesia. Era convocada uma sessão extraordinária no domingo seguinte, dia 22, para ser chamado à efectividade o substituto Jerónimo José Martins. A presidência passou a ser de José de Figueiredo).
15 de Fevereiro de 1950
Foi resolvido mandar construir um pontão na Menoita; tomaram-se medidas tendentes ao calcetamento imediato de ruas em Rapoula e Verdugal, e também, embora não imediatamente, em Pêra do Moço, Guilhafonso e Amial; admitiu-se a necessidade da construção de lavadouro e bebedouro em Martianes, assim como a exploração de água na mesma localidade e ainda em Menoita e Amial.
15 de Março de 1950
Tendo sido posto à venda pelo sistema de hasta pública um terreno com 49,5 metros quadrados, foi este arrematado pelo Dr. Abel da Fonseca, morador em Freixedas, pela quantia de quinhentos e oitenta escudos. Tratou-se também nesta sessão o problema do calcetamento das ruas na Menoita. (Aquele terreno abrangia a antiga fonte de mergulho, na parte baixa da povoação, designada por Lameira; o arrematante era médico e natural de Pêra do Moço, devendo ter sido aqui apenas testa de ferro; na sessão de 15 de Abril foi dada autorização para construir o muro de vedação).
1 de Janeiro de 1951
Tomou posse a nova Junta de Freguesia, ficando a ser constituída por José de Figueiredo, António Marques e António Marcos.
15 de março de 1951
Tendo sido convocada uma comissão composta por moradores de todas as povoações, para se pronunciarem acerca da restauração do mercado mensal que outrora se fizera todos os quartos domingos do mês, na Rapoula, houve unanimidade em que voltasse a realizar-se. (A ideia era velha, mas nunca se efectivou de forma duradoira).
15 de Maio de 1951
A Junta tomou conhecimento de uma comunicação do Instituto Nacional de Trabalho e Previdência, a propósito da restauração do mercado mensal de Rapoula, tendo sido decidido que se realizasse num dia útil da semana, a determinar pela Junta, depois de ouvir os habitantes daquela aldeia.
15 de Maio de 1952
Tendo a Câmara Municipal da Guarda entregado a importância do custo da estrada que liga Pêra do Moço a Avelãs de Ambom, (sem se dizer quanto fosse), a Junta decidiu pagar as contas a quem se devia.
15 de Junho de 1952
Tendo sido retirada a condução das malas do correio entre Guarda-Gare e Codeceiro, passando por esta freguesia, o que prejudicava o serviço da correspondência postal, foi resolvido solicitar à Administração dos Correios, Telégrafos e Telefones a continuação do antigo sistema.
15 de Agosto de 1952
Foi referida a resposta dada pela Direcção-Geral dos C.T.T. ao pedido feito e atrás referido (Embora se não torne explícito, sabemos ter sido negativa).
15 de Abril de 1954
Foi deliberado solicitar à Direcção dos C.T.T. a melhoria do serviço de distribuição da correspondência postal, nomeadamente em Pêra do Moço e Verdugal.
15 de Outubro de 1954
Nesta sessão deu-se conhecimento de que a nova Junta de Freguesia ficaria a ser constituída por Joaquim dos Santos, António Luís Marques, Manuel Saraiva da Costa (efectivos), Joaquim Marques, Manuel Cardoso e Manuel Domingos (suplentes).
5 de Novembro de 1954
Tomou posse a nova Junta de Freguesia, tendo o delegado do presidente da Câmara Municipal da Guarda, o regedor da freguesia de Pêra do Moço, José Pires, verificado a legitimidade dos poderes e recebido o juramento dos seus componentes; declarou a Junta devidamente constituída, porém a cessante continuaria em exercício até 31 de Dezembro.
15 de Novembro de 1954
Tratou-se do calcetamento do largo em frente da fonte de mergulho, em Pêra do Moço.
16 de Janeiro de 1955
Determinou-se que os sepultamentos no cemitério público pagassem a taxa de quarenta escudos — cinco escudos para a Igreja Paroquial, cinco escudos para a Junta de Freguesia, cinco escudos para a placa de identificação, e vinte e cinco escudos para o coveiro.
20 de Março de 1955
Decidiu-se pedir a reparação da calçada junto ao depósito do chafariz, na povoação de Rapoula.
22 de Maio de 1955
Comunicava-se estar autorizada a construção de um pontão sobre o ribeiro das Chafurdas, no caminho que vai de Pêra do Moço para Verdugal, um aqueduto na Rapoula, ligando a estrada à lameira, e fora já efectuada a reparação da calçada (referida na sessão de 20 de Março) tendo sido recebida para o seu pagamento a importância de mil setecentos e oitenta e oito escudos e cinquenta centavos.
19 de Junho de 1955
Comunicava-se aos membros da Junta que havendo sido contactada a Câmara Municipal, concordara em mandar construir um cemitério na Menoita, e que se havia recebido a quantia de mil escudos para fazer os pontões pedidos.
18 de Dezembro de 1955
Declarava-se ter sido ajustada a construção do tanque de lavagem na Martianes, pela importância de novecentos escudos, com José Tomás Marques, o encarregado da abertura da estrada que liga à povoação de Argomil. (Esta informação lateral não deixa de ter a sua importância, pois embora se tratasse de uma obra feita por outro município, o de Pinhel, interessava à freguesia, e dá-nos a indicação cronológica de quando foi aberta, uma curiosidade de relativo valor).
31 de Dezembro de 1959
Declarava-se que o melhoramento mais importante desse ano, fora a construção do cemitério de Menoita. Registava-se na acta o reconhecimento que a freguesia estava devendo ao vereador encarregado dos melhoramentos rurais, José Nunes Viana de Sousa (Residia em Sobral da Serra. Não estava registada a construção do marco fontenário do Largo da Fonte da Lameira, nem isso era possível, porque o abono de dinheiro fora de iniciativa particular de que se ocupara o presidente da Junta, tendo custado mil e trezentos escudos; lemos isso na acta da sessão).
1 de Janeiro de 1960
Entrou em exercício a nova Junta de Freguesia, que era formada por Manuel dos Santos Ferreira, António Luís Marques, José Saraiva (efectivos), António de Almeida, José Joaquim Saraiva e José Quelhas (suplentes).
31 de Dezembro de 1963
A nova Junta de Freguesia tomou conta dos livros e documentos que lhe foram entregues. A sua constituição era: — José Pires, José Domingos Ferreira, Valentim Reis (efectivos), Mário Sequeira, Augusto Marques e Alfredo Baltasar (suplentes).
31 de Dezembro de 1967
A nova Junta de Freguesia tomou conta dos livros e documentos que lhe foram entregues. A sua constituição era a seguinte: — António Luís Martins, Ernesto Pires e Virgílio Manuel Saraiva.
21 de Fevereiro de 1975
Provavelmente em consequência da revolução de Abril anterior, os membros da Junta de Freguesia cessante, António Luís Martins e Ernesto Pires, transmitiram à Comissão Administrativa os documentos, livros, valores e poderes autárquicos; os seus componentes eram: — Joaquim Luís Ferreira, António Pires e Joaquim Alves.
23 de Janeiro de 1977
A nova Junta de Freguesia tomou conta dos livros e documentos que lhe foram entregues. Tinha a seguinte constituição: — Manuel Pereira, José Jerónimo Martins e José Miguel Pereira; Artur Domingos Ferreira era o presidente da Assembleia, José Joaquim Saraiva era o secretário, havia um segundo secretário não identificado e o suplente seria Manuel João Pires.
13 de Janeiro de 1980
A nova Junta de Freguesia tomou conta dos livros e documentos que lhe foram entregues. A sua constituição era a seguinte: — Joaquim dos Santos, José Joaquim Saraiva e António Alves Marques.
16 de Janeiro de 1983
A nova Junta de Freguesia ficou a ser constituída pelos seguintes membros efectivos:— António Luís Marques, Joaquim Jorge Gonçalves Jerónimo, Fernando Valente Godinho e Manuel José Rodrigues Reis, este para presidir à Assembleia.
28 de Dezembro de 1983
Tratou-se do pedido de fornecimento de material, inclusive manilhas, para as obras a efectuar em Martianes.
14 de Julho de 1986
Foi deliberado construir os lavadouros públicos no Verdugal.
12 de Outubro de 1986
Estudou-se o problema do abastecimento de água às anexas Menoita e Guilhafonso.
3 de Fevereiro de 1987
Foi dado conhecimento de que se iria proceder contra António José Nunes Ferreira pela apropriação de pedra propriedade da Junta de Freguesia e por deficiências no pagamento de um terreno adquirido. Em 31 de Outubro declarava-se que havia pago sessenta e sete mil escudos, mas em 21 de Dezembro de 1988 ainda se dizia estar a dever, das pedras arrancadas, a quantia de quinze mil escudos.
24 de Abril de 1987
28 de Abril de 1987
Tratou-se da contratação de um advogado para acompanhar um processo judicial. Em 27 de Dezembro de 1989, tomava-se conhecimento de ter sido apresentada a conta, do montante de noventa mil escudos. (O arguente no processo era o compilador destas anotações; foi instaurado por causa da demolição de um muro).
28 de Abril de 1987
A Junta tomou conhecimento de ter sido adquirido o terreno que circunda a "Anta" existente na freguesia.
10 de Dezembro de 1988
Foi tratado o problema do aquecimento das escolas; e reconheceu-se que a pavimentação das ruas não fora feito em condições aceitáveis.
21 de Dezembro de 1988
Falou-se da colocação de contentores do lixo nas diferentes aldeias da freguesia.
15 de Fevereiro de 1989
Foram estudados os projectos relativos ao saneamento básico de Rapoula a aos arruamentos de Verdugal e Guilhafonso.
16 de Novembro de 1989
Trataram-se as questões referentes às compensações relacionadas com a Casa do Povo de Menoita e ao problema do abastecimento de água.
8 de Janeiro de 1990
Tomaram posse os novos membros da Junta, sendo os efectivos: — António Luís Martins, Maria Manuela Ferreira Marques Jerónimo e Armando Ferreira; o presidente da Assembleia passou a ser Justino Santos Saraiva Cairrão; os secretários eram Manuel João Pires e António José Nunes Ferreira. (Registe-se que aparece pela primeira e única vez o nome de uma senhora).
22 de Dezembro de 1990
Falou-se das diligências feitas com o objectivo de construir o Lar da Terceira Idade, na Rapoula, em terreno cedido por Manuel Saraiva da Costa.
26 de Janeiro de 1991
Fizeram-se diligências relativas à construção de um Salão de Convívio (Centro de Convivência), na Menoita.
1 de Janeiro de 1994
A Junta de Freguesia que serviu no quadriénio neste dia iniciado tinha a seguinte constituição: — Paulo José Pires Martins, Justino Santos Saraiva Cairrão e António José Nunes Ferreira; Jaime João Pereira seria o presidente da Assembleia.
1 de Janeiro de 1998
Constituem a Junta que deve servir no actual quadriénio os seguintes membros:
— Paulo José Pires Martins
— Armando Ferreira
— António Bernardo Saraiva
— José Joaquim Marques (presidente da Assembleia)
— António Monteiro Gonçalves (secretário)
— Carlos Alberto Alves Sebastião (secretário)
— Manuel Marques Martins (secretário).Nos últimos anos, as principais realizações efectuadas na freguesia, tendo em vista o nível de vida e o bem-estar dos seus habitantes, foram as seguintes:
Guilhafonso
— Ampliação do Salão de Convívio; aquisição do terreno que circunda o castanheiro gigante.
Martianes
— Reconstrução do forno público; melhoria dos tanques; construção de um muro.
Menoita
— Conclusão do Salão de Convívio; melhoria dos arruamentos.
Pêra do Moço
— Informatização da Junta; reconstrução da sua sede e da Casa do Povo; instalação do saneamento básico, dotado de esgotos e abastecimento domiciliário de água.
Rapoula
— Restauração do Centro de Convivência; conclusão das obras do saneamento básico e distribuição domiciliária de água; embelezamento do largo circundante à capela de São Marcos.
Verdugal
— Conclusão da electrificação do ramal de ligação à estrada nacional; cobertura dos lavadouros públicos; alargamento da via de acesso ao cemitério.
NOTA — São muitas as referências pessoais feitas ao longo das anotações coligidas, por isso não será descabido que se registem os nomes dos principais actuantes nos espectáculos teatrais referidos no texto, para que sejam preservados. Foram os seguintes:
Alfageme de Santarém:
Alfageme
Joaquim dos Santos (Faleceu em Pêra do Moço)P. Froilão
Manuel Rocha (Faleceu em Pêra do Moço).Guiomar
Lucinda Maio (Faleceu no Alvendre)Mendo
Adelino Marques (Reside em São Paulo, Brasil)Alda
Patrocínia Gonçalves (Reside em Braga)D.Nuno
José dos Santos (Reside em Braga)
Frei Luís de Sousa:
Manuel
Joaquim dos Santos (Já referido)Madalena
Virgínia Martins (Faleceu em Pêra do Moço)Maria
Leopoldina Antunes (Faleceu em Pêra do Moço)Romeiro
António Marques (Faleceu em Pêra do Moço)Frei Jorge
Germano Pereira (Faleceu em São Paulo, Brasil)Telmo
José dos Santos (Já referido).
Milagre da Serra
Os principais participantes foram acima incluídos.
D.Inês de Castro
Não temos indicação certa dos actuantes. Sabe-se apenas que a iniciativa foi de Firmino de Jesus.
Auto de S.Sebastião
Deve ter sido representado duas vezes em Pêra do Moço, por iniciativa de Firmino de Jesus.
Apenas podem apontar-se os seguintes participantes:
Sebastião
Firmino de Jesus (Faleceu em Pêra do Moço)Tarcísio
Fernando Mendes (Faleceu em Pêra do Moço)Diocleciano
Manuel Pires (Faleceu em Pêra do Moço)Fúlvio
Maximino Pereira. (Faleceu em Pêra do Moço).Destes, os dois primeiros são mencionados no texto. Os dois últimos não são referidos; mas têm descendentes comuns a residir na sede da freguesia.
Os actuantes de 1947 e 1948 são suficientemente conhecidos, dispensam a identificação.