CLASSIFICAR PARA ORDENAR O MUNDO Maria Clélia Belei GIGLIOLI - Zilá A.P.M.SILVA Esta é uma classe de alfabetização da APAE. As crianças são maiores; alguns já têm quinze anos. São crianças com dificuldades de aprendizagem que não foram aceitas ou foram expulsas da turma regular pelos diversos mecanismos de exclusão que a escola tão bem sabe utilizar. Trazem consigo uma série de estigmas que os impede de aprender ainda agora com a facilidade que poderiam fazê-lo. Bloqueios de toda ordem fazem com que "não sei" sejam as palavras mais freqüentemente pronunciadas. o primeiro e mais importante trabalho que precisa ser feito com estas crianças é fazê-las recuperar a auto-estima. De certa forma os alunos gostam da presença da Zilá, exceto Daniel. Cada vez que ela chega ele comenta: - De novo!!! Eu não quero fazer nada. Não sei. E se deita na carteira, sem demonstrar nenhum interesse. As atividades de sala de aula até que ele faz, mas tem uma preocupação muito grande com o "certo" e, quando não consegue acertar, acaba se recusando novamente. O maior problema é que ele tem condições de aprender; já adquiriu uma série de conceitos que só precisam ser organizados, mas diante da recusa parece que há pouco o que fazer. Escrever, para ele, é copiar. No dia em que lhe pedimos para escrever um bilhete, ele pediu a alguém que o fizesse e entregou aquele papel escrito quase sem erros. Isso nos deixava tristes, e ele sabia disso. Pouco a pouco, porém, as atividades de sala de aula, permitindo-lhe realizar algumas tarefas com bom resultado, foram fazendo com que aquele medo diminuísse. E ele passou a reagir melhor às propostas de trabalho. Um dia destes levamos uma caixa de figuras recortadas para a sala e a tarefa das crianças era descobrir o maior número possível de figuras que combinassem, explicando porque. A classe "pegou fogo". Classificar era com eles mesmo! Figuras iguais pela forma, por tamanho ou pela cor eram agrupadas lado a lado. Depois eram combinadas por função, agrupadas por categorias, enfim, classificadas das mais diversas maneiras. Pedindo a explicação que justificasse os grupos, estimulávamos as crianças para pensar, mediando com questões as mais diversas, desde o simples "porque você colocou estas figuras juntas?" até o mais complexo "você colocaria (figuras completamente diferentes entre si) estas figuras no mesmo conjunto? Por que?" que os levava a pensar em inclusão e exclusão de objetos nas diversas categorias, organizando seu conhecimento e, consequentemente organizando seu universo. E o Daniel acertava sempre. Se não, pelo menos procurava dar a melhor resposta. E isso era um bom sinal para quem antes só se recusava. Os passeios com o grupo também foram muito úteis para que ele se sentisse mais à vontade para tentar. Num dia de leitura no quadro tivemos uma grande surpresa, ou seja, ele quis escrever sozinho algumas palavras. Na verdade não foi bem assim. Enquanto eu (Clélia) tratava de orientar a atividade, eu (Zilá) fui para o quadro tentando fazer um exercício de comparação de fonemas e perguntei à classe quem gostaria de me ajudar. Surpresa! Daniel aceitou e foi ao quadro. Procurou semelhanças gráficas entre as palavras escritas e tentou acertar nas semelhanças fonéticas. Até que resolveu escrever (sozinho, sem cópia) a palavra "guitarra" que não estava no quadro. E escreveu: GITARA, lendo corretamente, ou seja "guitarra". Alguém pode me dizer que está errado, mas, na linha de trabalho que abraçamos, a leitura que ele fez, bem como sua escrita, obedecendo a regularidade da sílaba consoante-vogal, foi uma escrita e leitura alfabéticas perfeitas, principalmente se nos lembrarmos de que ele sempre se recusou a escrever sozinho. Discussões à parte, foi uma vitória e, depois desta, outras e outras vitórias. A auto-estima tomando seu verdadeiro lugar e o nosso aluno feliz procurando ser alguém útil na sociedade. Hoje, dois meses depois destes fatos aqui relatados ele vai muito bem na escola (apesar das dificuldades que ainda tem está se esforçando por conseguir bons resultados) e vai começar a trabalhar, como ele mesmo diz: "Com salário e tudo.", sentindo-se útil e valorizado. Quanto a nós, professoras,
mais uma vez percebemos que somos apenas mediadoras entre nosso aprendiz
e o mundo. |