Origem e evolução histórica.
Em fins do século
passado existiam no Rio de Janeiro, várias modalidades de culto
que denotavam nitidamente a origem africana, embora já bem distanciados
da crença trazida pelos escravos. A magia dos velhos africanos que
era transmitida oralmente através de gerações, dirvirtuava-se
, mesclada com as antigas feitiçarias provindas de Portugal.
As macumbas multiplicavam-se; os feitiços e "despachos", visando
obter vantagem e prejudicar terceiros aumentavam; a atividade do feiticeiro
tornava-se remunerada; enfim, a prática da magia negativa propagava-se
assustadoramente. (É fundamental salientar que apesar de livres,
os negros continuavam a serem discriminados e poucos foram
os que conseguiram trabalhar dignamente. Desta forma, utilizando-se da
magia africana que dominavam, começaram a cobrar por seus préstimos,
na tentativa de sobreviver e impor-se socialmente). O Astral Superior,
mobilizado com a situação, organizava falanges de trabalhadores
espirituais, para atigir de início, as classes humildes, mais sujeitas
que estavam às influências das supertições
que imperavam na época. Esses trabalhadores que se apresentariam
na forma de índios e negros escravos (caboclos e pretos-velhos),
não tiveram acesso nas sessões espíritas, por serem
considerados espíritos inferiores ou atrasados. Foi então
que no início do século, mais precisamente a 15 de Novembro
de 1908, um jovem de 17 anos, Zélio Fernandino de Moraes, através
do Caboclo das Sete Encruzilhadas, que nele incorporava pela primeira vez,
dava início a uma nova doutrina espiritual, a qual denominou-se
UMBANDA. (Zélio fora acometido de doença não detectada
pelos médicos e inesperadamente recuperara-se, assim por influência
a de um amigo, fora levado a Federação Espírita de
Niterói, no Rio de Janeiro, na qual participou de uma sessão
espirita onde então CABOCLO manifestou-se). Na sessão, após
ter se identificado, anunciou sua missão: Estabelecer as bases do
culto, no qual espíritos de índios e escravos viriam
cumprir as determinações do Astral, e que no dia seguinte
estaria na casa do médium para fundar um Templo. Disse ele:
"levarei daqui uma semente e vou plantá-la nas Neves onde ela se
transformará em uma árvore frondosa”. No dia seguinte, na
casa do médium, em Neves, bairro de Niterói, a Entidade manifestou-se,
dando passes e fazendo curas às pessoas que misteriosamente apareceram
no local. Inicialmente determinou as normas do culto, cuja pratica
seria denominada "sessão" e se realizaria à noite, das 20
às 22 horas, para atendimento ao publico, totalmente gratuito,
com passes e recuperação de obsidiados. O uniforme a ser
usado seria todo branco, de tecido simples e não se permitiria retribuição
financeira pelo atendimento ou trabalhos realizados. Os cânticos
seriam entoados sem o acompanhamento de atabaques ou palmas ritmadas. Assim,
fundou-se o primeiro templo de Umbanda do Brasil, denominado Tenda de Umbanda
Nossa Senhora da Piedade. Nesta mesma noite manifestou-se em Zélio
o preto-velho Pai Antônio, que iria, a partir daí, completar
as curas iniciadas pelo Caboclo. Passados dez anos, o Caboclo das Sete
Encruzilhadas anunciou a segunda etapa de sua missão, que
seria a fundação de sete templos que deveriam constituir
o núcleo central para difusão da Umbanda. Nas reuniões
de estudos que se realizariam às quintas, a Entidade preparava.
os médiuns que iriam dirigir os novas templos. Fundaram-se assim
as Tendas: N. Sª. da Guia, N. Sª da Conceição,
Santa Bárbara, São Pedro, Oxalá, São Jorge
e São Jerônimo. Em pouco tempo a Umbanda espalhou-se por todo
o país, inclusive no Uruguai, Argentina e Paraguai.
Adiante procuramos aprofundar as razões do surgimento da umbanda
e as relações com o Africanismo, Catolicismo e Espiritismo.
Razões do Surgimento.
Um fato fundamental é expor os antecedentes do Espiritismo no Brasil. O país, por sua própria formação católica, herança do período colonial, onde portugueses e espanhóis impuseram primeiramente aos índios aqui encontrados e, posteriormente. aos escra-vos importados, seus valores e suas crenças nunca contou com número muito grande de seguidores de outras crenças e/ou de livres pensadores, por causa da pressão exercida pela igreja católica romana e pela própria socieda-de; somente hoje é que há realmente liber-dade de crença. Na verdade, indiretamente, quem abriu ao Brasil as portas do espiritismo primeiro e do espiritualismo depois não foi um fato religioso, mas sim um fato econômico, pois os vastos recursos postos a disposição dos senhores do café e da lavoura em geral brasileira levaram os novos ricos a gastarem suas fortunas com visitas aos centros culturais e de lazer da Europa, principalmente Paris, foco das idéias liberalizantes da Revolução Francesa, da declaração dos di-reitos do homem e libertação dos grilhões da igreja tradicional tornou-se meca de con-testadores e livres pensadores permitindo que idéias que haviam até então caladas pudessem aflorar livremente; assim, sem medo de ser taxado de bruxo ou de louco, alguns médiuns e sensitivos puderam passar a procurar respostas as suas duvidas nas experiências dos irmãos Fox e nas obras de Allan Kardec e no conhecimento da possibilidade de comunicação com os espíritos. Dos estudos preliminares passou-se às sessões de efeitos físicos e posteriormente as comunicações diretas através dos médiuns. A nossa sociedade “tupiniquim” deliciava-se com todas as novidades estrangeiras e como tudo que vinha da França tinha aceitação ime-diata com os fenômenos espíritas não poderia ser diferente, e que em princípio eram conhecidos e praticados pela aristocracia, logo tornou-se pedante e preconceituosa; quem em vida não houvesse sido alguém muito rico, co-nhecido, importante, não deveria se manifestar nas sessões então chamadas de mesas bran-cas, e quando um médium in-corporava um espírito que em vida anterior havia sido escravo, era convidado a retirar-se e se teimava a dar passagem a um tipo escravo o médium era acusado de praticar baixo espiritismo, desprezado e impedido de freqüentar a sociedade. Portanto, a Umbanda teve suas razões de surgir no universo das religiões. De um 1ado os africanos não incorporavam espíritos dos morto (eguns); de outra parte, os dirigentes kardecistas, por preconceito, não admitiam em nas sessões, a manifestação de espíritos de índios e negros incorporados em seus médiuns. Então se es-tabeleceu uma lacuna entre os cultos de nações e os cultos de mesa branca, sem a possibilidade daqueles espíritos se manifestarem para atender a reclamos e necessidades da maioria da população dominante nas cidades situadas entre a classe alta e a mais baixa. Como disseminavam as macumbas e feitiçarias, não havia meios de combatê-las; os negros por sobrevivência lhes davam causa e o kardecismo, mais doutrinário, não possuía força pa-ra enfrentá-las. Era necessário o advento da Umbanda para preencher a lacuna e dar combate às ligações do mal e amparo aos necessitados marginalizados pe-la união de quatro troncos principais: os cultos de Nações, o Catolicismo, a Pajelança e o Karde-cismo. No primórdio de suas atividades baseava-se na mediunidade pura a mais tarde incorporou--se rituais, objetos e sistemas atendendo solicitações de guias negros e índios para manipulação de magia, que degenerou em alguns aspectos, pelo que analisaremos pontos obscuros adiante, com relação a outros cultos semelhantes.
Relações Religiosas e Doutrinárias.
Segundo o dicionário Aurélio, "religião" é
o sistema solidário de crenças e práticas relativas
e coisas sagradas que unem em uma mesma comunidade moral todos os que dela
aderem”. Com base neste conceito podemos considerar a umbanda uma religião,
que por sua doutrina caracterizar influências de outros costumes
de diversos povos e regiões, deve-se considerar por eclética
e essencialmente brasileira. Não representa portanto, uma
simples seita africana, como muitos acreditam.
Por isso, devemos distingui-la dos cultos afros, como o Candomblé
(Nação, no sul do Brasil) ou outras modalidades do norte
do País (Catimbó, Mina, Xangô), ou das Antilhas (Vodu),
ou então de sua banda esquerda, a Quimbanda. Esta última
não é considerada religião, pois não tem base
doutrinária do tipo cristã, muçulmana, judia ou oriental;
gira apenas em torno da magia, trabalha com espíritos inferiores,
dedicando-se exclusivamente em fazer ou desfazer o mal; seus trabalhos
são remunerados e as reuniões para sua execução
privadas, normalmente após a meia-noite. A Umbanda diferencia-se
do Candomblé pelas seguintes características:
Candomblé: ritual fixo de uma nação africana,
com uso de idioma e costumes da tribo de origem. Uso de vestes coloridas,
obedecendo a cor de cada orixá; altar interno, conforme uso africano,
sem imagens de santos católicos; sessões privadas, acessadas
pelo público só em dias de festas; o processo mediúnico
de incorporação apenas dos orixás pelos filhos-de-santo;
preparação e desenvolvimento lento e secreto a cada discípulo;
complexa hierarquia administrativa e espiritual; uso de sacrifício
de animais e existência da “Lei da Salva”, ou seja, pagamento por
trabalhos e leitura de búzios.
Umbanda: ritual variado de terreiro para terreiro, com uso de
idiomas e costumes brasileiros; utilização predominante de
vestes brancas; altar (congá) externo, com presença de imagens
de santos católicos, caboclos, Pretos-Velhos e sereias; sessões
franqueadas ao público com finalidade de cura e auxílio material
e espiritual; organização com simples hierarquia material
e espiritual; médiuns incorporam todas as categorias de entidades
espirituais; desenvolvimento de todos os médiuns integrantes, sem
preparação iniciática; só há sacrifícios
de animais (aves) em alguns terreiros que tiveram origem ou influência
do candomblé; doutrina de fácil assimilação,
bastante e cada vez mais baseada no Espiritismo; proibida qualquer remuneração
dos médiuns, sob a lei fundamental de que a mediunidade é
dada de graça e gratuitamente deve ser prodigalizada.
Não se torna fácil isolar crença primitiva pura
da doutrina espírita. Tudo é energia e essencial é
passar por tal evolução. Acima de tudo, a Umbanda é
cristã e necessária para o Astral Superior tirar o homem
das hostes inferiores.
Resumo histórico e o Sincretismo.
Como vimos nos itens anteriores, a Umbanda nasceu de diversas seitas africanas trazidas ao Brasil durante a escravidão. Ocorre que muitas transformações evoluíram paulatinamente através de etapas, abrasileirando o novo este novo credo. Lembramos que o Sincretismo é o relacionamento de divindades africanas (os orixás) aos Santos da Igreja Católica, por semelhança de personalidade características de feitos, e meio de atuação.
Em uma primeira fase houve a introdução da escravidão, desordenada e indistinta, reunindo negros de várias regiões da África, cada qual com costumes, idiomas e cultos, enfim, cultura de sua nação, como os nagôs e gegês (sudaneses), congos e angolanos (bantos) e malês (raízes árabes), todos com maior ou menor desenvolvimento. Pela obrigatoriedade de convivência mútua, de tribos distintas e pela necessidade de continuarem seus ofícios religiosos, foram se entrosando, fundindo uma mistura de concepções, rituais e divindades.
A segunda fase constituiu na introdução de novas modificações e acréscimos. Por ocasião das fugas, os escravos buscavam abrigo mais ao interior, juntos às matas e consequentemente, próximos aos índios. Deste re1acionamento começaram a improvisar para praticar seus rituais, tomando emprestado dos índios o terreiro e os apetrechos, trocando informações e atos mágicos, e da mesclagem, noves alterações surgiram. Os negros evadidos dos quilombos adotavam ritualística específica, de acordo com a improvisação requerida e conforme a tribo predominante, originaram a "banda' que hoje pertence o culto.
Só em uma terceira etapa o Sincretismo sofreu uma influência dos portugueses (ação evangelizadora dos jesuítas católicos nas fazendas), que consideraram, erroneamente, o culto africano, politeísta e bárbaro, cerceando a liberdade religiosa, proibindo os escravos de praticar o culto de seu povo. Coagidos a dissimular e ocular o próprio credo, os negros ardilosamente usavam o subterfúgio de colocar, nos altares improvisados nos terreiros das senzalas, imagens de santos católicas ocas, sob as quais escondiam a representação da divindade homenageada. Deste ardil, nasceu a associação de veneração à entidades africanas e católicas; por isso, hoje, como exemplo, sincretiza-se o orixá Ogum, guerreiro da espada e protetor das demandas, ao São Jorge, das batalhas e defensor do mal (o dragão).
Um quarta e última fase sobreveio após a libertação
dos escravos. Como se sabe, a maioria das seitas africanas e indígenas
tem como característica o culto aos antepassados, fundamentada na
reencarnação, por isso foi muito fácil a aceitação
do espiritismo que naquela época se difundia. Na mesma época
aceitou-se os santos católicos como espíritos superiores,
à categoria dos orixás. Foi um período de intensas
inovações, incorporados ou subtraídas por uns ou repudiadas
por outras, de onde nasceu uma profusão de terreiros, com orientações
variadas, resultando invocações calcadas no candomblé,
pajelança, catimbó, toré, mina, etc., nos diversos
Estados do Brasil. Por isso permanece na Bahia o Candomblé quase
íntegro às origens primitivas (influência dos negros
malês e sudaneses) cultuando os Orixás. Já no Rio de
Janeiro e Porto Alegre (influência dos negros bantos) separaram-se
do Candomblé os que aboliram a iniciação longa e cerimoniosa
(movimento lutas de Ogãs), surgindo as “bandas”, que ficaram conhecidas
como Umbanda Branca, Umbanda Cruzada, Quimbanda, Nação, etc.
Anos após, houve a incorporação de novos Sincretismos
com a absorção de procedimentos do Ocultismo Oriental, consolidando
o uso de magias esotéricas, banhos e defumações. Tudo
isso fez uma nova concepção brasileira que levou à
uma nova religião: a Umbanda. O uso da palavra Umbanda como religião,
apesar de surgida no início do século, só foi oficializada
na década de 30, face promulgação de legislação
em 1934, que permitiu atuação livre, apesar de discriminada.
Em 1939 foi fundada a Federação Espírita de Umbanda,
alterando seu nome em 1947 para União Espiritista de Umbanda no
Brasil.
A primeira tentativa de unificação do ritual e codificação
da doutrina foi no 1º Congresso de 1941, mas não se conseguiu
o intento até hoje. Talvez nem mais consiga, pois isso que fez bela,
pela liberdade, pois no Astral caminha para a universalização
da fé em torno de Jesus.