EU AMO A NOITE

 

Eu amo a noite quando deixa os montes,

Bela, mas bela de um horror sublime,

E sobre a face dos desertos quedas

Seu régio selo de mistério imprime.

 

Amo o sinistro ramalhar de cedros

Ao rijo sopro da tormenta infrene,

Quando antevendo a inevitável queda

Mandam aos remos um adeus solene.

 

Amo os penedos escarpados onde

Desprende o abutre o prolongado pio,

E a voz medonha do caimã disforme

Por entre os juncos do lodoso rio.

 

Amo os lampejos verde-azul, funéreos,

Que às horas mortas erguem-se da terra,

E enchem de susto o viajante incauto

No cemitério de sombria serra.

 

Amo o silêncio, os areais extensos,

Os vastos brejos e os sertões sem dia,

Porque meu seio como a sombra é triste,

Porque minh'alma é de ilusões vazia.

 

Amo o furor do vendaval que ruge

Das asas densas sacudindo o estrago,

Silvos de balas, turbilhões de fumo,

Tribos de corvos em sangrento lago.

 

Amo as torrentes que da chuva túmidas

Lançam aos ares um rumor profundo,

Depois raivosas carcomentdo as margens

Vão dos abismos pernoitar no fundo

 

Amo o pavor das soledades, quando

Rolam as rochas da montanha erguida

E o fulvo raio que flameja e tomba

Lascando a cruz da solitária ermida

 

Amo as perpétuas que os sepulcros ornam,

As rosas brancas desabrochando à lua,

Porque a vida não terei mais sonhos,

Porque minh'alma é de esperanças nua

 

Tenho um desejo de descanso, infindo,

Negam-se os homens; onde irei achá-lo?

A única fibra que ao prazer ligava-me

Senti partir-se ao derradeiro abalo!...

 

Como a criança, do viver nas veigas,

Gastei meus dias namorando as flores

Finos espinhos os meus pés rasgaram

Pisei-os ébrio de ilusões e amores.

 

Sendal espêsso me vendava os olhos,

Doce veneno lhe molhava o nó ...

Ai! minha estrêla de passadas eras,

Porque tão cedo me deixaste só ?

 

Sem ti procuro a solidão e as sombras

De um céu toldado de feral caligem,

E gasto as horas traduzindo as queixas

Que à noite partem da floresta virgem

 

Amo a tristeza dos profundos mares,

As águas tôrvas de ignotos rios,

E as negras rochas que nos plainos zombam

Da insana fúria dos tufões bravios

 

Tenho um deserto de amarguras n'alma,

Mas nunca a fronte curvarei por terra!...

Ah! tremo às vezes ao tocar nas chagas,

Nas vivas chagas que meu peito encerra!

 

 

Fagundes Varela


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