Tour de France
A
Tour de France, disputada pela primeira vez em 1903, é a prova ciclística mais
prestigiada do mundo e uma das competições mais importantes do esporte mundial.
É uma prova disputada em 20 etapas, em 22 dias, percorrendo a França, todos
os anos no verão. O percurso varia a cada ano, percorrendo mais de 3.500 Km,
incluindo as altas montanhas dos Alpes e dos Pirineus.
O tempo de cada ciclista, em cada etapa, é computado,
vencendo aquele que terminar as 20 etapas com o menor tempo acumulado. São inscritas,
normalmente, 20 equipes de nove ciclistas. Cada dia o ciclista com menor tempo
acumulado larga com a camisa amarela de líder da prova na classificação geral.
As principais disputas da Tour de France são:
Camisa amarela:
menor tempo total acumulado.
Camisa verde:
classificação por pontos. São atribuídos pontos aos ciclistas melhores colocados
na ordem de chegada em cada etapa, bem como em metas intermediárias no decorrer
das etapas.
Camisa branca com bolas vermelhas:
prêmio de montanha. São atribuídos pontos pela ordem de chegada no topo das
maiores subidas. As montanhas são classificadas por categorias, de acordo com
o grau de dificuldade.
Classificação por equipes: vence a equipe que tiver
menor tempo total acumulado.
Conquistar a camisa amarela da Tour de France é
o máximo que o ciclista profissional pode desejar. Em toda a história da Tour
apenas 18 ciclistas venceram mais de uma vez, sendo que quatro deles venceram
cinco vezes: Jacques Anquetil (França), Eddy Merckx (Bélgica), Bernard Hinault
(França) e Miguel Indurain (Espanha). Indurain foi o único a vencer cinco vezes
consecutivas.
As corridas de bicicletas começaram em 1869, na
França. A popularidade cresceu rapidamente e os patrocinadores, na maioria jornais,
viram que era uma excelente maneira de anunciar em um novo mercado. Cada jornal
tentava atrair mais atenção patrocinando provas mais longas e mais difíceis.
Henri Desgrange, editor do "LAuto et Le Velo", percebeu que
um limite tinha sido alcançado quando uma publicação rival realizou a Paris-Brest-Paris,
um "pequeno" passeio "non-stop" de 1200 Km! Aproximadamente
a distância de São Francisco a Los Angeles, ida e volta. Os ciclistas terminavam
a prova totalmente exaustos.
Foi então que Desgrange concebeu uma prova de etapas.
Ele lançou sua brilhante idéia no mundo do ciclismo em 1903 e as coisas nunca
mais foram as mesmas desde então. A Itália e a Espanha patrocinam provas similares
em duração, mas nunca atingiram o grau de respeito da Tour de France.
A cada ano Desgrange manipulava a fórmula para
produzir uma prova mais excitante. Em 1910 ele acrescentou os Pirineus e, no
ano seguinte, os Alpes. Atualmente, a Tour de France sempre tem uma boa dose
dos dois, pois as montanhas possibilitam aos melhores ciclistas mostrarem suas
qualidades. Mas 80 anos atrás o estado primitivo das bicicletas e das estradas
faziam com que a maioria dos ciclistas tivessem que andar, empurrando a bicicleta,
nas subidas. Um ciclista recordou, mais tarde, o quão desesperada a situação
podia chegar. "Nos lutávamos atordoadamente, como dois soldados perdidos
no deserto, e se Desgrange tivesse passado perto de nós eu, como qualquer outra
pessoa no meu lugar, o teria tratado como a um assassino".
Em tais condições as lendas rapidamente aparecem.
Uma diz respeito a, talvez, o mais azarado de todos os ciclistas da Tour, Eugene
Christophe. Ele estava lutando pela liderança da prova nos Pirineus quando seu
garfo quebrou. Naqueles dias Desgrange via a prova como um teste de homem e
máquina. Não haviam carros de apoio com bicicletas extras, como existem hoje.
Então, o pobre Christophe teve que andar 14 Km, montanha abaixo, até a pequena
vila de Sainte Marie-de-Campan, onde procurou o ferreiro da vila e fez um reparo
provisório. As regras eram tão rigorosas que ele foi penalizado por ter permitido
um garoto acionar o fole do forno! Sob tais circunstâncias o seu sétimo lugar
na classificação final, na chegada em Paris, foi como um milagre (Pode-se ter
uma idéia da estima que a França tem pela Tour visitando-se Sainte Marie-de-Campan.
A pequena casa de pedra do ferreiro, onde Christophe reparou seu garfo, é hoje
um lugar histórico nacional).
Por toda a primeira guerra Eugene Christophe tramou
sua vingança. Em 1919 ele estava preparado. Na metade da prova ele estava na
liderança. Foi na etapa para Grenoble que Desgrange teve outra grande idéia
promocional. No manhã seguinte Christophe deixou a cidade vestindo a primeira
"maillot jaune", a famosa camisa amarela que indica o líder geral
da prova. Porque amarela? Simplesmente porque essa era a cor das páginas do
jornal de Desgrange (O sucessor do jornal, o LEquipe, patrocinador atual
da competição, ainda é impresso em amarelo). Christophe estava inspirado na
prova, nada podia detê-lo agora. Nada, exceto outro garfo quebrado, a dois dias
da chegada em Paris. Uma vez mais houve a caminhada para a forja e a catastrófica
queda nas posições. Foi a última vez que ele competiu.
No final dos anos 20 Desgrange tornou-se cada vez
mais perturbado pelas manipulações dos patrocinadores das equipes. Então, em
1930 ele declarou que a Tour de France seria aberta apenas para as equipes nacionais
(equipes oficiais de cada país), com todos os ciclistas montando bicicletas
amarelas "anônimas". A idéia foi um sucesso instantâneo. Os ciclistas
franceses, os quais normalmente estariam estrangulando-se uns aos outros, trabalharam
em equipe para uma triunfante vitória. A uma certa altura o líder da equipe
francesa, Andre Leducq, acidentou-se em uma descida de montanha e ficou tão
abalado que decidiu sair da prova. Enquanto isso, os italianos, espanhóis e
belgas estavam se afastando rapidamente, tentando eliminar qualquer possibilidade
de uma recuperação dos franceses. Foi necessário a equipe inteira para persuadir
Leducq a continuar. No momento em que eles estavam de volta no selim tinham
15 minutos de atraso. Por 75 Km eles perseguiram como maníacos, com o ensangüentado
Leducq resistindo apenas com a coragem. No final eles eliminaram a diferença.
Leducq chegou mesmo a ganhar a etapa e, no final, a prova!
Nenhum ditador jamais governou seu país com uma
mão mais firme do que Desgrange comandou a Tour de France. Ele submeteu os ciclistas
a todos os tipos de caprichos. Por exemplo, um ciclista podia iniciar uma etapa
com tantas camisas quanto ele quisesse, mas tinha que terminar com a mesma quantidade.
Muitas etapas começavam às 4 horas da manhã nas montanhas, onde a temperatura
flutuava próximo a zero grau. Oito horas depois, e dois terços da etapa completados,
a temperatura podia muito bem estar em 15 graus. Mas ninguém podia descartar
qualquer roupa!
Muito tempo depois que o câmbio tipo "derailleur"
tinha sido inventado, o mecanismo que possibilitava que as marchas fossem mudadas
com um simples movimento de uma alavanca, e muito tempo depois que ele tinha
sido adotado por cicloturistas, Henri ainda proibia seu uso na Tour. "Verdadeiros
ciclistas não precisam desses geringonças", ele declarou.
Como se a Tour não fosse dura o bastante sob inúmeros
aspectos, os ciclistas ainda tinham que ficar constantemente atentos ao melhor
momento de mudar de marcha. Para tanto, eles tinha que desmontar, folgar a roda
traseira, e inverter os lados para instalar a corrente noutra catraca. Apenas
em 1937, com Henri muito doente para dirigir a prova, os "derailleurs"
foram finalmente permitidos.
De 1940 a 1946 a Tour de France foi uma vez mais
interrompida pela guerra. A França estava ansiosa para retornar ao conflito
mais refinado das corridas de bicicleta. Mas o país sede da Tour estava menos
que entusiasmado em ver um italiano vencer a primeira prova pós-guerra, em 1947.
Na verdade ele nasceu na França, filho de pais italianos, mas Pierre Brambilla
ainda era um estrangeiro numa terra que acabava de estar em guerra com a Itália.
O último dia é, normalmente, um passeio até Paris.
Mais de três semanas de prova é suficiente para garantir um vencedor muito antes
do término. Mas o pouco conhecido ciclista da Bretanha, Jean Robic, no terceiro
lugar na classificação geral, tinha outros planos. Na metade da etapa os ciclistas
subiram do vale do Sena para a cidade de Rouen, numa ladeira de 1 Km chamada
"Bonsecours", ou "Boa Ajuda". Aqui Robic apostou tudo. Ele
atacou furiosamente, mas Brambilla se manteve com ele. Então Robic acelerou
novamente e, dessa vez, Pierre não pode segura-lo. Cercado por inimigos, Brambilla
empreendeu uma extenuante perseguição, enquanto Robic, transtornado pelo sonho
da vitória, pedalou como se não existisse fadiga. Jean Robic permanece até hoje
como o único ciclista a vencer a Tour no último dia, quando esta etapa não foi
uma prova contra-relógio, e seu feito tornou-se conhecido na legenda da Tour
de France como o "milagre de Bonsecours".
Da mesma forma que as montanhas, as etapas contra-relógio
são utilizadas para separar os ciclistas. Estas provas individuais contra o
relógio são assinaladas com clareza no itinerário de todas as Tours, mas
talvez a mais famosa de todas não é encontrada em nenhum mapa da Tour. O ano
era 1951, um ano em que o ciclista suíço Hugo Koblet estava demostrando a melhor
forma de sua vida. Ele estava liderando a prova por uma pequena margem na classificação
geral quando a décima primeira etapa, de Brive até Agen, iniciou. Com os Alpes
e os Pirineus ainda por vir, as conhecidas "estrelas" estavam muito
satisfeitas em deixar o inexperiente Hugo se cansar. Era esperado que esta etapa
de 140 Km fosse uma calmaria, antes da tempestade das montanhas. Hugo pensava
de outra forma. Ele desejava incutir medo no coração dos seus adversários. Pouco
depois do início da etapa ele desapareceu na frente. As "estrelas"
se olharam e, perplexos, riram. Todos sabiam que um indivíduo não tem chance
alguma se distanciando de um grupo, onde o trabalho de "quebrar" o
vento era feito com maior eficiência, com os ciclistas em fila e se revezando
na frente.
Quando os que ficaram atrás viram que a diferença
tinha aumentado para três minutos as risadas cessaram. Agora as "estrelas"
foram insultadas. Eles se uniram e pedalaram forte. 50 km depois a diferença
ainda era de três minutos. Outros 50 Km e ainda era a mesma! No último quilometro
Koblet endireitou-se no selim, penteou os cabelos, borrifou um pouco de colônia
e atravessou a linha de chegada 2 25 a frente do pelotão em
desesperada perseguição. Tal domínio nunca tinha sido visto na Tour de France.
Em Paris ele tinha 22 minutos sobre o segundo lugar, Raphael Geminiani. Geminiani
considerou sua posição como a vitória de uma espécie. "Eu fui o primeiro
dos humanos normais", era o seu cumprimento.
Em 1959 as equipes nacionais estavam em decadência.
Os ciclistas não mais se sacrificavam pela honra do seu país. Naquele ano os
dois melhores ciclistas franceses vigiaram-se, um ao outro, como falcões. Tirando
vantagem desse impasse, um audacioso espanhol, Federico Bahamontes, escapou
para vencer a prova. Foi um escândalo de primeira magnitude. Em 1963 as equipes
comerciais estavam mais uma vez em voga e tem sido assim desde então.
Em alguns anos um ciclista é tão dominante durante
a temporada que sua vitória na Tour é quase uma conclusão antecipada. A questão
então torna-se "como", ao invés de "se", ele vai vencer.
Em 1961 Jacques Anquetil foi um desses ciclistas. Ele anunciou, à maneira de
Muhammed Ali quando previa um nocaute, "Eu vou liderar do início ao fim".
E ele fez isso. Não foi a primeira vez que esse feito tinha sido realizado,
mas nunca antes ou depois disso uma vitória na Tour foi tão clínica. Os fãs
estavam insatisfeitos. Eles gostam de ver o homem na camisa amarela fazendo
algo extraordinário. Mas eles tem que admitir, mesmo de má vontade, que esse
homem com uma mente de uma calculadora mereceu sua vitória como qualquer outro,
pelo menos.
Esses mesmos fãs estavam muito mais felizes em
1969, quando o belga Eddy Merckx entrou na prova pela primeira vez. Provavelmente
o maior ciclista de todos os tempos, Eddy quebrou todas as regras sobre conservação
de energia. O cúmulo de sua extravagância ocorreu nos Pirineus. Já na frente
por extraordinários oito minutos (uma eternidade, pelos padrões modernos), ele
escapou para dobrar sua vantagem em apenas uma etapa.
Deuses e heróis são a matéria-prima da lenda da
Tour de France, mas a dimensão humana, o humor, nunca está longe. Jean Robic,
o vencedor surpresa de 1947, era famoso pela sua habilidade de subir as montanhas.
Mas ele era tão leve que tendia a perder na descida o que ganhava na subida.
Então o seu astucioso treinador teve uma idéia. Ele encheu uma garrafa d'água
com chumbo e, dali em diante, entregava-a a Robic no topo das subidas. Então,
dirigia ladeira abaixo como um louco para apanhar a garrafa de volta antes do
início da próxima subida. Tudo isso era rigorosamente ilegal. Um dia Robic estava
voando ladeira abaixo e passou por cima de uma saliência tão grande que sua
garrafa especial foi arremessada na estrada. Os espectadores ficaram espantados
de ver o seu herói frear e voltar apressado para recuperar uma mera garrafa
d'água. Ele sempre teve uma reputação de ser um pouco excêntrico e agora eles
tinham certeza disso.
Em 1987, o irlandês Stephan Roche travou um batalha
épica com o espanhol Pedro Delgado pela vitória da Tour. Delgado lançou o seu
ataque mais devastador na subida para La Plagne. Roche lutou por 15 Km para
manter a diferença em menos de dois minutos. No quilômetro final ele mudou para
uma marcha mais alta e manteve um "sprint" até a chegada. Ele baixou
a diferença para quatro segundos, mas o esforço quase o matou. Ele caiu da bicicleta
inconsciente. Sua mãe, em Dublin assistindo a TV, pensou que seu filho tinha
morrido. Apenas na ambulância Roche começou a dar sinais de vida. O médico,
verificando seu pulso e notando a melhora na sua cor, disse "Isso é bom.
Você ficará OK". O irlandês brincalhão de sempre, Stephan respondeu num
sussurro, "Ótimo, mas nenhuma mulher ainda, por favor".