Falsificações do passado

Claudio Alberto Ramírez

Para o estudioso do passado foram criadas disciplinas científicas específicas como a História, a Arqueologia e a Paleontologia, além de trazer para dentro de sua esfera outras como a Geologia, a Antropologia, a Astronomia e a Filologia. Para tanto se estabeleceu uma metodologia científica que baseia antes de tudo nas descrição dos elementos de que se dispõe para reconstruí-lo, evitando o máximo possível as especulações (estas somente se fazem diante de "lacunas de informação" e são o mais restritas possível pela lógica e pelo senso comum). Seguindo estas regras pode-se cometer erros, em algumas ocasiões graves até, mas só se entra no terreno da pseudo-ciência quando não se utiliza o método ou quando se falsifica os elementos de estudo.

Por isso não se pode falar numa pseudo-ciência independente, mas se considera como parte da Pseudo-Arqueologia toda afirmação infundada que pretende formar parte da Arqueologia. A Ciência deve refutar cada afirmação em separado, já que não formam um corpo orgânico com uma base pseudo-científica comum, como seria o caso da Astrologia. Pode-se estabelecer uma série de características que ajudam a detectá-las, analisá-las e refutá-las.

Há pseudo-arqueologia quando:

  1. Se estabelece que a data do objeto estudado está errada ou é falsa (ex.: Sudário de Turim)
  2. Se afirma alguma coisa que contradiz elementos autênticos (ex.: a superioridade da raça ariana, pretendida pelos nazistas)
  3. Se formulam especulações ou se tenta demonstrar teorias baseadas em dados incompletos, irrelevantes, inconsistentes, mal interpretados ou que diretamente não guardam relação alguma com o que se pretende demonstrar (ex.: a suposta relação entre astecas e gregos baseada em certas similaridades idiomáticas)
  4. Se explica alguma coisa baseado em outra pseudo-ciência (ex.: a colocação das estátuas da ilha de Páscoa através de telecinese)
  5. Se utiliza a indeterminação existente (ou aparentemente existente) em alguns temas, para transformá-los em algo "misterioso", dando o sentido de "não há explicação possível dentro dos limites da Ciência e o entendimento humano" (ex.: as linhas de Nazca feitas supostamente por "uma cultura desconhecida, talvez extra-terrestre" com "finalidades que ainda não compreendemos")

Na prática essas características costumam se misturar, mas a mais típica e difundida é a última, a qual costuma ser o primeiro passo para se propor soluções descabidas (classificáveis nos outros itens), absolutamente desnecessárias, pois não existe nada que não seja explicado pelos recursos tradicionais das disciplinas científicas reconhecidas.

Existem muitas pessoas com muitos motivos para falsificar o passado, sua importância e transcendência, entre os quais encontramos a manipulação por diversos interesses (políticos, sociais, religiosos, econômicos), a legitimação de idéias pseudo-científicas (por mais nefastas que sejam) através de fraude e outras. A conseqüência, graças à grande difusão que têm as idéias pseudo-científicas, é que existem muitas pessoas (possivelmente a maioria) que não apenas desconhecem a verdade sobre momentos de relevância histórica, mas têm uma idéia deformada ou falsa desses momentos. E isso pode ainda originar novas fraudes num círculo vicioso eterno.

O mecanismo seria: (1) acredito que as Malvinas são inglesas, então digo que quando os ingleses chegaram estavam desertas, falsifico um documento que diz que Vernet e o resto da população na verdade vivam na atual Chubut, publico um livro a nível mundial, ganho dinheiro, me torno famoso e todos os desmentidos se transformam em opiniões sobre um tema polêmico. De qualquer forma estarei no lucro. Se a aceitação for grande, a Argentina terá grande dificuldade em reaver seu território.

São numerosas as causas da aceitação social de conceitos infundados, entre elas se pode destacar:

  1. A simpatia ou afinidade com as idéias ou métodos em que se baseia a afirmação ou com a pessoa que a afirma, a qual eventualmente implica que se aceite incondicionalmente.
  2. A falta de critério científico para analisar ou avaliar as provas apresentadas, que podem ser julgadas inclusive com base em seu valor estético.
  3. A resistência a mudar a idéia que se tinha a respeito de determinado tema, quando já se acreditava em algo semelhante (geralmente as idéias pseudo-científicas se difundem antes e levam a vantagem de chegar primeiro)
  4. O desconhecimento dos critérios para estabelecer um princípio de autoridade válido a respeito de quem se apresenta como especialista, conhecedor ou investigador de um tema.

Em conseqüência, os problemas para refutar qualquer afirmação falsa nesta matéria são:

  1. Como os acontecimentos atuais (políticos, raciais, religiosos etc...) são muitas vezes conseqüência dos períodos históricos estudados, é comum utilizar em sua análise métodos não científicos baseados em crenças e ideologias, que podem ser válidas em si mesmas, mas que geralmente deformam, alteram, ignoram ou diretamente inventam o passado para defender sua posição.
  2. Que o pseudo-cientista obtém para sua explicação o mesmo grau de confiabilidade que têm as hipóteses baseadas no método científico e em indícios relevantes e, para isso, conta com:

Vejamos um exemplo disso: dada sua grande antiguidade e falta de elementos, não se pode determinar exatamente como foram construídos os megalitos de Stonehenge (na Inglaterra). Os cientistas sérios, baseados em alguns indícios, propõem soluções com grandes probabilidades de estarem certas, que somente levam em conta homens comuns de roupas primitivas e instrumentos simples de madeira e pedra. Mas isso não é o bastante para desacreditar as explicações baseadas em "habitantes da Atlântida" ou "seres extra-terrestres" porque os argumentos falaciosos são (por exemplo): "uma cultura primitiva não pode realizar algo tão avançado" (demonstrando desinformação e desrespeito pelas culturas antigas) ou "quando um enigma não tem solução com as atuais hipóteses, pode-se crer no que quiser a respeito" (o que implica pôr crendices no mesmo nível da lógica e da experiência).

Nada melhor para lutar contra esse mecanismo do que o método científico, mas a grande quantidade de material espúrio, a falta de formação e informação científica e o pouco senso crítico reinante em nossa sociedade, entre tantos outros motivos, fazem com que hoje em dia existam fraudes e farsas com grande aceitação social.

Notas:

(1) - O autor é argentino e citou esse exemplo que se reporta à causa da Guerra das Malvinas, em que a Inglaterra e a Argentina reclamavam a posse sobre as ilhas Malvinas. Seguiu-se uma guerra que, obviamente, a Inglaterra venceu. Sua opinião a respeito não tem nada a ver com a do webmaster, nem é a ideologia da página.
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Esse texto foi escrito por Claudio Alberto Ramírez em espanhol e originalmente publicado em CAIRP Home Page.

Toda a responsabilidade pela tradução para o português é de Mauro Pennafort

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