Desenvolvendo o Pensamento Crítico

Esse texto é uma amostra do livro "Becoming a Critical Thinker" escrito por Robert Todd Carroll e que mostra que ações simples podemos tomar no dia-a-dia para pensarmos mais criticamente e não sermos facilmente enganados

Capa do Livro "Becoming a Critical Thinker"

Esta é a lista de capítulos do livro:

1. Pensamento Crítico

2. Linguagem e Pensamento Crítico

3. Fontes

4. Identificando Argumentos

5. Avaliando Argumentos

6. Avaliando Argumentos Extendidos

7. Exemplos

8. Raciocínio Analógico e Raciocínio Causal

9. Ciência e Pseudociência

10. Respostas a Exercícios Selecionados

11. Glossário

12. Leituras Adicionais

1. O que significa pensar criticamente ?

Porque algumas pessoas são melhores que outras em resolver problemas e tomar decisões? A resposta parece óbvia: algumas pessoas são mais inteligentes que outras.

Porque algumas pessoas são melhores que outras em justificar suas crenças e ações com boas razões? Mais uma vez a resposta parece óbvia: algumas pessoas têm mais conhecimentos que outras ou são mais eloqüentes que outras.

Ainda assim, duas pessoas igualmente inteligentes, podem ser igualmente articuladas e informadas, mas não são igualmente boas em pensar. Se uma só delas estiver pensando criticamente, essa pessoa será melhor em analisar e avaliar fatos e opiniões, fontes e alegações, opções e alternativas, etc... Aquele que tem pensamento crítico será um melhor resolvedor de problemas e tomará decisões melhor.

Quando pensamos criticamente, nós estamos usando nosso conhecimento e inteligência efetivamente para chegarmos à posição mais razoável e justificável possível. Quando não pensamos criticamente, não importa quanta inteligência ou conhecimento tenhamos, nós tomaremos a decisões desarrazoadas e agiremos de maneira ilógica (a não ser que tenhamos a sorte de tomar a decisão certa pelo motivo errado!)

Então o que fazemos quando pensamos criticamente? Pensar criticamente é pensar com clareza, precisamente, prestando atenção a tudo, ao mesmo tempo em que avaliamos as razões para aceitarmos alguma crença ou tomar alguma ação. O objetivo do pensamento crítico é simples: garantir, o tanto quanto possível, que as crenças e ações são justificáveis e passam no teste da análise racional. Para conseguirmos isso precisamos estudar rigorosamente nossas próprias crenças e ações e também as das pessoas com quem temos contato. Que padrões devemos usar? Eis é a questão com que nós vamos começar: quais são os padrões de avaliação do pensamento crítico?

2. Discurso Duplo

Em seu ensaio "Politics and the English Language", George Orwell alega que a "mistura do discurso vago com a crua incompetência é a mais marcante característica da moderna prosa em inglês e, especialmente, de qualquer tipo de escrito político." É preciso pensar menos se usamos uma linguagem vaga ou de duplo sentido", diz ele "esse estado adormecido da consciência, se não indispensável, é sempre favorável à conformidade política." De acordo com Orwell, o discurso político é "principalmente a defesa do indefensável" por isso "a linguagem política consiste de largo uso de eufemismos, metáforas, pensamento vago e evasão." Como exemplo, Orwell citou os seguintes termos e seus verdadeiros significados: pacificação = bombardear aldeias indefesas; transferência de população = forçar pessoas a pegar estrada enquanto suas terras são confiscadas; eliminação de elementos perniciosos = pessoa ficam presas durante anos sem um julgamento, ou levam um tiro na nuca.

Orwell nos lembra que o pensador crítico deve estar em guarda não apenas para a linguagem que deliberadamente obscurece o pensamento com sentimentalismo, mas também para abusos mais sutis da linguagem: uso de eufemismos, jargão, e linguagem obscura para confundir e desviar a atenção. Essa linguagem é chamada discurso duplo. O livro 1984 de George Orwell's, descreve um estado totalitário onde a linguagem era uma das mais importantes armas usadas para controlar o pensamento e a ação do povo. O termo usado para designar a linguagem oficial do estado era "Novo Discurso". E "pensamento duplo" era o termo para a união de duas idéias opostas, por exemplo: "Guerra é paz".

O discurso duplo é descrito por William Lutz, autor do livro "Doublespeak", como linguagem que “faz o mau parecer bom, o negativo parecer positivo, o desagradável parecer atraente ou, pelo menos, tolerável”. É a linguagem que freia ou evita o pensamento. Lutz identifica vários tipos de discurso duplo de acordo com o uso de eufemismos para disfarçar ou desviar a atenção de uma realidade feia ou de uma situação embaraçosa, ou o uso de discurso pretensioso, inflado, obscuro ou jargão esotérico para dar um ar de prestígio, profundidade ou autoridade para a pessoa que está falando.

Outro tipo de discurso duplo que Lutz não menciona, mas que é muito comum é p uso de uma linguagem clara e detalhada, mas que implica ou depende de um fato falso. Exemplo: certa marca de batatas-fritas que tem, na embalagem, a frase “Sem colesterol” e, na parte de trás da mesma embalagem, mostra que contém gorduras saturadas (que produzem colesterol quando ingeridas).

3. Notícias Forjadas:

Em 1985 o colunista Richard Reeves afirmou que "as pessoas que estão tomando conta da TV, acham que ela é apenas o negócio rentável de detonar as mentes das pessoas. De forma que quando eles acabarem, nós não conseguiremos distinguir o alto do baixo, nem a realidade da mentira". Reeves temia que a nova geração de jornalista televisivos, "treinados em conferências de vendas e salas de estar" afetasse significativamente nossa percepção da realidade com sua mania de criar notícias fictícias. Reeves estava preocupado que programas como "Fatal Vision" da rede norte americana NBC fosse apenas o começo de uma tendência de apresentar fatos fictícios como se fossem documentários reais. “Fatal Vision” era uma série sobre os assassinatos da esposa e dos filhos do Dr. Jeffrey MacDonald, que retratado como culpado desses crimes. Uma pesquisa na cidade natal de MacDonald feita pela revista “Newsday” apurou que antes da série ser exibida, 20% da população considerava MacDonald culpado. Depois da exibição da série 50% da população passou a considerá-lo culpado. Muitas pessoas, disse Reeves, "acreditam que a câmera não mente" .

Eu acredito que Reeves estava à frente de seu tempo. Programas de reconstituições de crimes são hoje campeões de audiência na América e apresentam ficção como se fosse fato, usando as imagens para dar a ilusão de realidade. Reconstituições de eventos podem conduzir e desviar o telespectador, fazendo com que acredite que aqueles supostos fatos realmente ocorreram daquela maneira. As chances para o abuso do poder dos jornalistas nunca forma tão grandes. Esses programas, freqüentemente apresentam uma visão unilateral, diminuindo a possibilidade do réu ter um julgamento justo, já os jurados em potencial foram influenciados pela TV.

Provavelmente a caso mais conhecido nos EUA foi um caso em que a NBC forjou um teste com caminhões da GM, fazendo com que estes explodissem em colisões laterais. O que não fora mencionado no programa é que a rede colocou explosivos dentro do tanque de gasolina do caminhão, para que este explodisse. A rede fez de tudo para atrapalhar as investigações dobre o vídeo. A GM gastou cerca de US$ 2.000.000 (dois milhões de dólares) para apurar a verdade a respeito do documentário e provar que seus caminhões nada tinham de errado. Ninguém sabe o quanto custou para a NBC forjar as evidências.

As questões que ficam são: Este foi um caso isolado de falha de julgamento de um jornal de TV? Ou isso é sintoma de desonestidade generalizada na mídia? Ou seria apenas incompetência? As opiniões dos especialistas se dividem entre essas três explicações.

4. Ad hominem

Uma das maneiras mais comuns de tentar desacreditar argumentos ou afirmações de alguém, é criticar a pessoa que os faz, ao invés de criticar o argumento em si. Um ad hominem é uma afirmação irrelevante sobre a pessoa que tem opiniões de que se discorda. A afirmação sobre a pessoa é feita esperando que sirva como argumento contra as opiniões dela. Ao invés de criticar as premissas e raciocínio da pessoa, um ad hominen declara algo de ruim sobre o caráter, os amigos, o trabalho, os hobbies, a saúde mental, os gostos ou qualquer outra coisa a respeito da pessoa, mas que não tem nada a ver com as opiniões dela. A falácia do ad hominem está na natureza irrelevante, não na sua falsidade. Se o que é dito sobre a pessoa é falso, além de ser irrelevante, duas falácias são cometidas: premissa falsa e premissa irrelevante. As pessoas não apenas usam ad hominem, como também são seduzidas por esse tipo de argumentação falaciosa. O apelo do ad hominem vem dele colocar doutrinas ruins (isto é, aquelas com as quais discordamos) na boca de pessoas ruins. Aí a pessoa pensa que se o oponente é ruim, é também estúpido e incapaz de raciocinar. Atacar a pessoa, ao invés de atacar as idéias dela, é mais fácil e mais satisfatório psicologicamente para as pessoas de pensamento pequeno, que de forma maniqueista dividem as outras pessoas em dois grupos: aqueles que concordam com suas próprias idéias e, por isso são boas e corretas, e aquelas que discordam de suas idéias e, portanto, são ruins e erradas.

O ad hominem é também atraente para os cínicos que preferem ridicularizar e diminuir as pessoas do que analisar seriamente um ponto de vista oposto. O ad hominem é também uma tática dos manipuladores de multidões, os demagogos experientes que sabem jogar com as emoções do povo e seduzi-lo para converter a desaprovação por uma pessoa em discordância com suas idéias.

Exemplos de argumentações ad hominem:

--"As críticas de Nietzsche ao cristianismo são completamente falsas; afinal ele era maluco!"

--"É claro que a Associação Brasileira de Odontologia recomenda ir ao dentista pelo menos duas vezes por ano: eles vivem disso! Não dê atenção ao que eles dizem."

--"A política econômica de Reagan foi desastrosa. Isso não me surpreende, não se poderia esperar nada melhor de um ator!"

--"Sabemos que o comunismo é uma doutrina errônea, pois as únicas pessoas que aderiram a ele são ruins e perversas."

--"Por que eu deveria ouvir um ignorante como você ?!"

5. Generalização Válida:

Em ciência existe o princípio da generalização válida, que consiste em saber que precisamos estudar apenas uma parte de uma determinada classe de fenômenos ou de objetos de estudo, para obter conhecimento sobre aquela classe em geral. Um cientista não precisa estudar todos os vírus de um determinado tipo para tirar conclusões corretas sobre aquela classe de vírus. Um estudante de veterinária não precisa dissecar todos os cães do mundo para conhecer os órgãos internos dessa espécie e seu funcionamento. Desde que o número de cães no mundo é muito maior do que os que se disseca em estudos, sabemos que o percentual de cães estudados é próximo de zero, mas mesmo assim a generalização é válida porque sabemos que os indivíduos de uma mesma espécie são quase iguais fisiologicamente. O mesmo vale para um astrônomo que estuda uma determinada classe de estrela. Não importa quantas ele observe, esse número sempre será uma fração infinitesimal em relação à todas as estrelas que existem. Um biólogo molecular estudando o DNA não precisa extrair todas as células de todos os seres humanos que existem.

O mesmo princípio é usado nas pesquisas de opinião de populações humanas, só que a amostra tem que ser um pouco maior, por que o que um químico, um biólogo molecular, ou um físico estudam é geralmente homogêneo (uma pessoa pode mudar de opinião, mas um elétron não vai se transformar em próton) "uma molécula de água é muitíssimo parecida com outra molécula de água". O que importa não é quantos exempleres se estuda, mas quanto típicos são esses exemplares dentro da população-alvo.

O problema com as pesquisas de opinião é que elas partem do princípio que a opinião de alguém uma coisa que está dentro da pessoas e que pode localizada e extraída através das perguntas. Elas também assumem que a pessoa tem que ter uma opinião sobre o assunto pesquisado. Talvez o que a pessoa tivesse que ter é informação suficiente para formar uma opinião. Talvez o que a pesquisa tivesse que fazer é estimular as pessoas a pensarem sobre o assunto até terem uma opinião, e não fechar a questão com a publicação das estatísticas obtidas.

A justificativa básica para as generalizações empíricas, tanto por um pesquisa de opinião quanto por um cientista, é que a amostra estudada é representativa da população pesquisada ou da classe de fenômenos estudados. Acreditando que a amostra é representativa, nós temos razões para acreditar que nós sabemos sobre a população inteira. Tal conhecimento pode ser usado para fazer o que os profetas da antigüidade supostamente faziam: predizer o futuro e nos guiar em nossas ações.

Generalizações empíricas justificadas nos dão um meio útil de enfrentar o futuro porque elas fazem previsões. Elas nos falam não apenas de coisa que nós efetivamente observamos e medimos; elas nos falam também daquilo que não observamos e não medimos. É nisso que está a sua beleza! É claro que isso depende delas serem realmente justificadas.

6. Argumentos Analógicos:

Argumentos analógicos são argumentos que se utilizam de conclusões e idéias anteriores (de outras discussões, outros casos) para tentar guiar o debate atual pelo mesmo caminho. Exemplo: Numa segunda-feira uma mãe permite que seu filho de 15 anos saia à noite, no dia seguinte seu irmão, de 10 anos, quer sair, mas a mãe não deixa. Ele tenta então argumentar analogamente dizendo ela permitiu que seu irmão saísse um dia antes, então deveria fazer o mesmo por ele. Esse tipo de raciocínio é muito usado em direito.

7. Avaliando Teorias:

Obviamente é muito importante prestar atenção à que tipo de teoria está diante de nós (científica ou não científica), antes de adotá-la e sair por aí defendo. Se a teoria não é científica, é perda de tempo tentar defendê-la ou negá-la por dados concretos. Se uma teoria não científica não for contraditória em si mesma e for consistente com as evidências da experiência, não se pode provar que ela é falsa, pois ela não é empiricamente testável. Isso não significa que ela não pode ser confrontada com a realidade e experiência. Qualquer teoria, para ser razoável, tem que concordar com a realidade observável. Por exemplo, imagine que alguém desenvolvesse a teoria de que nós caímos para baixo por que o chão nos puxa, mas se nos afastarmos do chão, não cairemos. Se você pular da janela do décimo andar (você estará, com certeza, bem longe do chão), acha que vai cair ou não? Teorias metafísicas não podem ser testadas em nenhum nível. Se tornam questões subjetivas.

Por isso as teorias científicas são superiores às não científicas? Ou, de outra forma, a ciência é superior à religião, arte, metafísica etc.? Perguntas como essas são absurdas! Perguntar se a ciência é superior à religião ou à filosofia é como perguntar se a inteligência é superior ao amor; ou perguntar se a justiça é superior à boa saúde. Nem todos os assuntos que interessam e valem a pena para os seres humanos podem ser analisados cientificamente. Não há dúvida de que as teorias científicas preenchem uma necessidade humana, mas as teorias não científicas (na área da cosmologia, religião, arte, moralidade, ética, metafísica) também o fazem.

As boas teorias, sejam elas científicas ou não, têm em comum a qualidade de não conterem contradições, serem consistentes com a realidade, e serem livres de hipóteses ad hoc contendo falhas. Todas as teorias científicas, e algumas não científicas, tentam encontrar sentido no fenômeno estudado. Algumas teorias metafísicas tentar tirar conclusões a respeito de coisas concretas, que existem no mundo físico. Outras teorias não científicas são menos ambiciosas e tentar explicar áreas da experiência humana, como estética, moral, ética etc.

Uma boa teoria, independente de ser científica ou não, deve ser sensível. Mas o quanto uma teoria é sensível depende da área em que ela se situa em relação aos interesses humanos. Geralmente as melhores teorias científicas são muito ricas: explicam e unificam muitos fenômenos e fornecem uma imagem das coisas como um todo. Geralmente as melhores teorias não científicas conferem um senso de valor e um significado importante ao fenômeno que explicam.

Até certo ponto, todas as teorias são pessoais. Mas isso não significa que todas as teorias são epistemologicamente iguais. Algumas teorias são mais ricas, mais sensíveis, mais úteis, mais elegantes, mais poderosas e mais razoáveis que outras. Seria presunção, e provavelmente nem um pouco útil, tentar estabelecer um conjunto de pré-requisitos que uma teoria devesse conter para que merecesse a atenção de pessoas razoáveis. Pode ser que teorizar, seja científica, filosófica ou pseudocientificamente, seja apenas uma maneira de ordenar, entender e encontrar significado e beleza nos vários aspectos da experiência humana.

Se for assim, esse é o maior motivo para nós insistirmos em aplicar o pensamento crítico ao avaliar todas as teorias, científicas ou não.

Toda a responsabilidade pela tradução do texto acima é de Mauro Pennafort.

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