O Mito dos Dez Por Cento

Alguém retirou a maior parte de seu cérebro e, provavelmente, você nem notou. Talvez não tenha retirado seu cérebro, mas decidido que você não vai usá-lo. É o velho mito de que as pessoas só usam dez por cento de seus cérebros. Para as pessoas que continuam repetindo essa bobagem, talvez seja verdade, mas o resto de nós, felizmente, usa todo o cérebro.

Capa da Edição de Março de 1999 da Revista Skeptical Inquirer

 Benjamin Radford

O Mito e a mídia

O Mito aparece o tempo todo. Ano passado um anúncio veiculado na maioria das revistas e outdoors nos EUA trazia um desenho do cérebro e a legenda "Você só usa 11% do potencial dele". Bem, eles estão bem próximos dos dez por cento, mas ainda errados em aproximadamente 89%. A maior rede de televisão dos EUA realizou um concurso para ganhar férias em lugares paradisíacos, cujo tema era "O homem só usa 10% de seu cérebro". Uma razão para esse mito perdurar é que ele tem sido usado por médiuns e outros embusteiros "paranormais" como explicação para seus poderes psíquicos. Em mais de uma ocasião eu ouvi médiuns dizendo ao público "Nós apenas usamos dez por cento de nossas mentes. Se os cientistas não sabem o que nós fazemos com os outros noventa por cento, eles devem ser a sede dos poderes paranormais." Em "Reason to Believe: A practical Guide to Psychic Phenomena" ( "Uma razão para acreditar: Um guia prático para os fenômenos psíquicos" ), o autor Michael Clark menciona um homem chamado Craig Karges. Karges cobra uma fortuna para o seu programa "Limite da Intuição", criado para desenvolver habilidades psíquicas naturais. Clark acha que Karges cobra até pouco pelo que faz: "Normalmente nós usamos apenas de 10% a 20% de nossas mentes. Pense no quanto sua vida seria diferente se você pudesse utilizar os outros 80% a 90% conhecido como mente subconsciente" (Clark 1997, 56) Até Uri Geller, que fez carreira tentando convencer as pessoas de que pode entortar metal com sua mente, utilizou este absurdo. Essa afirmação aparece em seu livro "Uri Geller's Mind-Power Book" ( "O Livro do Poder da Mente de Uri Geller" ) na introdução: "Nossa mente é capaz de coisas fantásticas, feitos inacreditáveis, apesar de não a usarmos totalmente. Na verdade, a maioria de nós usa aproximadamente dez por cento de nossos cérebros, se tanto. Os outros noventa por cento estão cheio habilidades desconhecidas, o que significa que nossas mentes só operam de maneira limitada, ao invés de operar com força total. Eu acredito que já tivemos controle total sobre nossas mentes, pois precisávamos para sobreviver. Mas conforme nosso mundo se tornou mais sofisticado e complexo, nós esquecemos muitas das habilidades que um dia tivemos."

Evidência contra o Mito dos Dez Por Cento

O argumento de que poderes psíquicos provém da maioria não usada do cérebro, se baseia na falácia lógica do Apelo à ignorância. Nesta falácia, a falta de provas sobre um assunto (ou simplesmente falta de informação) é usada para justificar uma afirmação. Mesmo que fosse verdade que a maioria do cérebro não é usado (o que claramente não é), este fato não implica que qualquer capacidade extra daria poderes paranormais às pessoas. Essa falácia aparece sempre nas afirmações paranormais e é especialmente popular entre os seguidores da Ufologia. Por exemplo, alguém que acredita em discos voadores diz: "Você consegue explicar isso?", então um cético responde que não. O "ufólogo" exultante grita: "Ah! Você não sabe o que é isso, então só podem ser alienígenas!!" apelando à ignorância. O que segue são duas das razões que fazem com que a estória dos dez por cento seja suspeita:

  1. Técnicas de pesquisas de imagens do cérebro como TEP (Tomografia de Emissão de Pósitrons) e RMF (Ressonância Magnética Funcional) mostram claramente que a grande maioria do cérebro não fica em repouso. Pelo contrário, apesar de algumas funções menores usarem apenas uma pequena parte do cérebro de cada vez, qualquer atividade ou padrão de pensamento com um mínimo de complexidade (como conversar sobre qualquer assunto ou ler um texto simples de jornal) usa muitas partes do cérebro ao mesmo tempo. Do mesmo jeito que as pessoas não usam todos os músculos ao mesmo tempo, elas não usam todo o cérebro ao mesmo tempo. Para atividades isoladas, como comer, assistir TV, ou fazer amor, se usa apenas algumas partes do cérebro. Ao longo de um dia inteiro se usa o cérebro inteiro.
  2. O Mito pressupõe uma localização exata das funções no cérebro. Se as partes "usadas" ou "necessárias" do cérebro estivessem espalhadas pelo cérebro, então todo ele seria usado a toda hora. Mas o Mito implica que a parte "usada" do cérebro seja pequenininha , e a parte "não usada" seja enorme, mas desnecessária, como um apêndice ou uma tonsila, ocupando espaço à toa. Mas, se todas essas partes do cérebro são inúteis, remover ou danificar a parte não usada (que seria a grande maioria) não faria a menor diferença. O que acontece, na verdade, é que as pessoas que sofreram algum tipo de traumatismo ou violência no cérebro, freqüentemente ficam com seqüelas terríveis. Você já ouviu algum médico dizer: "Felizmente, a bala perfurou o crânio a atingiu os 90% do cérebro que ele não usava" ? Claro que não!!

Variações do Mito dos Dez Por Cento

O Mito não é apenas um factóide isolado. Ele tem várias formas e sua adaptabilidade é o segredo de sua sobrevivência. Na forma básica, o Mito afirma que, há muitos anos, um cientista descobriu que, na verdade, nós só usamos dez por cento de nossos cérebros. Uma variação diz que apenas dez por cento do cérebro foi mapeado e isso ficou entendido como dez por cento usado. Uma terceira variante foi descrita por Craig Karges. Essa visão é a de que o cérebro é dividido em duas partes: a mente consciente que é usada de dez a vinte por cento do tempo (presumivelmente a capacidade); e a mente subconsciente, onde os restantes oitenta a noventa por cento do cérebro não são usados. Essa descrição demonstra uma profunda ignorância das pesquisas atuais sobre as funções do cérebro. Parte da razão da longa vida do Mito é que se provarem que uma variante é falsa, a pessoa que acreditava pode simplesmente modificar a razão de sua crença para outra, enquanto a crença permanece intacta. Então, por exemplo, se mostramos a uma pessoa que um exame TEP (Tomografia de Emissão de Pósitrons) demonstra que há atividade em todo o cérebro, ele ainda pode afirmar que os noventa por cento, na verdade, correspondem ao subconsciente, desta maneira a figura do Dez Por Cento continua correta. Lembrando da versão que ouviram, tanto os bem intencionados, quanto os cínicos, espalham e repetem o Mito. A crença que fica, então, como denominou Robert J. Samuelson, é um "Psico-fato", uma crença que, apesar de não ter nenhuma evidência que a suporte, é tida como verdadeira porque sua constante repetição muda a maneira como vemos o mundo e a vida." As pessoas que não tem crença melhor ficam repetindo e repetindo, até que, como aquela idéia de que tomar banho de piscina depois de comer pode matar, todos acreditem. ("Triumph of the Psycho-Fact", Newsweek, 9 de maio de 1994.) As origens do Mito não são muito claras. Beyerstein, do Laboratório de Comportamento do Cérebro no Universidade Simon Fraser, rastreou a crença até o início do século. Uma recente coluna na revista "New Scientist" sugeriu rotas que passavam por Albert Einstein e Dale Carnegie ("Brain Drain", 1999). Parece haver diversas origens, principalmente desentendimento ou má interpretação de legítimas descobertas científicas assim como gurus de auto-ajuda. O maior estímulo para se acreditar no Mito dos Dez Por Cento é a idéia de que poderemos desenvolver habilidades psíquicas, ou, pelo menos, ter vantagens competitivas melhorando nossa memória ou concentração. Tudo isso está disponível para qualquer um que queira, dizem os adeptos, se apenas mergulharmos no mais incrível de nossos órgãos: o cérebro. Já passou da hora de aposentarmos este mito que, apesar dele já ter sobrevivido por mais de um século, com certeza sobreviverá pelo novo milênio. Talvez a melhor maneira de combater essa bobagem é responder a quem mencionar o mito com uma pergunta: "Ah é? E qual parte você não usa?".

Agradecimentos

Estou em débito ao Dr. Barry Beyerstein por fornecer ajuda em pesquisas e sugestões.

Referências:

  • Beyerstein, Barry. 1999. Whence cometh the myth that we only use ten percent of our brains? In Mind-myths: Exploring Everyday Mysteries of the Mind and Brain, edited by Sergio Della Sala. New York: John Wiley and Sons.
  • Brain Drain. 1999. The Last Word (column). New Scientist 19/26 December 1998-2 January 1999.
  • Clark, Michael. 1997. Reason to Believe. New York: Avon Books
  • Geller, Uri, and Jane Struthers. 1996. Uri Geller's Mind-power Book. London: Virgin Books.

Sobre o Autor:

Benjamin Radford é Gerente Editorial da revista "Skeptical Inquirer" e é doutor em Psicologia.

Toda a responsabilidade pela tradução é de Mauro Pennafort

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