Benjamin Radford
O Mito e a mídia
O Mito aparece o tempo todo. Ano passado um anúncio
veiculado na maioria das revistas e outdoors nos EUA
trazia um desenho do cérebro e a legenda "Você só
usa 11% do potencial dele". Bem, eles estão bem próximos
dos dez por cento, mas ainda errados em aproximadamente
89%. A maior rede de televisão dos EUA realizou um
concurso para ganhar férias em lugares paradisíacos,
cujo tema era "O homem só usa 10% de seu cérebro".
Uma razão para esse mito perdurar é que ele tem sido
usado por médiuns e outros embusteiros "paranormais"
como explicação para seus poderes psíquicos. Em mais
de uma ocasião eu ouvi médiuns dizendo ao público
"Nós apenas usamos dez por cento de nossas mentes.
Se os cientistas não sabem o que nós fazemos com os
outros noventa por cento, eles devem ser a sede dos
poderes paranormais." Em "Reason to Believe: A
practical Guide to Psychic Phenomena" ( "Uma
razão para acreditar: Um guia prático para os fenômenos
psíquicos" ), o autor Michael Clark menciona um
homem chamado Craig Karges. Karges cobra uma fortuna para
o seu programa "Limite da Intuição", criado
para desenvolver habilidades psíquicas naturais. Clark
acha que Karges cobra até pouco pelo que faz: "Normalmente
nós usamos apenas de 10% a 20% de nossas mentes. Pense
no quanto sua vida seria diferente se você pudesse
utilizar os outros 80% a 90% conhecido como mente
subconsciente" (Clark 1997, 56) Até Uri Geller, que
fez carreira tentando convencer as pessoas de que pode
entortar metal com sua mente, utilizou este absurdo. Essa
afirmação aparece em seu livro "Uri Geller's Mind-Power
Book" ( "O Livro do Poder da Mente de Uri
Geller" ) na introdução: "Nossa mente é
capaz de coisas fantásticas, feitos inacreditáveis,
apesar de não a usarmos totalmente. Na verdade, a
maioria de nós usa aproximadamente dez por cento de
nossos cérebros, se tanto. Os outros noventa por cento
estão cheio habilidades desconhecidas, o que significa
que nossas mentes só operam de maneira limitada, ao invés
de operar com força total. Eu acredito que já tivemos
controle total sobre nossas mentes, pois precisávamos
para sobreviver. Mas conforme nosso mundo se tornou mais
sofisticado e complexo, nós esquecemos muitas das
habilidades que um dia tivemos."
Evidência contra o Mito dos
Dez Por Cento
O argumento de que poderes psíquicos provém da
maioria não usada do cérebro, se baseia na falácia lógica
do Apelo à ignorância. Nesta falácia, a falta de
provas sobre um assunto (ou simplesmente falta de informação)
é usada para justificar uma afirmação. Mesmo que fosse
verdade que a maioria do cérebro não é usado (o que
claramente não é), este fato não implica que qualquer
capacidade extra daria poderes paranormais às pessoas.
Essa falácia aparece sempre nas afirmações paranormais
e é especialmente popular entre os seguidores da
Ufologia. Por exemplo, alguém que acredita em discos
voadores diz: "Você consegue explicar isso?",
então um cético responde que não. O "ufólogo"
exultante grita: "Ah! Você não sabe o que é isso,
então só podem ser alienígenas!!" apelando à
ignorância. O que segue são duas das razões que fazem
com que a estória dos dez por cento seja suspeita:
- Técnicas de pesquisas de imagens do cérebro
como TEP (Tomografia de Emissão de Pósitrons) e
RMF (Ressonância Magnética Funcional) mostram
claramente que a grande maioria do cérebro não
fica em repouso. Pelo contrário, apesar de
algumas funções menores usarem apenas uma
pequena parte do cérebro de cada vez, qualquer
atividade ou padrão de pensamento com um mínimo
de complexidade (como conversar sobre qualquer
assunto ou ler um texto simples de jornal) usa
muitas partes do cérebro ao mesmo tempo. Do
mesmo jeito que as pessoas não usam todos os músculos
ao mesmo tempo, elas não usam todo o cérebro ao
mesmo tempo. Para atividades isoladas, como comer,
assistir TV, ou fazer amor, se usa apenas algumas
partes do cérebro. Ao longo de um dia inteiro se
usa o cérebro inteiro.
- O Mito pressupõe uma localização exata das funções
no cérebro. Se as partes "usadas" ou
"necessárias" do cérebro estivessem
espalhadas pelo cérebro, então todo ele seria
usado a toda hora. Mas o Mito implica que a parte
"usada" do cérebro seja pequenininha ,
e a parte "não usada" seja enorme, mas
desnecessária, como um apêndice ou uma tonsila,
ocupando espaço à toa. Mas, se todas essas
partes do cérebro são inúteis, remover ou
danificar a parte não usada (que seria a grande
maioria) não faria a menor diferença. O que
acontece, na verdade, é que as pessoas que
sofreram algum tipo de traumatismo ou violência
no cérebro, freqüentemente ficam com seqüelas
terríveis. Você já ouviu algum médico dizer:
"Felizmente, a bala perfurou o crânio a
atingiu os 90% do cérebro que ele não usava"
? Claro que não!!
Variações do Mito dos Dez Por
Cento
O Mito não é apenas um factóide isolado. Ele tem várias
formas e sua adaptabilidade é o segredo de sua sobrevivência.
Na forma básica, o Mito afirma que, há muitos anos, um
cientista descobriu que, na verdade, nós só usamos dez
por cento de nossos cérebros. Uma variação diz que
apenas dez por cento do cérebro foi mapeado e isso ficou
entendido como dez por cento usado. Uma terceira variante
foi descrita por Craig Karges. Essa visão é a de que o
cérebro é dividido em duas partes: a mente consciente
que é usada de dez a vinte por cento do tempo (presumivelmente
a capacidade); e a mente subconsciente, onde os restantes
oitenta a noventa por cento do cérebro não são usados.
Essa descrição demonstra uma profunda ignorância das
pesquisas atuais sobre as funções do cérebro. Parte da
razão da longa vida do Mito é que se provarem que uma
variante é falsa, a pessoa que acreditava pode
simplesmente modificar a razão de sua crença para outra,
enquanto a crença permanece intacta. Então, por exemplo,
se mostramos a uma pessoa que um exame TEP (Tomografia de
Emissão de Pósitrons) demonstra que há atividade em
todo o cérebro, ele ainda pode afirmar que os noventa
por cento, na verdade, correspondem ao subconsciente,
desta maneira a figura do Dez Por Cento continua correta.
Lembrando da versão que ouviram, tanto os bem
intencionados, quanto os cínicos, espalham e repetem o
Mito. A crença que fica, então, como denominou Robert J.
Samuelson, é um "Psico-fato", uma crença que,
apesar de não ter nenhuma evidência que a suporte, é
tida como verdadeira porque sua constante repetição
muda a maneira como vemos o mundo e a vida." As
pessoas que não tem crença melhor ficam repetindo e
repetindo, até que, como aquela idéia de que tomar
banho de piscina depois de comer pode matar, todos
acreditem. ("Triumph of the Psycho-Fact",
Newsweek, 9 de maio de 1994.) As origens do Mito não são
muito claras. Beyerstein, do Laboratório de
Comportamento do Cérebro no Universidade Simon Fraser,
rastreou a crença até o início do século. Uma recente
coluna na revista "New Scientist" sugeriu rotas
que passavam por Albert Einstein e Dale Carnegie ("Brain
Drain", 1999). Parece haver diversas origens,
principalmente desentendimento ou má interpretação de
legítimas descobertas científicas assim como gurus de
auto-ajuda. O maior estímulo para se acreditar no Mito
dos Dez Por Cento é a idéia de que poderemos
desenvolver habilidades psíquicas, ou, pelo menos, ter
vantagens competitivas melhorando nossa memória ou
concentração. Tudo isso está disponível para qualquer
um que queira, dizem os adeptos, se apenas mergulharmos
no mais incrível de nossos órgãos: o cérebro. Já
passou da hora de aposentarmos este mito que, apesar dele
já ter sobrevivido por mais de um século, com certeza
sobreviverá pelo novo milênio. Talvez a melhor maneira
de combater essa bobagem é responder a quem mencionar o
mito com uma pergunta: "Ah é? E qual parte você não
usa?".
Agradecimentos
Estou em débito ao Dr. Barry Beyerstein por fornecer
ajuda em pesquisas e sugestões.
Referências:
- Beyerstein, Barry. 1999. Whence cometh the myth
that we only use ten percent of our brains? In
Mind-myths: Exploring Everyday Mysteries of the
Mind and Brain, edited by Sergio Della Sala. New
York: John Wiley and Sons.
- Brain Drain. 1999. The Last Word (column). New
Scientist 19/26 December 1998-2 January 1999.
- Clark, Michael. 1997. Reason to Believe. New York:
Avon Books
- Geller, Uri, and Jane Struthers. 1996. Uri Geller's
Mind-power Book. London: Virgin Books.
Sobre o Autor:
Benjamin Radford
é Gerente Editorial da revista "Skeptical Inquirer"
e é doutor em Psicologia.
Toda a responsabilidade pela tradução é de Mauro Pennafort
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