Ministério Público da União
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
13ª e 14ª Promotorias de Justiça Criminal de Brasília
A IMPRENSA E AS DECISÕES JUDICIAISRogério Schietti Machado Cruz
Promotor de Justiça - MPDFT
Dias atrás ocorreu fenômeno interessante na imprensa nacional, notadamente a escrita: uma extensa cobertura jornalística
acerca de caso julgado pelo Supremo Tribunal Federal, relativo a crime de estupro imputado a um cidadão que manteve relação sexual
com jovem mineira de 12 anos de idade.
De fato, são escassos os julgados que causam tanta celeuma e espaço na mídia, máxime quando estão em jogo duas
pessoas que não ocupam posição de destaque no meio social ou político.
É comum e procedente o comentário de que a Justiça e o povo estão separados por um grande abismo, o que torna
praticamente impossível ao cidadão comum, mesmo aquele com grau de instrução superior à média do país, compreender os assuntos
inerentes ao Judiciário.
Uma das razões que contribuem para esse triste distanciamento - que se confunde com seus próprios efeitos e, por isso,
engendra um círculo vicioso - reside na falta de cultura jurídica do povo brasileiro. Falta de cultura jurídica não no sentido de que
as pessoas leigas não têm o desejável tirocínio para entender os meandros, tecnicismos e termos próprios do Direito, o que realmente
não têm. Refiro-me, sim, ao fato de que o brasileiro não tem o costume de interessar-se de assuntos relativos à função judiciária do
Estado.
Em outros países, os jornais dedicam páginas diárias para cobertura de casos decididos por tribunais, de interesse da
sociedade; redes de televisão rotineiramente noticiam e, às vezes, acompanham julgamentos de relevo; programas de entrevistas
com juízes, promotores de justiça, advogados e professores são frequentes, e, por incrível que possa parecer, atingem índices
elevados de audiência, equiparáveis às telenovelas brasileiras, paradigmas de nossa "telinha" global, para desgraça do povo
tupiniquim. Aqui, raríssimos são os jornais que possuem essa preocupação, tal qual o Correio Braziliense, cujo caderno Direito e
Justiça tem prestado notável serviço não somente aos operadores do direito, mas, principalmente, aos seus "consumidores".
Exemplo mais gritante desse distanciamento do Poder Judiciário em relação ao povo se extrai do combatido, porém tradicional,
programa obrigatório de rádio "A voz do Brasil" , no qual, durante uma hora diária, são noticiadas as atividades apenas do Executivo
e do Legislativo, como se nossa estrutura de Estado não acompanhasse o modelo de Montesquieu.
Quando, por sua vez, resolve a imprensa noticiar a atividade-fim do Judiciário, muitas vezes o faz sem a esperada
competência, desvirtuando conceitos jurídicos, tecendo comentários baseados em "boatos" colhidos em corredores de tribunais,
e produzindo, involuntariamente, uma verdadeira desinformação quanto ao assunto abordado.
Não são raras as notícias ou manchetes que causam alusões jocosas no meio forense, tais como: O juiz pediu a prisão
preventiva do réu; O Delegado de Polícia arquivou o processo ; O Promotor de Justiça absolveu o acusado ...
Outras notícias são acrescidas de comentários nada felizes de seus autores, que geralmente não possuem formação
jurídica para criticar, com o devido embasamento, decisões judiciais, muitas delas tão complexas que mesmo os estudiosos do
direito temos dificuldades de entender. Não se trata de dar razão à frequente afirmação de que "decisão do Supremo não se
discute, cumpre-se" , como se o cumprimento de uma decisão judicial constituísse obstáculo a que ela fosse proveitosamente
discutida, comentada ou mesmo criticada pelos diversos segmentos da sociedade. Todavia, ao empreender tão difícil tarefa,
o jornalista, enquanto profissional, deve possuir a necessária formação jurídica ou, se não a possui, ao menos deve ser experiente
no trato de questões tão incompreensíveis ao leigo, sob pena de a este igualar-se e, por conseguinte, mantê-lo no mesmo estado
de ignorância acerca dos assuntos jurídicos, o que não é salutar numa autêntica democracia.
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