Ministério Público da União
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

13ª e 14ª Promotorias de Justiça Criminal de Brasília

 

O Porte Legal de Arma do Membro do Ministério Público face à Lei 9437/97


José Fernando Marreiros Sarabando
Procurador de Justiça do Estado de Minas Gerais

Não são poucos aqueles que, movidos por interesses elevados ou por ressentimentos inconfessáveis, vêm colocando dúvidas acerca da sobrevivência, face à "Nova Lei do Porte de Arma", da prerrogativa institucional do porte legal de arma de fogo (artigo 42 da Lei Orgânica Nacional dos Ministérios Públicos Estaduais, a Lei Federal nº 8625/93), vez que, com o advento da Lei Federal nº 9437/97, de 20 de fevereiro de 1.997, tendo sido vetado o dispositivo que concedia porte especial a certas autoridades, inclusive membros do Parquet, diante da ocorrida manutenção do veto seria de se cogitar, destarte, da revogação de tal prerrogativa.

Recente decisão exarada pelo eminente Corregedor-Geral de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, baseada em magnífico parecer do juiz assessor daquele Órgão, dr. Carlos Eduardo Freire Roboredo, que chegou a ser transcrito na íntegra no corpo do decisum, concluiu pela permanência da regra antiga, no que toca aos magistrados de todo o país, trazendo não ser hipótese de revogação, vez que a Lei Orgânica da Magistratura Nacional - LOMAN - é uma lei complementar, enquanto que a novel legislação não passa de lei ordinária, não tendo como atingir, portanto, disposições daquela natureza, hierarquicamente superior.

Dizendo respeito, o assunto, a uma importante prerrogativa institucional dos membros do Ministério Público, seja de que âmbito for, merece zelo e reflexão, sem precipitações, qualquer análise que envolva seu eventual desaparecimento do cenário jurídico nacional.

Oportuna a menção, ainda, ao fato de que a Lei Complementar Federal nº 75/93, a Lei Orgânica do Ministério Público da União, o qual abrange o Ministério Público Federal, o Ministério Público do Trabalho, o Ministério Público Militar e os Ministérios Públicos do Distrito Federal e dos Territórios (inexistentes os últimos, por força de norma transitória da Constituição Federal), expressamente dispõe que: "São prerrogativas dos membros do Ministério Público da União: I - institucionais: (...) e) o porte de arma, independentemente de autorização; (...)".

Já a lei de organização das instituições ministeriais dos estados-membros, a Lei Federal nº 8625/93, assim dita: "Os membros do Ministério Público terão carteira funcional, expedida na forma da Lei Orgânica, valendo em todo território nacional como cédula de identidade, e porte de arma, independentemente, neste caso, de qualquer ato formal de licença ou de autorização".

No âmbito restrito do Parquet mineiro temos o dispositivo de número 109, caput, da Lei Complementar-MG nº 34/94, que reza, textualmente: "Os membros do Ministério Público terão carteira funcional, na forma de resolução expedida pelo Procurador-Geral de Justiça, válida em todo o território nacional como cédula de identidade e porte de arma, independentemente, neste caso, de qualquer ato formal de licença ou autorização" (o § 2º estende as mesmas prerrogativas ao promotor de justiça ou ao procurador de justiça aposentado, e, quanto ao § 3º, veda a licença do porte de arma para o membro aposentado por invalidez decorrente de doença mental, bem como o cancelamento da autorização, quando a doença em foco vem a ser constatada posteriormente à expedição da carteira funcional).

Antes de sua conversão em lei ordinária o assunto era timidamente discutido no bojo do Projeto de Lei nº 7865/86-Câmara dos Deputados (nº 64/96 no Senado Federal), e, com o sancionamento presidencial da Lei Federal nº 9437/97, que "Institui o Sistema Nacional de Armas - SINARM, estabelece condições para o registro e para o porte de arma de fogo, define crimes e dá outras providências", a problemática ganhou contornos mais ostensivos, com vozes oriundas de todos os segmentos direta ou indiretamente envolvidos, lastreados em interesses legítimos, em sua maioria, apesar daqueles meramente subreptícios...

O Decreto Federal nº 2222/97, regulamentador da legislação citada, não trouxe inovação digna de nota nesse pormenor.

Importante frisar que a douta Corregedoria-Geral da Magistratura carioca concluiu pela não-revogação do porte legal de arma dos juízes de todo o país com base na seguinte argumentação:

    1 - foi recepcionado pela Constituição Federal o dispositivo da LOMAN que concede aos magistrados, em geral, a prerrogativa de portar arma de fogo de defesa pessoal, em todo o território brasileiro;

    2 - tratando-se de prerrogativa legal, "dispensa-se qualquer autorização, ratificação, solenidade ou condicionante, bastando, para a sua plena eficácia, a simples investidura no cargo de magistrado";

    3 - a Lei Federal nº 9437/97 não revogou tal prerrogativa judiciária por se tratar esta de norma insculpida em lei complementar, de iniciativa do Supremo Tribunal Federal, enquanto aquela, a "Nova Lei do Porte de Arma", trata-se de legislação ordinária, existindo o obstáculo jurídico da hierarquia das leis.

Verifica-se, de plano, que a questão mais espinhosa certamente que cinge-se à discussão sobre existir, ou não, uma hierarquia legal quanto à sua forma de edição, se emenda à Constituição, complementar, ordinária, delegada, medida provisória, decreto legislativo ou resolução, a teor dos artigos 59 e seguintes da Lei Magna (Do Processo Legislativo), tudo diretamente dependente do modo de tramitação da mesma, inclusive abrangência e quorum de aprovação ("As leis complementares serão aprovadas por maioria absoluta", diz o artigo 69 da CF).

Embora esta não seja a sede correta, o que melhor se daria num evento acadêmico, há forte corrente doutrinária que prega a simples inexistência de hierarquia de leis, apenas havendo que se falar em níveis de incidência, por matéria abrangida, vez que todo o tipo de produção legislativa estaria apenas subordinada à Lei Maior, que seria a única hipótese de imposição hierárquica normativa.

No caso do presente estudo tem-se que, à toda, luz, é mantida a norma legal orgânica nacional que confere, a todo membro do Ministério Público do país, seja de que esfera for, a prerrogativa do porte de arma de fogo, com adaptações advindas de novas regras trazidas pela Lei Federal nº 9437/97, não havendo que se falar, sob pena de erro crasso, de revogação daquela norma pelo simples advento da "Nova Lei do Porte de Arma".

É que, com efeito, para tanto ter-se-ia de verificar, mais a fundo, não o novel texto legal em si, mas as razões do veto presidencial incidente sobre o parágrafo segundo do seu artigo 7º, veto esse que veio a ser mantido pelo Congresso Nacional.

O Presidente da República assim justificou o veto à regra que concedia porte federal de arma de fogo registrada a certas autoridades federais e estaduais, inclusive os membros do Ministério Público da União, e que pode, a um desatento candidato a exegeta, parecer que tenha Sua Excelência dado ensejo à proibição, ipsis literis, de que tais autoridades gozem do porte legal de arma, exceto se adquirirem a autorização pelas vias administrativas:

    "Tratando-se de uma proposição que visa a reduzir a quantidade de armas de fogo em circulação, resulta contraditório conceder porte de arma às pessoas especificadas no § 2º do art. 7º do Projeto de Lei, mesmo que sejam estas as mais altas autoridades do País.

    Acrescente-se o fato de que algumas dessas autoridades, como por exemplo o Presidente e o Vice-Presidente da República, contam com segurança pessoal, devidamente armada.

    Além disso, a legislação ora vigente confere porte de arma aos exercentes da maioria dos cargos contemplados pelo § 2º do art. 7º." (os destaques não constam do texto original).

Ora, fica evidente, dessarte, que a Presidência da República fez manter o respeito ao princípio da especialidade legal (lex speciallis revogat generallis), aduzindo, de modo claro e inequívoco, ao fato de que a legislação anterior orgânica das carreiras da maioria das autoridades elencadas no projeto original, normas específicas, portanto, já concedem tal benefício, qual seja o do porte de arma independente de licença administrativa. A manutenção do veto presidencial, por seu turno, traduziu a mens legislatoris, que por si encerra, de modo autêntico, a mens legis.

O veto presidencial, antes de retirar a prerrogativa das autoridades atingidas, confirmou-a com veemência, emprestando maior exatidão técnico-jurídica ao diploma legal sancionado.

Além disso a própria lei em tela ressalva a recepção das legislações específicas, bastando a simples interpretação gramatical do artigo 6º, que a isso faz menção expressa.

Intocada restou, de consequência, a prerrogativa funcional do porte legal de arma de fogo aos membros do Ministério Público, por força do princípio da especialidade que ninguém ousa desconhecer.

A argumentação da nobre Casa Corregedora do Poder Judiciário do estado do Rio de Janeiro, no particular de que a novel legislação, ordinária por natureza, não teria força para revogar a LOMAN, lei complementar, não deixando de ser válida pode ser contestada, de outra sorte, por parte daqueles doutrinadores que simplesmente rechaçam qualquer discussão sobre existir a admitida hierarquia das leis.

O melhor da aludida decisão, contudo, não se encontra nas suas conclusões, mas, sim, no bojo de sua fundamentação, onde consta trecho simplesmente inquestionável, tamanha sua clarividência e exatidão lógica, deixando à mostra a sabedoria e a elasticidade intelectual do douto parecerista seu autor:

    "Realmente, de toda a discussão política que se travou ao longo do processo legislativo, percebe-se que o novo texto buscou disciplinar a emissão de autorização do porte de arma para o público em geral. Teve o legislador a preocupação de restringir a grande circulação das armas no seio social, dado que tem se apresentado como robusto fator para o incremento da criminalidade. Para tanto, endereçou rígido ordenamento sobre a questão, procurando engessar sobremaneira os critérios que até então presidiam a concessão de tais autorizações por agentes do Poder Executivo.

    Tem-se, assim, por indubitável, que o Legislador não teve intenção de alcançar quaisquer prerrogativas institucionais, até porque, além de inerentes e imprescindíveis ao desempenho do mister funcional de certas autoridades, tal nunca representou, de concreto e no particular, qualquer contribuição significativa para o grave estado de insegurança pública que hoje reina no País."

Logo em seguida arremata-se, com maestria, a obra que se materializara em felizes palavras e sábias construções:

    "Nessa perspectiva, não foi por outra razão que a Lei nº 9.437/97, tal como aprovada, acabou prevendo clara disciplina permissiva, respeitando categoricamente a incidência de outros textos. Confira, assim, o seu art. 6º, verbis: " O porte de arma de fogo fica condicionado à autorização da autoridade competente, RESSALVADOS OS CASOS EXPRESSAMENTE PREVISTOS NA LEGISLAÇÃO EM VIGOR".

    (...)

    Seguramente, QUEM ERA DETENTOR DA PRERROGATIVA DE FUNÇÃO DO PORTE FEDERAL DE ARMA COM ELA PERMANECEU, AINDA QUE GARANTIDO POR SIMPLES LEI ORDINÁRIA FEDERAL EDITADA ANTERIORMENTE. E mais: MESMO AQUELES RESPALDADOS POR NORMA LEGISLADA DE CARIZ ESTRITAMENTE ESTADUAL NÃO CULMINARAM AFETADOS, pois a indigitada Lei nº 9.437/97 decerto não lançou - e nem poderia lançar - eficácia revogatória sobre o princípio do federalismo, tendo, ao contrário, deixado ao alvedrio dos Estados-membros, à luz de sua autonomia política e nos limites das respectivas circunscrições territoriais, a livre disciplina da matéria (ex vi do § 1º do art. 7º), respeitadas, por óbvio, as diretrizes nacionais e as vedações decorrentes do Texto Maior (CR, art. 25)" (destaques originais).

Tal significa que, mesmo não tratasse a lei orgânica de âmbito nacional (LOMP) da prerrogativa sub studio, bastaria que a mesma viesse no corpo das leis orgânicas de cada Ministério Público dos estados para que plenamente vigorasse, em nome da autonomia das unidades federativas.

Isto posto, de clareza solar que remanesce sem dúvida razoável a prerrogativa dos membros do Ministério Público, sejam do Ministério Público da União ou das instituições estaduais, de portar arma de fogo com base em suas leis orgânicas (Lei Complementar Federal nº 75/93 e Lei Federal nº 8625/93, respectivamente), e, no que tange ao Parquet do estado de Minas Gerais, também por força da norma insculpida em sua lei organizadora específica, a Lei Complementar Estadual nº 34/94.

Alteração houve, contudo, pelo simples advento da "Nova Lei do Porte de Arma", gozando de coercitividade suficiente para atingir qualquer categoria funcional que seja; trata-se da imperiosidade de se portar arma de fogo REGISTRADA, a comando do artigo 3º da legislação em foco, onde se dispôs: "É obrigatório o registro de arma de fogo no órgão competente, excetuadas as consideradas obsoletas" (cabeça do artigo). Note-se que a prefalada receptividade das legislações específicas aqui não ocorre, talqualmente se deu com o porte legal, contido no artigo 6º ("O porte de arma de fogo fica condicionado à autorização da autoridade competente, ressalvados os casos expressamente previstos na legislação em vigor").

Diante de qualquer dúvida consulte-se o disposto no artigo 14, que não deixa margem a interpretações outras, quando assevera: "As armas de fogo encontradas sem registro e/ou sem autorização serão apreendidas e, após elaboração do laudo pericial, recolhidas ao Ministério do Exército, que se encarregará de sua destinação". O surgimento simultâneo das conjunções copulativa e disjuntiva ("e" + "ou") não permitem conclusão diversa: tanto o registro como a licença - seja legal ou administrativa - são indispensáveis de se apresentarem em conjunto, de modo que, faltando um ou outra, haverá irregularidade!

Ex positis, de se concluir, com a segurança dos argumentos ora expendidos, e em boa parte graças às luzes da ilustrada Assessoria da egrégia Corregedoria-Geral de Justiça do estado do Rio de Janeiro, no sentido de que a "Nova Lei do Porte de Arma" NÃO REVOGOU O PORTE LEGAL DE ARMA DE FOGO DOS MEMBROS DO MINISTÉRIO PÚBLICO BRASILEIRO, face aos consagrados princípios da especialidade, da recepção e do federalismo; contudo, A PARTIR DA DATA DE SUA VIGÊNCIA TAIS AUTORIDADES TÊM DE PORTAR, JUNTO DA CARTEIRA FUNCIONAL, O DOCUMENTO DE REGISTRO ADMINISTRATIVO DA ARMA CONDUZIDA, sob pena de cometerem infração da ordem legal.

No estado de Minas Gerais, especificamente, os membros do Parquet aposentados também gozam da prerrogativa do porte de arma ex vi legis, o qual deve sempre vir acompanhado do documento de registro da arma portada, exceto nos casos de doença mental, quando inválida fica, automaticamente, por cancelamento expresso da lei orgânica local (artigo 109, § 3º, última parte), a autorização legislativa.

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