Ministério Público da União
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

13ª e 14ª Promotorias de Justiça Criminal de Brasília

 

OBJETIVIDADE E TRANSPARÊNCIA NOS CONCURSOS PÚBLICOS

Rogério Schietti Machado Cruz
Promotor de Justiça do MPDFT


Instrumento constitucionalmente previsto para a investidura em cargo público, o concurso público nem sempre tem-se prestado à finalidade de selecionar os melhores candidatos, face às deficiências estruturais e metodológicas do processo seletivo.

Na área jurídica, por exemplo, observa-se que o recrutamento é feito empiricamente, "...pois prioriza a memorização da legislação, da doutrina e da jurisprudência. Os mais capazes são aqueles que conseguiram guardar mais informações. Embora exista preocupação com a ética - e aqui está o ponto vulnerável de qualquer instituição - não existe como avaliar a aptidão, a vocação e a formação moral do candidato".

Porém, com base na observação de alguns concursos públicos realizados no Distrito Federal, alguns tópicos dos respectivos regulamentos estariam a merecer reflexão. Referimo-nos, basicamente, a três pontos cruciais pertinentes à seleção dos candidatos: 1º) a irrecorribilidade das notas atribuídas; 2º) a falta de indicação de critérios de correção de provas, e 3º) a concentração de poderes de decisão nas mãos de uma única pessoa.

Quanto ao primeiro aspecto, verifica-se que alguns concursos públicos têm vedado o direito ao recurso, quando a pretensão do candidato é rediscutir o mérito de determinada questão , o que, na prática, elimina a possibilidade de correção de erro na avaliação da resposta que o postulante ao cargo público apresentou em relação a determinada questão que lhe foi submetida. A gravidade do fato recrudesce à medida em que o examinador não é obrigado a seguir e exteriorizar critérios previamente estabelecidos (e conhecidos) de valoração da questão, tais como uso correto do vernáculo, conteúdo, abordagem do tema exigido etc e, mais ainda, quando não se indica, no corpo da prova, em que consistiu o erro do candidato, privando-o do mínimo direito de saber por que errou.

Emerge evidente, já neste particular, o distanciamento que tais regulamentos produzem em relação ao que se espera de um ato administrativo. Deveras, não há como dissentir da idéia de que "o dever de motivar é exigência de uma administração democrática, pois o mínimo que os cidadãos podem pretender é saber as razões pelas quais são tomadas as decisões expedidas por quem tem de servi-los".

A propósito, sustenta, com precisão, PAULO FERNANDO SILVEIRA, que "o direito a revisão de prova, quando injustamente denegado, viola a cláusula do devido processo, uma vez que a Constituição Federal assegura aos litigantes em processo judicial ou administrativo o contraditório e a ampla defesa, com os meios e recursos a ela inerentes (CF, art. 5º, LV)".

Diretamente relacionado ao tópico anterior, e como forma de minimizar o problema, revelar-se-ia profilática a previsão, em regulamentos de concursos públicos, de que as provas sejam elaboradas e corrigidas por mais de um examinador.

De fato, na própria elaboração de questões - em especial as objetivas, de múltiplas alternativas - não é rara a redação defeituosa ou sujeita a interpretações dúbias, já que a pessoa que elabora a prova muitas vezes tem dificuldade de identificar os próprios equívocos - o que é natural - sendo mais provável a constatação do erro se a prova passar pela revisão de um outro profissional.

Já na correção das provas, notadamente as dissertativas, se revela ainda mais necessário estabelecer que essa tarefa seja efetivamente levada a cabo por dois examinadores, um após o outro, tornando a avaliação mais objetiva e segura, diminuindo o risco de que, por diversos motivos (cansaço no momento da correção, falha na compreensão da resposta, preconceitos quanto a determinadas posições jurídicas assumidas etc), um candidato seja eliminado injustificadamente do certame.

Tal exigência, conveniente na fase de correção das provas, torna-se absolutamente necessária na aferição dos recursos interpostos por candidatos insatisfeitos com os critérios da avaliação, porquanto de nada adiante submeter o reexame da questão ao crivo da mesma pessoa que lançou a nota. Por razões óbvias, a tendência do examinador não será a de admitir, desarmadamente, eventual acerto na tese recursiva, mas sim a de procurar um modo de manter a nota atribuída na avaliação inicial.

A carência de objetividade em alguns concursos públicos atinge seu ápice na fase das provas orais, em que, amiúde, candidatos são eliminados por um único examinador, que, em uma espécie de entrevista particular, livre de qualquer controle interno ou externo, lança sua nota, dando ensejo à possibilidade de subjetivismo, perseguições e arbítrio na aferição do candidato.

Para obviar tal possibilidade, e em homenagem aos princípios da publicidade e da impessoalidade do ato administrativo, basta que se preveja a realização da prova oral não perante um único examinador, mas diante de toda a banca, ou, no mínimo, por dois de seus integrantes, preferencialmente com o uso de microfones, para que todos os circunstantes sejam testemunhas da correção do exame, quebrando-se "... a suspeita de parcialidade e o subjetivismo implícito, próprios de um único examinador".

Essas são algumas de muitas outras medidas que, se adotadas, transformariam os concursos públicos em meios mais democráticos, transparentes, objetivos e seguros de seleção de candidatos a cargos públicos.

Ainda que a adoção de tais iniciativas possa resultar em maior trabalho e dispêndio de tempo por parte dos examinadores, ensejando certo atraso na conclusão do processo seletivo, parece-nos que é um preço que Administração Pública deve pagar, sob pena de eventualmente, render margem à tirania e ao arbítrio, algo incompatível com uma sociedade que se assenta no regime democrático, sob o império da ordem jurídica justa.

 

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