Ministério Público da União
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

13ª e 14ª Promotorias de Justiça Criminal de Brasília

 

Posturas Político-Criminais 

Rogério Schietti Machado Cruz
Promotor de Justiça do MPDFT
e Mestrando em Direito Processual Penal na USP

 

Por força de uma crescente e mais nítida antinomia entre valores preservados pela sociedade, notadamente a liberdade, de um lado, e a segurança jurídica, de outro, é fácil constatar uma permanente tensão entre as noções de "prevenção" e "garantia", cuja compreensão decorre das atitudes básicas que se pode assumir acerca do Direito Penal.

Em obra atual e de admirável clareza, JESUS MARIA SILVA SÁNCHEZ, reconhecido penalista espanhol, alinha três posturas político-criminais básicas que procuram compreender e dirigir as funções, os limites e os fins do Direito Penal contemporâneo, a saber, a ABOLICIONISTA, a RESSOCIALIZADORA e a GARANTISTA.

No primeiro capítulo de seu livro (APROXIMACION AL DERECHO PENAL CONTEMPORÂNEO), SILVA SÁNCHEZ evidencia a contradição verificada nas tendências modernas que, de um lado, advogam a necessidade da mínima intervenção do Direito Penal, descriminalizando condutas, reduzindo ou eliminando penas privativas de liberdade para os crimes menos graves e criando modelos alternativos de punição dos violadores da norma penal, mas que, de outra face, produzem "una legislación claramente simbólica o retórica, sin posibilidades reales de aplicación útil" .

Dentre as três posturas acima mencionadas, destaca-se a abolicionista como a de cunho absolutamente utópico, ao menos na sua vertente radical, que simplesmente postula a eliminação do Direito Penal, enquanto sistema gerador da criminalidade, visto que, para seus adeptos, o delito "no tiene lugar como tal en la realidad, sino que surge por medio de una definición, de una atribución de status criminal, que tiene lugar en forma selectiva y discriminatoria".

De fato, a despeito do mérito do abolicionismo ao despertar para a necessidade de uma "humanização" do sistema penal, com críticas aos seus aspectos negativos, não há como vingar a idéia simplista de abolir tal sistema, ao menos no que diz respeito àquela parcela de criminalidade violenta ou de profundo impacto social. Releva observar, a propósito, que os maiores defensores do abolicionismo são oriundos de países de pequena extensão territorial, com elevado grau de educação cívica e economias estáveis, a exemplo da Holanda (HULSMAN) e Noruega (MATHIESEN e CHRISTIE), situação muito diversa da encontrada na maioria dos outros países.

A outra perspectiva indicada por SILVA SANCHEZ é a ressocializadora. que "a diferencia de la perspectiva abolicionista, que afronta la realidad del Derecho Penal proponiendo su desaparición, la tesis resocializaodra es una de las posibles manifestaciones de la lucha por un "mejor Derecho penal", centrado na busca de mecanismos necessários para a obtenção de uma autentica "reinserción de los penados, eliminando o, al menos, reduciendo en medida relevante las tasas de reincidencia."

Em sua versão mais radical, prossegue o autor espanhol, propõem os seguidores dessa corrente, até mesmo a eliminação das penas por medidas de segurança ou de correção, desvinculadas dos naturais limites das penas e correspondentes ao grau de periculosidade do agente. Por conta dessa idéia, alguns modelos penais têm sufragado a possibilidade de imporem-se penas privativas de liberdade de caráter indeterminado, como, v.g., ocorre nas "indeterminate sentence" nos EUA, onde os tribunais podem fixar limites amplíssimos para o cumprimento da pena, deixando a cargo de uma comissão de funcionários do Estado (parole board) a decisão sobre o momento apropriado para a libertação do apenado.

O mito da ressocialização da pena - "imposibilidade de una educación para la libertad en condiciones de ausencia de libertad" - é reforçado pela convicção de que a própria sociedade é criminógena, em razão do que não se poderia falar em ressocializar o indivíduo, mas sim a sociedade. Outrossim, questiona-se até que ponto se mostra legítima essa ingerência obrigatória na personalidade do ser humano, ao propósito de forçá-lo a uma "ressocialización para la moralidad", sem que esse processo decorra de um diálogo entre o apenado e o Estado.

Por derradeiro, a proposta garantista tem como postulado primário a questão da efetiva limitação da intervenção penal ao estritamente necessário. Ao lado das garantias formais - priorizadas pelo neoclassicismo - o garantismo pugna por "nuevas exigencias de contenido, que traten de conciliar el principio preventivo-general de protección de la sociedad mediante la disuasión de los delincuentes, con los principios de proporcionalidad y humanidad, por un lado, y de resocialización, por el outro"

Por esta via tem seguido o "Direito Penal Mínimo", positivamente expresso já em 1791 no artigo 8º da Constituição da França, ao estabelecer que "la loi ne doit établir que des peines strictement et evidentment necessaires...", denotando a idéia de que somente se legitima o Direito Penal e, mais concretamente, a pena, enquanto limitada ao absolutamente necessário para evitar a "violência social informal".

Parece claro, pois, que a ótica atual com a qual se tem procurado entender o Direito Penal fortalece valores fundamentais consagrados em quase todas as sociedades modernas. Falar em Direito Penal hoje significa uma permanente preocupação com as garantias não meramente formais do homem, mas, acima de tudo, com as correntes humanizadoras das ciências criminais, direcionadas à redenção do homem, inclusive e principalmente o que violou a norma penal.

 

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