Ministério Público da União
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

13ª e 14ª Promotorias de Justiça Criminal de Brasília

 

A Ação e a Conseqüência

A seguinte notícia foi veiculada pelo jornal A Folha de São Paulo:

    "Roubo de placa de trânsito pode dar perpétua para jovens nos EUA

    Dois rapazes de 20 anos e uma moça de 21 podem ser sentenciados na próxima quinta-feira a prisão perpétua sem direito a liberdade condicional por terem roubado sinais de trânsito na Flórida, Costa Leste dos EUA.
    A ausência de uma placa de "Pare" que a polícia afirma ter sido roubada por eles provocou um acidente em que três adolescentes morreram.
    Por isso, Christopher Cole, sua namorada, Nissa Baillie, e o amigo Thomas Miller foram condenados por homicídio culposo e dano a propriedade pública.
    A pena para esses dois crimes em conjunto pode ir de 22 anos de cadeia a prisão perpétua.
    Como o juiz do caso, Bob Anderson Mitcham, é conhecido por aplicar a lei com máxima severidade, a expectativa é que os jovens venham a pegar a pior pena possível.
    O incidente ocorreu em 1996, quando os três, que moravam juntos na proximidade da cidade de Tampa, resolveram roubar sinais de trânsito para decorar sua casa.
    A possibilidade de eles virem a perder a liberdade para sempre fez com que a família de uma das vítimas do acidente pelo qual foram considerados culpados pedisse clemência ao juiz. Mas os parentes dos dois outros mortos querem a pena máxima.
    Os três réus admitem ter roubado diversos sinais de trânsito, mas não aquele cuja ausência no cruzamento provocou o acidente.
    Diversos advogados que acompanharam o caso acham a condenação dos três injusta porque a promotoria só dispunha de provas circunstanciais para acusá-los de homicídio culposo."

O fato ocorrido naquele país reacende a eterna questão: o que a sociedade espera como conseqüência da prática do crime ou de uma ação ilícita (contrária ao direito)?

Existe de forma mal disfarçada um movimento social que acredita que a solução para determinados conflitos somente pode vir a ser obtida através do estabelecimento de sanção de natureza penal e que, mais, corresponda ao efetivo encarceramento.

Por vezes a população exige do Legislativo o agravamento de penas já estabelecidas e o criação de novas figuras típicas, vistos como caminho único de combate à criminalidade.

Todavia, a criminalização e o encarceramento nunca surtiram o esperado resultado. Ao contrário, o que se vê é um sistema judiciário penal (incluída aí a execução da pena) desacreditado, dito falido, moroso e ineficiente.

Por outro lado, contrário à formação cultural da sociedade brasileira, iniciou-se em fins de 1995 uma reforma legislativa tendente à descriminalização, à despenalização e ao não encarceramento, e que vem surtindo satisfatórios resultados especialmente no que atine à recuperação de parcela de crédito do Judiciário.

À tona, pois, a discussão: deve ter o crime, como conseqüência inexorável, a aplicação de pena privativa de liberdade?



Discussão sobre o tema


1) Comentário de Paulo José Leite Farias, Promotor de Justiça do MPDFT:

O caso concreto apresentado nesse debate mostra a evidente desproporcionalidade entre o delito cometido e a pena prevista.

A sanção sem sombra de dúvida constitui mecanismo que assegura a imperatividade e obediência à norma. Entretanto, como toda medida restritiva de direito deve ser adotada com a obediência a determinados critérios.

Assim, consoante ensinamento de SUZANA DE TOLEDO BARROS ( in O princípio da proporcionalidade e o controle de constitucionalidade das leis restritivas de direitos fundamentais, Brasília Jurídica, 1996, p. 33) , verbis: "Da filosofia ao direito, o princípio da proporcionalidade, até chegar à modelagem atual, acompanha a história da defesa dos direitos humanos e vai surgir como decorrência da passagem do Estado de Polícia para o Estado de Direito, quando é formulado com o intuito de controlar o poder de coação".

No caso em concreto, caso os rapazes sejam efetivamente condenados à pena máxima consoante a previsão da reportagem, poderão, sem sombra de dúvida, discutir a constitucionalidade do apenamento , com base em preceito da Constituição Americana.

Não resta dúvida de que um ordenamento jurídico que não possa aplicar sanções a quem o viole não conseguiria fazer impor a sua vontade. A sanção , no entendimento de FERNANDO GALVÃO ( in Aplicação da pena, Editora Del Rey, 1995) , significa "uma conseqüência nociva que se agrega intencionalmente a uma norma jurídica, para o caso de seu descumprimento, visando estabelecer a obrigatoriedade de sua observância".

Nesse sentido, não pode se esquecer que em um Estado de Democrático de Direito , o Direito Penal há de ser o último instrumento da política social, adquirindo um caráter subsidiário, no sentido de que primeiro devem ser utilizados os demais instrumentos de regulamentação dos conflitos sociais e, SOMENTE, ao fracassarem estes, lançar-se-ia mão da pena , sanção específica desse ramo jurídico.

CLAUS ROXIN( Apud Fernando Galvão in Problemas fundamentais de direito penal, Lisboa, Veja, p. 28-29) assinala , no entanto, que o moderno Direito Penal não se vincula à imoralidade da conduta humana, mas sim à sua danosidade social, ou seja, com a incompatibilidade desta para com as expectativas de uma harmônica convivência social. Assim, faz-se a escolha só de determinados bens que deverão ser tutelados por esse ramo do direito. Assim, ao se falar de penas alternativas, deve-se indagar , primeiro, se determinado valor deve ou não ser tutelado pelo Direito Penal.

Portanto, somente quando os outros ramos do Direito, timbrados de maior brandura, demonstrarem insuficiência para a solução das pendências, deve a querela ser posta sob as luzes do Direito Penal. É a prevalência do princípio da intervenção mínima, que é uma das características do Estado democrático de Direito.

Não custa ter olhos para a lição de GILBERTO PASSOS DE FREITAS, que ao defender a tutela penal para as agressões ecológicas, adverte: "Isto não significa, entretanto, que se proceda a uma profunda criminalização de condutas que afetem o meio-ambiente. Evidentemente, há que se proceder a uma análise criteriosa, criminalizando apenas aqueles atos de maior e significativa relevância."(A Tutela Penal do Meio Ambiente, in Dano Ambiental - Prevenção, Reparação e Repressão, vol. 2, S. Paulo, RT, 1993, p. 310- 311).

Enfim, analisa-se ,primeiro, se a conduta deve ser objeto de responsabilização penal para então buscar-se a pena justa (adequada), o que em muitos caso deverá ter presente a necessidade de busca de medidas proporcionais ao "delito" e ao "infrator" dando-se uma margem de manobra ao operador jurídico de exercício da eqüidade que só pode ser verificada plenamente no caso concreto.

 

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