Ministério Público da União
Ministério Público do Distrito Federal e Territórios

13ª e 14ª Promotorias de Justiça Criminal de Brasília

 

MANÍACOS DA MÍDIA

Daniel de Matos Sampaio Chagas

"- Se isso aqui fosse um país desenvolvido, esse sujeito levava uma bala no meio da cabeça!!!"

Foi mais ou menos nestes termos que vociferou o apresentador de um dado programa de variedades policiais, enquanto apontava para a foto do maníaco do parque, o serial killer nacional, estampada num monitor a sua frente. Ao externar sua revanche, o apresentador não dispensou a oportunidade de, gestualmente, mostrar-se digno de figurar como carrasco, só ficou faltando soprar o dedinho após a bala certeira.

Seria cômico, se não fosse generalizado. A mídia, tão covarde e tendenciosa ao cuidar de escândalos que envolvem os chamados "donos do poder" (muitos deles militam no Congresso Nacional e são responsáveis pelas concessões de rádio e tevê espalhadas pelo país), agora se mostra furiosa no seu clamor por justiça. Há vários episódios que ressoam na mente das pessoas mais esclarecidas (onde me faço a gentileza de incluir) e que dão conta da tragédia que nos é imposta via satélite (ou cabo, como queiram).

Em primeiro lugar, vale destacar o pré-julgamento. O suspeito, cuja principal evidência contra si era a carteira de identidade queimada de uma das vítimas queimada encontrada pela polícia num vaso sanitário do local onde trabalhava, já era "maníaco", já era "o maníaco". Com isso, perdia sua identidade simplória - Francisco - e ganhava a alcunha aterrorizante: "maníaco do parque". Confesso, cheguei a torcer para que não fosse ele o culpado; que estivéssemos então diante de um psicopata mais ardiloso e cerebral, que, observando o estardalhaço dos meios de comunicação, tivesse se aproveitado para dirigir-se ao local de trabalho do suspeito e "plantado" a evidência policial. Torci, mas parece que não, ao que tudo indica, Francisco é mesmo culpado.

A mídia, que prestou o valoroso serviço de espalhar a imagem do suspeito perseguido por todo país, não se contentou então com seu psicopata recluso, era preciso fazê-lo confessar; mostra o desapontamento de seus pais, os depoimentos de vítimas que a ele sobreviveram e mais, era preciso dar à população a certeza da punição. Foi nesse contexto que se iniciou o debate: Francisco é são? Nesse instante, a mídia ensejou sua maior perversidade. Subliminarmente em alguns setores, noutros de forma bem evidente, passou a associar uma eventual insanidade como indício da não punição; quer dizer, aquele a quem tratavam por psicopata (que no Dicionário Michaelis significa literalmente "doente mental") regredia da sua doença para tornar-se o homem frio e mal que todos queremos punir.

Longe de qualquer reflexão sobre a influência da sociedade e a forma como esta organizou seus valores às bordas do Terceiro Milênio, a mídia instiga agora uma vingança cruel e solitária, que se desenvolve no íntimo de cada um de nós. Com tal promessa de prazer efêmero, transmuda-nos em maníacos parasitários de uma falta de humanidade digna da família a que todos pertencemos - a dos primatas.

 

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