1. REGIME JURÍDICO
As medidas provisórias são uma exceção
ao princípio de que cabe ao Poder Legislativo editar atos que obriguem.
Estão previstas no art. 59 e disciplinadas pelo 62 da Constituição
Federal de 1988. Elas não constavam da enumeração
do art. 59, que trata do processo legislativo antes da promulgação
-publicação da Constituição, sendo inseridas
aí após a aprovação do texto final. Não
deveriam, porém, constar do art. 59 da CF como objeto de processo
legislativo, porque sua formação não se dá
por tal processo, sendo editadas, apenas, pelo Presidente da República.
Emana o instituto do Poder Executivo e, apesar de ter força
de lei, não o é, por não nascer no Legislativo. É
unipessoal, ou seja, não é fruto de representação
popular (art. 1º, parágrafo único - "todo poder emana
do povo"). Ela nasce como diploma normativo pela simples manifestação
do Chefe do Executivo, sendo a discussão posterior, já estando
em vigor quando submetida ao Congresso Nacional, o que deve ser feito de
imediato. Se o Congresso estiver em recesso, será convocado extraordinariamente
para reunir-se em cinco dias (art. 62).
As medidas provisórias só podem ser editadas pelo
Presidente da República, não podendo adotá-las os
Estados e os Municípios. Para que possam ser editadas, as medidas
provisórias necessitam de dois requisitos: a relevância e
a urgência (art. 62).
Essas medidas terão eficácia imediata, mas as
perderão, desde a sua edição, se não forem
convertidas em lei em trinta dias, a partir da publicação.
A aprovação converte-a em lei, a não-apreciação
pelo Congresso importa rejeição e a perda de eficácia.
Neste último caso, cabe ao Congresso Nacional regular as relações
jurídicas dela decorrente.
1.1. Norma de mesma matéria
A edição da medida provisória paralisa temporariamente a eficácia da lei de mesma matéria. Se for aprovada, há revogação da lei. Se for rejeitada, restaura-se a eficácia da norma anterior.
2. ORIGEM
A medida provisória é sucessora do decreto-lei.
A nova Carta de 88 extinguiu do cenário nacional o decreto-lei,
preocupada com a usurpação das funções do Congresso
pelo Executivo. No entanto, em seu lugar, criou a medida provisória,
que, sob o aspecto da constitucionalidade, não difere muito daquele
instituto, sendo até mais grave do que ele, pois o decreto-lei,
além do exame político a priori pelo Congresso ("urgência
e interesse público relevante") e de sua condição
("desde que não haja aumento de despesas"), exigia o seu controle
constitucional pelo Legislativo e posteriormente pelo Judiciário,
enquanto que as medidas provisórias são livres quanto ao
seu conteúdo, à exceção das seguintes matérias:
a) as entregues à lei complementar; b) as que não podem ser
objeto de delegação legislativa; c) legislação
em matéria penal; d) legislação em matéria
tributária. Além disso, não poderá ser
utilizada como instrumento para regular o Fundo Social de Emergência,
segundo o art. 73 do ADCT.
Ambos o decreto-lei e a medida provisória têm origem
comum na Constituição italiana (art. 77). Lá existem
os provvedimenti provvisori, que são distintos das nossas medidas
provisórias. Enquanto lá vige o Parlamentarismo, a Constituição
italiana prescreve que o Governo editará a medida provisória
sob sua responsabilidade política e ao Parlamento é facultado
regular as relações jurídicas decorrentes da medida
não aprovada, aqui se obriga ("devendo o Congresso Nacional regulamentar
as relações jurídicas dela decorrentes") e não
há previsão constitucional de responsabilidade política
do Presidente da República no caso de aprovação da
medida.
3. CRÍTICAS
Muitos autores criticam vários aspectos da medida provisória, entre eles, a sua constitucionalidade, a sua reedição reiterada pelo Executivo (aspecto político e não jurídico), a usurpação da função que é originariamente do Legislativo pelo Poder Executivo etc.
3.1. Relevância e urgência
Há dois requisitos indispensáveis, previstos na
Constituição, para que se adote, excepcionalmente, a medida
provisória: a relevância e a urgência. Quanto aos dois
requisitos imprescindíveis (relevância e urgência),
na falta de qualquer um deles, o ato está eivado de inconstitucionalidade.
O que se nota hoje é que os Chefes do Executivo
não têm atendido a esses dois pressupostos, pois (re)editam,
em média, duas medidas provisórias por dia; e o que deveria
ser exceção à titularidade legislativa, passou a ser
muito comum; ou seja, a vontade do Executivo prevalece, tanto por omissão
do Congresso como do Judiciário. Cabe ao Congresso Nacional analisar
a existência ou não desses dois requisitos, já que
o Presidente da República, por ter ele próprio editado a
medida, supõe teoricamente que eles existem.
Ao Poder Judiciário também compete apreciar se
há ou não os pressupostos, quando houver lesão de
direito a alguém que o tenha provocado (art. 5º, XXXV e 103
da CF ). Mas isso não vem ocorrendo, porque, ao contrário
do que ocorria com os decretos-leis, a Constituição não
diz claramente que o interesse deve ser público, apesar disso já
ter que ser subentendido, porque esta foi a vontade do constituinte. No
caso do exame pelo Judiciário, a decisão judicial não
irá substituir as medidas provisórias nem disciplinar as
relações jurídicas geradas por elas, só valendo
no caso concreto.
3.2. Reedição
Não há disposição da Carta Magna
no que tange à reedição das medidas provisórias.
Aproveitando disso e da passividade do Congresso em não deliberar
sobre o assunto, ou seja, em silenciar, o Executivo utiliza-se do
argumento de que o silêncio do Congresso ensejaria a reedição
porque não haveria manifestação através do
silêncio em Direito Público; o que não é verdade,
pois, p. ex., no caso do silêncio do Presidente no prazo destinado
para sanção de projeto de lei, dá-se a sanção.
Chamado para apreciar a matéria quanto à existência
dos pressupostos (relevância e urgência), o Congresso Nacional,
silenciando, entende que os requisitos não estão presentes.
Ademais, o próprio parágrafo único do art.
62 é muito claro ao dar a solução para a medida provisória
não convertida em lei no prazo de trinta dias.
Logo, a reedição seria uma agressão ao
texto constitucional, que, no entanto, vem ocorrendo constantemente, causando
dificuldade aos operadores do Direito ante a burocracia.
Como pode um instituto já rejeitado pela representação
popular ser reeditado? Se não serve à população,
nem é relevante e urgente, deve ser descartado, pois do contrário,
não haveria necessidade de apreciação pelo Legislativo,
bastando, como nas ditaduras, a simples edição pelo chefe
do Executivo, sem precisar da aquisciência do poder popular.
3.3. Real utilização
O intuito da medida provisória é de prover atos
com força de lei (pois não são leis) quando, em casos
especiais, raros, com imediatismo necessita a população de
norma.
O que se verifica realmente é que o instituto vem sendo
usado de forma totalmente contrária, já que não
se observam os pressupostos de urgência e relevância, e se
reeditam as medidas de forma indiscriminada. Isso tudo acarreta, além
de outros problemas gravíssimos, dificuldade pelos profissionais
do Direito ao saber ao certo o que está em vigor no momento. Sem
falar na incoerência em se continuar reeditando uma norma que foi
rejeitada pelos representantes do povo (o Congresso), até mesmo
por omissão deste.
Outra crítica feita à medida provisória
é que, com tal instrumento normativo, o Executivo, mais precisamente
o Chefe do Executivo, impõe sua vontade pessoal. A caracterização
da urgência e da relevância fica muito dependente do critério
subjetivo do Presidente da República.
Além disso, a comunidade tem no Congresso Nacional seu
representante, justamente para legislar, e quando não é ele
que o faz (excepcionalmente), tem a função de ao menos filtrar
o que realmente é interessa à população, o
que não vem ocorrendo. O Executivo é incapaz de estabelecer
uma relação política com o Parlamento via uma pauta
de interesse da sociedade. Prefere o caminho mais fácil, e impositivo,
o uso das medidas provisórias.
3.4. Inconstitucionalidade
O texto constitucional (art. 62, parágrafo único) reza: "As medidas provisórias perderão eficácia, desde a edição, se não forem convertidas em lei no prazo de trinta dias, a partir de sua publicação, devendo o Congresso Nacional disciplinar as relações juródicas delas decorrentes". Por isso, entende-se que a reedição seria totalmente inconstitucional, já que a Norma Ápice aponta dois caminhos apenas: a conversão em lei ou a perda da eficácia em trinta dias se não transformadas. Não há que se falar, portanto, em reeditá-las.
4. CONCLUSÃO
Apesar de não se poder tratar a Teoria da Divisão
dos Poderes como separação rígida, como foi concebida
por Montesquieu, é necessário um mínimo de distinção
das funções. Assim, a função de legislar, é
predominantemente do Legislativo, admitindo-se que o faça excepcionalmente
o Executivo, porém dentro dos limites constitucionais.
Dessa forma, o instituto das medidas provisórias é
necessário, mas deve ser interpretada como exceção,
tendo que ser entendida nos exatos termos constitucionais, não se
podendo ir além, pois abrir-se-á uma porta ao arbítrio.
Enfim, o Congresso precisa recuperar algumas prerrogativas sem
as quais não garante sua autonomia. Uma delas diz respeito à
recuperação da iniciativa legislativa, o que implica
a limitação do uso das medidas provisórias e o Executivo
deve ser mais cauteloso no tocante a esse instrumentos.