RIMAS

 

O homem chegou em casa assustado:

- Está por toda a cidade, é uma sina: todo mundo falando com rima.

- O quê? - perguntou a mulher.

- Uma compulsão, um vírus, algo no ar. Não se diz mais nada sem rimar.

- Que absurdo - disse a mulher - um vírus da rima. Ninguém é obrigado a falar o que não quer, seja homem ou mulher. Nenhuma lei... Meu Deus, peguei!

- É na rua, é em casa, é em todo lugar. Não se fala sem rimar. 

- Mas é uma barbaridade, ser poeta contra a vontade!

- Concordo, é um abuso. Mas que fazer? Estou confuso.

- Só há um jeito de se rebelar, resistir e não rimar...

- Como?

- Não falar.

- Mas como nos comunicaremos, se não com as vozes que temos.

-    Escrevendo, por que não? Ninguém manda em nossa mão.

-    Sei não será que muda? E se eu escrever como o Neruda?

-    Não é hora pra chilique. Pega um papel, e olha a Bic.

O homem experimenta escrever uma frase no papel. Depois recua, horrorizado.

- Estou quase tendo um ataque. Escrevi como o Bilac!

-    Será uma coisa generalizada que atingiu até a empregada?

-    Vamos ver se é ou não é. Chame a Nazaré.

A mulher chama a empregada.

- Nazaré, vem aqui um minutinho?

A empregada responde da cozinha:

- Já vou indo, um instantinho. Estou fazendo ensopadinho. 

O homem e a mulher se abraçam. É uma epidemia. A rima tomou conta do país. Mas por quê?

A mulher tenta racionalizar

- Tem que haver explicação. Um motivo, uma razão.

- Terá sido a eleição?

- Mas como, de que jeito? O que foi que mudou com o pleito?

- Elegeu-se o maravilhoso...

- Quê?

-...Fernando Henrique Cardoso.

- O Cardoso, maravilhoso? Me admira você, que votou no PT!

- Você não está entendendo? Eu não sei o que estou dizendo!

- Calma, não se apoquente. Fale outra vez, pausadamente.

O homem faz um esforço, mas não consegue.

- Elegeu-se. O. Maravilhoso. Fernando. Henrique. Cardoso.

- Tente outra rima, com urgência. Quem sabe "seboso", pra manter a coerência?

- Não consigo, não vê? Tente você.

- Elegeu-se o...

- Sim?

- Elegeu-se o... 

- Sim? 

- Gostoso...

- Não!

- Fernando Henrique Cardoso.

- Já vi, é uma perfídia. Tudo culpa da mídia. Nós não estamos enfeitiçados, estamos é  condicionados.

- Quando ele se elegeu, foi nisso que deu. Há uma rima oficial no Brasil - pelo menos até abril.

- Quem variar é exótico, até impatriótico.

- Paciência, relaxemos. Isto passa, esperemos.

- Eu até diria assim: rima melhor quem rima no fim.

Aparece a Nazaré na porta da cozinha.

- A senhora chamou. Aqui estou.

- Nada, nada, Nazaré. O ensopadinho, de que é?

- De vitela cortadinha. Batata, vagem e cebolinha.

-    Parece uma beleza. Pode botar na mesa.

 

Fonte: Novas Comédias da Vida Privada  -  Luis Fernando Veríssimo

Enviada, por e-mail, pelo nosso amigo Gilberto Guimarães.

 

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