ÚLTIMO SHOW DE ROCK
Morre Kurt Cobain, líder do Nirvana, o astro da
música que não agüentou o próprio sucesso.
Reportagem da Revista "Veja"
Pouco antes de o último disco do Nirvana chegar às lojas, em
Setembro do ano passado, Kurt Cobain, guitarrista, cantor,
compositor e líder da banda que há dois anos se tornou a mais
popular estrela do rock, telefonou à gravadora e fez uma
mudança de última hora - tirou do repertórioa faixa Eu me odeio e
quero morrer (I hate myself i want to die). "O título era uma
piada, mas tive medo de que o público o levasse a sério",
explicou depois. Na semana passada, Cobain foi o primeiro a levar a
sério a piada da canção. Na Sexta feira, aos 27 anos, ele foi
encontrado morto, com um tiro na cabeça, num quartinho sobre a
garagem de sua casa, em Seattle, cidade americana que ele próprio
entronizou no mapa da música pop com o sucesso de seu
conjunto. A seu lado, um revólver um bilhete de despedida que
terminava com palavras dirigidas a sua mulher, e também
cantora Courtney Love, com quem deixa uma filha de 1 ano e meio:
"Eu te amo, Eu te amo, Eu te amo".
O desaparecimento de Kurt Cobain significa, para os jovens,
o equivalente ao que representou a morte de Jimi Hendrix e
Janis Joplin para o público hoje quarentão. Mais do que um cantor
de sucesso, ele era uma das figuras emblemáticas de sua
geração e da música pop dos anos 90. Assim como aqueles ídolos
do passado, e outros como os Sex Pistols, coube a Cobain
o mérito de traduzir em música e em comportamento o modo de agir e
os sentimentos de boa parte dos jovens dos anos 90.
Numa época em que a indústria do rock dirige suas antenas apenas
para as grandes atrações, que fazem da música uma
celebração à dança e à alegria, o Nirvana surgiu há dois anos
como o chato da festa, o elemento da subversão que o gênero
necessita de tempos a tempos para continuar afinado com seu
público.
Estilo Lenhador - O rock de Cobain era sujo e ensurecedor e
seus vocais, do tipo serra elétrica. Suas letras deixavam clara
uma mensagem de angústia e desalento, de descrédito no mundo e nas
instituições - posturas que jovens de todas as gerações
costumam adotar a certa altura de vida. No guarda - roupa, por fim,
Cobain e o Nirvana consagraram a tendência
antimauricinho adotada pela juventude americana na ressaca da febre
yuppie dos anos 80. Ao se cobrir com camisas baratas -
no caso, estilo lenhador, bermudões sem nenhum charme e tênis ou
coturnos velhos, eles validaram diante da moda o que os
jovens americanos estavam usando. Foi a partir deles que esse tipo
de vestuário, e por extensão o estilo musical do grupo,
ganhou o apelido de "grunge", gíria que sugere sujeira ou
excesso.
A tragédia de Kurt Cobain é que ele jamais conseguiu
conviver com o estrelato e com o posto de ídolo e espelho da
juventude. Astros pop, quando alcançaram o megassucesso, adotaram
em geral três tipos de comportamento. Alguns passam
a curtir sem problemas a condição de vários milionários. Outros
agem da mesma forma mas vivem dizendo-se pressionados
pelo sucesso, pelo assédio dos fãs e pelas obrigações
contratuais, o que se torna justificativa para a excentricidade - essa
postura é considerada bom marketing. Um terceiro tipo, porém, vê
sua vida se desgovernar diante da fama e da fortuna. Esse
foi o caso de Cobain. "Lamentavelmente, o peso do sucesso
acabou matando-o" comentou seu empresário.
Assim que a carreira do Nirvana começou a decolar, no
final de 1991, Cobain tornou-se viciado em heroína. Até o fim da
vida, alternou períodos de mergulho na droga e de abstinência.
Depois que o segundo LP do Nirvana, Nevermind, catapultou
o grupo para o primeiro lugar das paradas de sucesso americanas,
desbancando Micheal Jackson e vendendo 8 milhões de
cópias, Cobain passou a fazer milhões de cópias, Cobain passou a
fazer o oposto do que manda a cartilha do show biz.
Recusou-se a fazer uma turnê de shows - quando poderia lotar
ginásios e estádios no mundo inteiro. Nas entrevistas, repetia
como um disco arranhado a mesma ladainha contra tudo e todos. E fez
fama de desequilibrado ao se comportar em público,
sem motivo aparente, com a polidez de um rinoceronte.
Heroína na Gravidez - Certa vez ao ser abordado por um fã
adolescente disposto a fotografá-lo, cerrou os olhos e respondeu:
"Eu te mato". Em sua passagem pelo Brasil, no Hollywood
Rock"há um ano e meio, deu mostras de que, por trás do roqueiro
revoltado, repousava uma personalidade suicida. "Eu não
agüento essa vida, não vou sobreviver ao Rock'n'Roll", foi sua
declaração mais frequente, mesmo quando ninguém perguntava a
respeito. Há um ano, foi preso em sua casa, acusado de
bater na mulher. Na ocasião, os policiais encontraram em seu
armário uma pequena coleção de armas. "" Meu esporte favorito
é o tiro". ele justificou na época, embora que nunhum dos
amigos mais chegados ao cantor tivesse conhecimento desse hobby.
"São para defender da minha família", preferiu dizer uma
outra vez. Na semana passada, Cobain usou uma dessas armas pela
última vez.
A dificuldade de Kurt Cobain em conviver com o estrelato
parece explicar-se por sua própria trajetória de vida. Não á fácil
para um garoto de origem modesta, de uma pequena cidade do interior,
Ter de uma hora para outra o mundo a seus pés. Que
o diga Elvis Presley, viciado em bolinhas até o fim da vida.
Cobain, assim como o co-fundador do Nirvana, o baixista Chris
Novoselic - o baterista Dave Grohl completa o grupo - , nasceu em
Aberdeen, uma cidade lenhadores, hoje com 17 000
habitantes, perto de Seattle, no Estado de Washington. Segundo seu
relato, em Aberdeen a mentalidade reinante é de que
músicos de rock e homossexuais não são muito diferents. O pai de
Cobain, mecânico de automóveis, e sua mãe, secretária,
separaram-se quando ele tinha 8 anos. Desde então, ele morou
sucessivamente com avós tios. Seu pai obrigou-o a alistar-se
na Marinha. Um dia antes de sentar praça, fugiu de casa, morou em
baixo de um viaduto e em casa de amigos, até começar a
ganhar alguns trocados tocando em bares. Eu fiz tudo para Ter um
pai, mas só o que consegui foi um papai, escreveu ele na
letra de Serve the Servants, do último LP do Nirvana.
Mesmo no casamento, através do qual muita gente consegue
construir o lar que nunca teve, Cobain encontrou turbulência
constante. Sua mulher, Courtney Love, vocalista do grupo Hole - que
se proclama de tendência "neofeminista" -, tem uma
personalidade tão agitada e destrutiva quanto a sua. Duas semanas
antes do nascimento da filha Frances Bean Cobain, uma
reportagem na revista americana Vanity Fair revelou que Courtney
Love consumia heroína durante a gravidez. Amparada na
reportagem, a polícia obrigou a entregar a criança à custódia da
irmã de Courtney. Embora o casal a tenha recuperado logo
depois, a polícia continuou a monitorar sua criação por amis um
ano. Hoje Frances é uma saudável garota de 19 meses e
Courtney assiste à sua carreira decolar à frente do Hole. Cobain,
na contramão, há um mês foi internado num Hospital em
Roma, onde ficou quatro dias em coma, após ingerir um coquetel de
àlcool e tranquilizantes. Semanas antes, com inédito bom
humor, declarara numa revista: "Nunca fui tão feliz quanto
agora". É possível que já estivesse com a passagem comprada para
a viagem.
Esta Reportagem Foi Tirada Da Revista "Veja", Do Dia 13 De Abril De 1994!!
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