Bibliografia:

BRAGA, Rubem. Os melhores contos. Seleção Davi Arrigucci Jr.. São Paulo: Global, 1997, 164 p.

AMZALAK, José Luiz. Literatura Fuvest 97. Resumos e Análises das Obras. São Paulo: Navegar Editora, 1996, v. 2 (Série Buritis), 146 p.

Componentes do grupo:

Fernando Cordeiro – 14 / José Rafael N. Monteiro - 16 / Luís Fernando Di Carlo - 22 / Luiz Henrique G. Bernabé - 23 / Victor Bulamah - 40 / William A. Narazaki - 41 / 3.ºE.

 

Síntese dos Enredos:

Noite de chuva

Durante uma noite de temporal, um homem recebe a visita de uma senhora que lhe roga auxílio, pois seu barraco havia desabado e seu netinho encontrava-se morto sob os escombros.

Decidindo ajudá-la, o homem deixa sua casa e sai em busca de bombeiros, da polícia ou até mesmo do rabecão. Todavia, perante o caos instalado na cidade (bondes parados, telefones mudos), fracassa.

Ao fim, volta para casa e mente, dizendo a senhora que tudo havia sido arranjado para o dia seguinte.

Os perseguidos

O narrador e outro personagem, o Moreira, vão a um apartamento luxuoso em uma cidade litorânea.

Impressionam ao narrador dois elementos: o "mar dos ricos" (visto do alto) e o "ar dos ricos" (limpo e salgado devido a altura do edifício), contrastantes com a situação de pobreza da maioria da população.

A mulher que ia navegar

Em uma roda de amigos, o narrador observa uma mulher casada e seu marido. Percebe que estabelecem entre si uma relação enfadonha e tediosa. Percebe também que a esposa está pronta para "navegar", ou seja, trair seu marido.

Essa hipótese é confirmada quando a mulher parece se interessar por um físico também presente na roda.

Força de vontade

A narrativa focaliza um homem cujos objetivos de vida eram três: sustentar os pais com o esforço de seu trabalho, conseguir um diploma e viajar ao exterior.

Após realizar todos esses três anseio, o homem desencontra-se consigo mesmo e se enche de vazio.

O espanhol que morreu

O narrador e um amigo vão a um prostíbulo na Lapa, onde descobrem a completa semelhança do amigo para com um certo espanhol que morrera. Todas as mulheres ali presentes julgam que o amigo e o espanhol são a mesma pessoa. A estranheza surge no final quando o próprio narrador faz a mesma confusão.

Análises e comentários acerca dos enredos

Noite de chuva

Em "Noite de Chuva", encontramos uma crônica de crítica social cujo alvo principal são o governo e as autoridades negligentes quanto às enchentes anuais, ocorridas na cidade do Rio de Janeiro, que afligem a populações mais carentes. Também fica evidente na narrativa a fragilidade dos homens perante as forças ocultas da natureza. O personagem principal sente que faltou com seu dever de solidariedade, assumindo uma postura individualista (típica da pós modernidade), porém admite que só o fez devido a sua impotência diante de circunstâncias que fugiam a seu controle.

A narrativa, em 3ª pessoa, diz respeito a um breve flash, a uma breve situação do cotidiano, a um conjunto de imagens, que pela memória e pela força da palavra, ganha expressão literária.

Existe uma preferência por frases curtas e por períodos coordenados. Tal fato, aliado a uma linguagem simples, concisa, regida por uma gramática mais flexível, beirando o coloquial, confere grande agilidade, grande objetividade ao desenrolar do fato central.

Sob uma outra ótica podemos observar que a crônica traduz o quão vazio tornou-se o modo de vida e sem objetivo do ser humano, já que com tanta tecnologia e avanço, não consegue constituir uma sociedade solidária.

Personagens principais: o homem e Joaquina Maria (senhora que busca auxílio)

Espaço/ambiente: urbano/corte da sociedade carioca.

Tempo: cronológico/linear.

Discurso: direto: " — E o pai?"

indireto: "A velha disse que a mãe estava trabalhando..."

indireto-livre: "Sua história foi saindo aos poucos. O temporal derrubara o barraco, e o netinho, de oito anos, estava sob os escombros."

 

Os perseguidos

A exemplo de "Noite de chuva", essa crônica pode vir a ser enquadrada no grupo daquelas que assumem como tema básico a crítica social. Nela fica evidente a intenção do autor de pôr em evidência o contraste existente entre as diferentes classes urbanas, observável facilmente através de elementos do cotidiano e de impressões subjetivas que podem ser suscitadas por esses.

Em uma linguagem simples, sintética e marcada pela coordenação, o narrador-personagem, por meio de sugestões que lhe são inspiradas pela visão do mar e pelo ar puro que respira, é levado a estabelecer um paralelo entre o que chamou "ar e mar dos ricos" e "ar e mar dos pobres", capaz de colocar em inquestionável evidência a discrepância existente entre as condições de vida dentro dos distintos meios sociais. Também serve como respaldo para esse paralelo a diferença observada entre o luxo do apartamento e as condições de pouca higiene e de marginalidade do personagem Moreira, ex-presidiário, companheiro do narrador.

Como em suas demais crônicas, em "Os perseguidos", Rubem Braga faz uso de uma situação quase banal e transitória do cotidiano para dar vazão a reflexões, experiências e sentimentos íntimos, eternizando o momento.

É interessante notar que a narrativa mistura fatos em ordem cronológica com alguns provenientes da memória do narrador. Esses últimos, por sua vez, aliam-se a momentos de pura introspecção psicológica da personagem central. Há uma mistura de formas de narrar, inclusive com a presença de maior lirismo (como a observação do mar).

Personagens principais: Narrador e Moreira.

Espaço/ambiente: urbano/contraste de classes sociais.

Tempo: cronológico e psicológico.

Discurso: direto: "—Tenham a bondade de esperar um momento."

indireto: "Disse o nome..."

A mulher que ia navegar

Ainda que breves e transitórios, os momentos, durante os quais se desenrola essa crônica, são permeados por uma forte carga emotiva de lirismo, caracterizando a tendência do pós-modernismo de misturar diferentes técnicas de narração (poesia e prosa), subvertendo-as.

Com sensibilidade bastante apurada, e em linguagem simples, figurativa, de frases rápidas; narrador-personagem vai paulatinamente desvendando sentimentos e emoções de uma mulher de cerca de trinta anos, através de seus olhares e de suas atitudes. Ao mesmo tempo, põe em evidência o vazio e a efemeridade de um casamento tedioso e convencional.

Como em diversas outras crônicas, também em "A mulher que ia navegar", correm alternâncias entre instantes em que prevalece a ordem cronológica dos fatos e momentos de profunda introspecção psicológica do narrador.

Percebe-se claramente que o Eu-narrador reflete liricamente a situação que se desenrola a sua volta, centrando sua análise na figura da mulher, e procurando eternizar um flash, capturar uma imagem comum do cotidiano que, ao observador desatento nada significaria.

Personagens principais: mulher, narrador, físico, homem inteligente, marido, mulher desquitada.

Espaço/ambiente: urbano/classe média.

Tempo: cronológico e psicológico.

Discurso: direto: "Muito!"

indireto: "...alguém lhe perguntou se gostara de um certo quadro..."

Força de vontade

A pós-modernidade nos revela um ser humano marcado pelo vazio existencial, tendendo à padronização, e caracterizado pela ausência de referenciais sólidos, algo que o leva, na maioria das vezes a vivenciar um cotidiano restrito e medíocre. Tal é a temática que permeia o conto "Força de vontade".

Em uma narrativa fugaz, rápida, sintética, onde os fatos obedecem a certa ordem cronológica, é focalizado um homem cuja vida havia sido centrada no anseio por realizar três objetivos. Tão logo tais objetivos são atingidos, geram-se o desencontro e o vazio interior, a tristeza e a melancolia.

A mensagem básica do conto gira em torno da necessidade de se aspirar a coisas que tragam, no futuro, frutos duradouros e consistentes para que a vida não seja feita apenas de breves momentos, de breves "espetáculos".

Tal qual algumas das demais crônicas do livro, em "Força de vontade", Rubem Braga capta, pela memória, uma situação compreendida em um intervalo de tempo extremamente curto que lhe serve como ponto de partida para um mundo rico de experiências.

Personagens principais: Narrador e o homem dos três objetivos.

Espaço: urbano (Foz do Iguaçu).

Tempo: cronológico e psicológico

Discurso: direto: "—Lá em casa comemos..."

indireto: "Contou-me por exemplo que seu pai, homem de 80 anos, [...] vai toda semana comprar carne..."

O Espanhol que morreu

O conto desenvolve-se a partir de um fato aparentemente banal do dia-a-dia: a semelhança entre duas pessoas, uma viva (amigo do narrador) e uma já morta (Espanhol). Contudo, surge, ao fim, certo impasse, pois até mesmo o próprio narrador confunde ambas, causando ao leitor certa estranheza, já que é diretamente influenciado pelo foco narrativo em primeira pessoa e pela visão subjetiva do narrador.

"O Espanhol" confirma a característica básica de Rubem Braga de dar ao aparentemente insignificante uma dimensão nova e literária, através da memória. Memória esta que domina a ordem dos fatos dessa narrativa marcada por uma linguagem objetiva, com períodos coordenados.

Personagens principais: Espanhol, narrador, Sueli, Betty, amigo, garçom.

Espaço: urbano/Lapa (RJ)

Tempo: cronológico e psicológico.

Discurso: indireto: "e pergunta se ele é irmão do Espanhol."

Sobre as narrativas de Rubem Braga, afirma Davi Arriguchi Jr.:

"As narrativas de Rubem Braga criam o efeito de estranheza poética de um narrado deslocado ou erradio, cidadão do mundo entretido em contar histórias do que ao seu redor já não tem história. O velho Braga mescla, entranhadamente, os instantâneos líricos, saídos das formas de vida e do espaço da modernidade, à velha arte do contador de história, que parece esquivar-se de todo o tempo, guardando sempre algo de um outrora ainda mais distante, alguma coisa da atmosfera primitiva e mágica de um passado ancestral e da sabedoria oracular, a latência funda e a analogia estrutural do mito."

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