Acossado (À Bout de Souffle)

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Jean Seberg e Jean-Paul Belmondo em Acossado

Filme mito de Godard, filme ícone da Nouvelle Vague, filme símbolo de uma revolução que ultrapassa o cinema e percorre os circuitos da juventude, da moda. Acossado é o único filme de Godard que conseguiu superar o estigma de secto que seus filmes têm: odiados por muitos e amado por poucos. Muito se fala a respeito disso: que o mérito é do roteiro de Truffaut, que Godard ainda não era tão pedante, que ainda era compreensível, etc. Na verdade Acossado não é nada disso. Longe de ser um filme "jovem" (como Trainspotting ou Pulp Fiction), o primeiro filme de Jean-Luc Godard já é um denso ensaio sobre todas as preocupações que ocuparão dali a diante todo o seu cinema e grande parte do cinema mundial (não só de arte...).

Num dado momento, tudo pára: a câmara nos deixa por 26 minutos num quarto habitado por Jean Seberg e Jean-Paul Belmondo. Os assuntos são os mais variados. Na verdade, eles não importam muito, pois o importante nessa seqüência anunciadora de um desejo de cinema-verdade é a capacidade de filmar o íntimo, um momento que nunca é filmado (isso anos antes da Nova História irromper...). No quarto de Jean Seberg vemos um quadro de Renoir. Podia ser simlpesmente um quadro, mas Godard faz questão de fazer mais que isso: ao mesmo tempo que a atriz dialoga com a menina pintada, Godard dialoga com Auguste Renoir, o cinema dialoga com a pintura. Numa vitrine, Belmondo vê uma fotografia de Humphrey Bogart – outro jogo de espelhos: o ícone imóvel, a história do cinema, o cinema americano contra o íconel móvel, uma nova história do cinema e a homenagem ao cinema americano. Nisso Godard precede Sergio Leone.

Mas Godard sabe que cinema nao é pintura. E seus personagens se movimentam. Estão à bout de souffle, vivendo perigosamente até o fim (essa é uma das inscrições do filme), Michel Poiccard (Belmondo) é o desejo incontrolado e Patricia (Seberg) é a preservação (ela carrega um filho dele). Na pele dela Godard incarna o desejo do próprio registro cinematográfico, algo da permanência do instante; na pele dele vive o intenso desejo de fazer cinema e poder morrer por ele, logo viver cinema exclusivamente. Nesse ínterim, a possibilidade de aguardar dez segundos para ver Patricia sorrir.

Ruy Gardnier

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