FESTIVAL DO RIO 99
críticas dos filmes em exibição

À ESPERA DOS POMBOS, de Benoît Mariage

Bélgica, 1999

No filme belga O Muro, em exibição na mostra, alguns personagens referem-se ao seu país como "a terra do surrealismo" ou do realismo mágico. Aquele filme, porém, não usa nenhuma das possibilidades deste tipo de registro para criar uma obra interessante. Ainda bem que sobrou tempo para vermos À Espera dos Pombos e redimensionar estas possibilidades. Desde o início o filme produz uma fascinante mistura entre o realismo da vida dura nos subúrbios (cuja paisagem é mais intuída por planos gerais que mostram indústrias logo atrás das casas dos personagens do que explorada de forma clichê) e o sonho, típico do olhar das crianças, mas também neste caso, do pai delas. O filme tematiza justamente a crença numa melhora de vida. No caso do pai, isso se dá de forma obsessiva, quando ele decide que um dos recordes do livro Guiness deve ser fácil de quebrar (para ganhar o prêmio recorrente deste) e acaba colocando o filho num treinamento torturante para bater o recorde mundial de abrir e fechar portas. O olhar que permeia o filme é o da filha menor, que assiste a tudo isso com a inocência e fascínio típicos. O diretor não cria estereótipos redutores (o pai não é um facínora mas somente alguém sem medidas na luta para melhorar a vida da família), e todos os personagens (como o vizinho que treina pombos para competição) têm todos uma dimensão profundamente humana. Filmado num belo preto e branco que ressalta ao mesmo tempo o clima de fantasia e o realismo, o filme tem momentos de poesia completa como a iniciação sexual do filho ou a cena da tentativa de quebra do recorde, e seu tom entre a tristeza e a alegria, agridoce por definição, não esconde, como o final deixa claro, uma crença profunda na capacidade humana de superação. Não estetiza sem necessidades, mas também não relega a importância da beleza audiovisual a segundo plano. Uma bela surpresa escondida no Festival, para redimir o cinema belga. Eduardo Valente