O Lugar da Afetividade nas
Relações
Flexíveis de Trabalho
Estudo de quatro filmes norte-americanos

por Alexander Martins Vianna

 

Ao mesmo tempo que a interdependências dos seres humanos aumenta nos espaços integrados do capitalismo, vivencia-se o despertar onipresente de um indivíduo tensionado entre a dependência em relação aos Outros que integram o espaço e a sensação de isolamento por serem estes Outros encarados como ameaças potenciais as quais deve suplantar nas relações de trabalho. A ambigüidade do isolamento do indivíduo assim constituído afeta profundamente suas relações afetivas, sendo invadidas pela superficialidade e efemeridade da teoria dos jogos do mundo dos negócios. Tal eixo problemático se torna recorrente em muitas produções cinematográficas norte-americanas dos anos 80 e 90.

Para tratar desse eixo problemático, selecionei quatro fontes fílmicas: Presente de Grego (Baby Boom, 1987. Dir. Charles Shyer); Uma Linda Mulher (Pretty Woman, 1990. Dir. Garry Marshall); Com o Dinheiro dos Outros (Other People’s Money, 1991. Dir. Norman Jewison); Gilbert Grape – Aprendiz de Sonhador (What’s Eating Gibert Grape, 1993. Dir. Lasse Hallstrom). Nos quatro filmes, as condições das relações flexíveis de trabalho aparecem como fundo ou como superfície aos dilemas e escolhas afetivas dos personagens que, em diferentes escalas, lidam com os sentimentos de onipotência, desconfiança e isolamento emocional e social inimagináveis fora de uma sociedade que não tenha a competição desenfreada, a velocidade e a paralisia afetiva como valores e receitas para o aperfeiçoamento social e o sucesso individual.

Em Aprendiz de Sonhador, Gilbert Grape é o filho mais velho que sobrou para sustentar a casa, a mãe e o irmão mais novo alienado, junto com as irmãs, depois que o pai se suicidou e o irmão mais velho fugiu. Depois da morte do pai, sua mãe entrou em uma profunda depressão e começou a engordar monstruosamente. Assim, o pai morto, a mãe zumbi e o irmão alienado combinam-se com a paisagem morta de Endora que faz com que Gilbert nunca vá a lugar nenhum, expressão recorrentemente repetida no desenvolvimento da trama. Gilbert vive a tensão entre a responsabilidade com a família e o desejo de não fazer mais parte daquela paisagem morta; neste sentido, o enraizamento frustra suas expectativas e seus sonhos que nem seus amigos mais próximos conhecem.

A distensão ou aventura circunscrita de Gilbert é a amante, uma mulher casada com um vendedor de seguros que vê em Gilbert uma novidade segura, controlável, visto que nunca iria a lugar nenhum. A amante é uma extensão de seu trabalho no armazém, visto que também trabalha neste como entregador de compras, momento que se encontra com a amante. No armazém, sua relação com os donos é familiar, pessoal, faz parte do mesmo de Endora e contrastaria com a impessoalidade/novidade do supermercado e da lanchonete pré-moldada da cadeia Burger Barn, intrusos à paisagem.

No entanto, não apenas as relações de trabalho mudariam em Endora, mas também as relações afetivas de Gilbert com a chegada de um amor inesperado vindo de fora, tão desenraizado e nômade quanto Burger Barn, deixando progressivamente de lado a amante/lugar. Becky não têm referente com o lugar, nada lhe acrescenta, somente passa por ele, usufrui da paisagem e vai embora; ela é a possibilidade do sonho, da aposta de Gilbert, de sua plena entrega emocional, concretizável apenas quando literalmente destrói tudo que pudesse levá-lo ao enraizamento, tudo que não permitisse que sua relação com o espaço fosse flexível e, neste sentido, nivela-se à namorada e ao Burger Barn. Becky é filha de pais separados que moram em estados diferentes, o que reforça a sua condição de andarilha. Por fim, Becky leva Gilbert do lugar como a lanchonete levaria os recursos (capital e trabalho).

Como Becky, a cadeia de lanchonete é algo que vem de fora, o que a constitui não tem referência com o lugar, não gera recursos. A campanha promocional de Burger Barn promete emprego e uma nova era para Endora, mas é um simulacro: é o elo de uma cadeia que está ali mas que pode facilmente não estar. Os empregos oferecidos são subalternos, com uma possibilidade restrita de ascensão para cargos de gerenciamento de fácil descarte. Endora é uma paisagem que não contém a cadeia onde se insere Burger Barn, não pode prendê-lo a si como garantia de futuro, malgrado a nova era prometida. Os grandes escritórios, contadores e advogados provavelmente estão em algum grande centro, gerenciando os negócios através da tecnologia dos meios de transporte e comunicação.

Gilbert, para aprender a sonhar, deverá eliminar qualquer possibilidade de enraizamento. Isto é bastante emblemático, para além do clímax – a casa em chamas como sepulcro da mãe/baleia encalhada –, quando Becky lhe pergunta, em meio a um horizonte bucólico, o que sonha ter. A sua resposta acaba sendo o que ele deseja para os outros/familiares: um cérebro novo para Arnie – o irmão alienado –, que sua irmã mais nova amadureça e que sua mãe faça aeróbica. Diferente do que entendera Becky, que pensou que isto não é sonhar para si, esta era a condição ideal para que Gilbert pudesse se desenraizar, podendo se tornar um andarilho sem culpa e não um covarde fujão como foi seu pai (ao suicidar-se) e seu irmão mais velho.

A tensão afetiva entre o enraizamento e a flexibilização é recorrentemente marcada na expectativa em torno do êxito ou fracasso da avó de Becky em consertar o motor do carro. Assim, a sua relação afetiva só pode ser aprofundada quando se desterritorializa ao lado de Becky junto com Arnie – que pode morrer a qualquer momento –, escapando ao mundo do trabalho circunscrito ao lugar. Paralelamente a isso, ao fundo, os amigos de Gilbert aumentam seu enraizamento com um simulacro, o Burger Barn. Diferente de Gilbert, eles não escaparão de uma possível não concretização das expectativas de trabalho. Gilbert, desde quando lhe foi falado a respeito da lanchonete e suas promessas de emprego, sempre reagira com indiferente silêncio e acenar de cabeça.

Se em Aprendiz de Sonhador o personagem principal apenas consegue aprofundar emoções com o desenraizamento, em Uma Linda Mulher o aprofundamento das relações afetivas leva à desconstrução da postura parasitária de um grande empresário que atuava basicamente na especulação financeira, fusão, compra e revenda de massas falidas. Ao comprar o tempo de serviço de uma prostituta por uma semana, progressivamente o empresário se apaixona por ela à medida que tem a oportunidade de conhecer sua franqueza e espontaneidade.

Assim, o que poderia ser uma relação libidinosa flexível e descartável se tornar um instrumento de reflexão e de estranhamento com sua própria lógica de trabalho e relações sociais. Uma cena sintetiza tal estranhamento: sozinho em sua grande mesa de escritório, o empresário empilha copos de vidro transparentes em forma de pirâmide e seu monumento distensivo rui, concluindo a cena com um desabafo: diz que nada constrói, ou seja, nada acrescenta à paisagem, apenas he plays the game. Isto faz aumentar a tensão/espelhamento com seu advogado que, num momento de discussão, diria ser seu amigo e que não entendia o que estava havendo com ele; o empresário responderia que o advogado nunca fora seu amigo, mas de seu dinheiro e do prazer de jogar o jogo dos negócios.

O jogo dos negócios e a superficialidade afetiva do empresário se estende sobre suas relações sociais; a existência da prostituta apenas serve para aumentar a consciência de uma ausência emocional: quando a leva para uma partida de pólo, ela diria que entendia perfeitamente porque ele veio buscá-la na rua, pois sua percepção daquela elite era que as mulheres da alta sociedade casam-se, relacionam-se, com a carteira e a conta bancária dos homens de negócio, mas hipocritamente simulam afetos mais profundos que transcendam o dinheiro. Neste sentido, a relação com a prostituta é franca e aberta, aumentando involuntariamente o seu caráter sedutor.

Um momento que considero síntese do eixo problemático desenvolvido aqui é o espelhamento que a prostituta faz entre seu trabalho e o trabalho do empresário: ambos não podem sentir, desenvolver qualquer empatia pelo parceiro ou parte do negócio, apenas "fazem o que tem que fazer", ou seja, it plays the game sem se preocupar com as conseqüências de suas ações, alienando-se completamente de seus efeitos como tática de isolamento emocional.

Se a prostituta provoca no empresário questionamentos quanto aos seu way of life, este também lhe possibilita sonhar e, neste sentido, escapar da condição de mero instrumento de descarga libidinal: o sonho de Cinderela poderá acontecer na condição de que o empresário assuma plenamente a emoção que ela provoca, sem enjaulá-la, portanto, em nenhum nicho de fácil revisitação e descarte – isto é, torná-la uma amante de luxo, um prostituta de salão, como já são suas "amigas" da high society. Por ela também se apaixonar por ele, que a fez esquecer momentaneamente que estava ali por ser uma prostituta, não podia mais aceitar tal condição em relação a ele; daí, ao final de uma semana, uma situação de escolha se desenha: ela não o quer ver mais a não ser que ele possa oferecer-lhe o sonho.

É importante salientar as explicitações que a existência da prostituta provoca a respeito das superficialidades das relações humanas: entre o primeiro e o segundo momento em que vai às compras – num típico sonho consumista em uma paisagem que é símbolo disto nos EUA, Bervely Hills –, o tratamento muda quando ela veste a roupa adequada e se torna, para os vendedores, um cartão de crédito. Aliás, a título de digressão, gostaria de lembrar que tal tema é apresentado com uma roupagem jocosa e extrema em Addams Family Values (1993), onde uma loura psicótica que não sabia ouvir não – tal como as crianças ricas e privilegiadas da colônia de férias cujas cenas se desenvolvem simultaneamente – é pulverizada por uma descarga elétrica, sobrando dela apenas os sapatos e o cartão de crédito.

Em Uma Linda Mulher, a prostituta possibilita ao empresário uma relação menos distanciada com a paisagem urbana, redescobrindo possibilidades de reencantamento em coisas simples como passear no parque, comer cachorro-quente e sentir a grama sob os pés – o que me parece restaurar um certo grau de enraizamento a partir das formas de lazer médias símbolos de uma América anterior à crise de referência pós-industrial.

Os dois últimos filmes a serem analisados cercam o último período do governo de George Bush, com sua política de contenção de despesas em seguridade social como forma de combate ao crescente aumento do desemprego. Presente de Grego e Com o Dinheiro dos Outros desenham a conclusão de nosso eixo problemático: as relações de trabalho oferecidas aos altos escalões deveriam ser encaradas como necessariamente opostas a um aprofundamento das relações afetivas, a um sentimento de responsabilidade com o Bem-Estar dos Outros? Até que ponto it plays de game pode trazer satisfação?

Enquanto em Presente de Grego o clímax leva à conclusão de que as relações afetivas não devem ser sacrificadas ou ser encaradas como sacrificáveis face aos sucesso de uma carreira ou negócio, em Com o Dinheiro dos Outros a cisão é vista como inevitável: há uma clara opção pelo jogo antes que pelo afeto; há o desejo de suplantar mais do que construir. It plays right the game é uma obra de arte que se basta.

Presente de Grego inicia com uma narrativa estatística que aponta o sucesso das últimas três décadas das mulheres em postos profissionais que antes eram considerados como tipicamente masculinos: médicos, advogados e altos cargos executivos. Tudo é marcado pela velocidade e agitação para fazer claro contraste com a situação que seria vivida posteriormente por J.C.Wyatt, ou a "Tigresa", como gosta de ser chamada, ao ter que lidar com uma maternidade inesperada – uma maternidade que era herança de um primo morto em um acidente de automóvel. Até então, J.C.Wyatt era literalmente casada com o trabalho, tendo clímax libidinal mais em negociações bem sucedidas do que com o parceiro com o qual dividia o apartamento – também casado com o trabalho.

O sucesso profissional de J.C.Wyatt possibilita um convite para se tornar sócia da companhia para a qual trabalha. A conversa que tem com o seu chefe é exemplar da cisão que se desenha entre realização profissional e vida pessoal. Durante a conversa que tem com o chefe, este a esvazia de seu gênero, dizendo sempre tê-la visto como homem – e ela encara isto como elogio, sinal de uma aparente igualdade de condições – e esclarece que ao se tornar sócia a sua vida mudaria mais ainda, não havendo tempo para que ela pudesse pensar em constituir "uma família de verdade", ou seja, ter filhos e casa para administrar. O chefe afirmaria ser um privilegiado por poder ter as duas coisas, ou seja, ter mulher e filhos (netos) em casa e sucesso profissional, não ocultando que J.C.Wyatt, como mulher (ou homem des-fálico), não poderia ter. J.C.Wyatt tranqüilizaria seu chefe dizendo que isto não seria problema, pois o seu parceiro nunca lhe criaria este tipo de constrangimento: o que os torna um casal é o amor ao trabalho, é o interesse pela conversa de trabalho que os aproximou; aliás, sua vida doméstica, inclusive a própria cama, é uma extensão do escritório. Neste sentido, o seu casamento é perfeito posto que não cria impeditivos para sua carreira yuppie: o próprio sexo do casal é um interlúdio entre um trabalho e outro, mas não tão pleno como conseguir um bom negócio.

Quando o bebê surge na vida da executiva, tudo muda: perde o marido e o status profissional ao tentar conciliar a maternidade responsável com o trabalho. Em nenhum momento o local de trabalho abre nichos para que ela possa sobreviver como mãe a não ser quando a maternidade também se torna um bom negócio. Isto acontece depois que deixa a empresa e vai morar no campo em uma casa cheia de problemas de manutenção. Depois de ter uma crise histérica por ter que lidar com coisas que destruíram progressivamente o seu paraíso bucólico sonhado, J.C.Wyatt resolve voltar para Nova York. No entanto, sem dinheiro, tenta conseguir algum vendendo purê com as maças que colhera de seus próprios alqueires de terra. Ela inventara o purê para dar à filha e repentinamente descobre nisso um importante filão no mercado de comida para bebês, transformando sua casa no campo e seu celeiro em uma firma de médio porte que rapidamente ganha as manchetes dos noticiários econômicos de Wall Street.

Finalmente, chega o momento do retorno triunfal da Tigresa: o seu antigo chefe a convida para retornar à firma e lhe propor um negócio. Quando chega lá, a criança que havia se tornado uma marca de Mercado – Baby Country – é agora esperada com um presente, deixando de ser vista como um estorvo depois que se enquadrou no patamar afetivo de "bom negócio". Mas J.C.Wyatt não havia levado o bebê, frustrando as intenções de paparicos circunstanciais, e recebeu a seguinte proposta pela venda da marca de sua empresa: 20% de participação nos lucros; cargo de diretora executiva da Baby Country com um salário anual de US$ 1,5 milhões de dólares; um apartamento e férias de 40 dias ao ano; e a oferta de US$3 milhões de dólares pela sua marca. A excitação toma conta da Tigresa, que pede um pequeno intervalo para pensar: sai da sala de reunião, vai ao banheiro e, quando volta, o caminho até a sala de reuniões parece longo e aquela paisagem não mais a seduz. Finalmente, entra na sala e diz não aceitar o negócio, dirigindo palavras bem específicas para o antigo chefe: acreditava que poderia ter tudo, ou seja, sucesso profissional, maternidade e um amor de verdade – o veterinário Jeff Cooper. A cena final ratifica tal idéia: a executiva volta para sua casa no campo e, ainda enquanto executiva, pode desfrutar de horas tranqüilas ao lado de sua filha e do seu amor, contrastando, pois, com a sensação de frustração de uma cena onde aparecia tentando correr solitária com o carrinho de bebê em meio à multidão e no mesmo ritmo de uma executiva transeunte, descobrindo que não mais podia manter o mesmo ritmo. Este ritmo era desumanizante e devia ser questionado, daí, a cena final desconstrói a oposição desenhada desde o início entre sucesso profissional numa sociedade pós-industrial e o aprofundamento das relações afetivas.

Com o Dinheiro dos Outros se divide em dois elementos-força absolutamente opostos: a moribunda Wires and Cables Company, baseada na relação fordista de trabalho e produção e personalizada por Andrew Jorgenson; e o predador da especulação financeira de Wall Street, Larry Garfield. Para se proteger das maquinações de Garfield, Jorgenson contrata a sua filha, a advogada Kate Sullivan, acostumada às disputas jurídicas das altas finanças de Wall Street. Garfield se apaixona por ela e fica dividido: se levar em frente a sua idéia de fechar a Wires and Cables Company e tornar o seu capital mais lucrativo para toda a corporação, perderá qualquer chance com a bela Kate; se não levar adiante o seu plano, estará jogando mal o jogo e perderá outra coisa que ama, manipular lucrativamente o dinheiro dos outros. É digno de nota a maneira com que a linguagem dos jogos financeiros invade os jogos de sedução de Kate e Garfield, sendo que este funde os dois porque fazem parte do mesmo componente existencial de sua vida e, por isso, não consegue escolher.

O embate entre Jorgenson e Garfield culmina quando este consegue comprar as ações de um dos acionistas e amigo pessoal de Jorgenson, ficando em condição de se candidatar para a presidência da corporação. Assim, emblematicamente, a sede das eleições foi a Wires and Cables Company, posto que o resultado da eleição decidiria o seu destino. Antes que começassem as votações, Jorgenson e depois Garfield discursaram.

Jorgenson representa o mesmo incômodo com a sociedade pós-industrial sentido pelo empresário de Uma Linda Mulher. O seu discurso é o antípoda do prelúdio do filme, quando Garfield dizia gostar mais do dinheiro do que daquilo que ele pode comprar. Para Jorgenson, a empresa é mais do que o estoque, é uma possibilidade de fazer amigos, é um lugar de convívio; que Deus deveria salvar a América da onda pós-industrial, que só teria criado um paraíso para advogados e especuladores que, pior do que os tirânicos barões do passado, não deixavam nada por onde passavam pois nada construem. A sua corporação havia superado uma recessão e duas guerras mundiais, por isso, acreditava que, tão logo a iene enfraquecesse e a crise recessiva dos anos ’80 passasse, a empresa voltaria a dar lucro. Além disso, os sócios não deveriam esquecer sua responsabilidade com a comunidade.

Logicamente, a relação nostálgica que Jorgenson tem com o passado deve ser medida pelo estranhamento que mantém com o mundo da especulação de Wall Street, fazendo-o idealizar uma América do consenso, que fora garantido pelo crescimento econômico dos anos ’40 e ’60 e um forte incentivo estatal em infra-estrutura e seguridade social que garantiram uma dinâmica constante de consumo. Neste contexto, a redução da desigualdade social teria dado a impressão de que a expansão industrial aos moldes fordista-keynisiano garantiam um nivelamento social que embotava o comunismo como única alternativa para uma sociedade igualitária.

O discurso de Garfield não só representa a visão neoliberal mas também fere de morte a imagem do consenso querida por Jorgenson: Garfield afirma que nenhum dos sócios presentes à eleição comprou ações pensando na comunidade, mas porque queria ganhar dinheiro, pouco importa a sua origem ou suas conseqüências. Além disso, a Wires and Cables Company pagava o dobro de cargas fiscais em comparação ao começo dos anos ’80, enquanto a empresa lucrava seis vezes menos. Neste sentido, a empresa vale mais morta do que viva e seria mais honesto que os sócios fechassem-na, ganhassem o dinheiro da indenização e investissem em outros lugares em coisas mais lucrativas. Nisto residiria sua verdadeira contribuição à comunidade. Uma empresa que esperasse pelo fim da recessão teria uma morte lenta mas certa.

Uma das características do mundo do trabalho nos anos ’80 e ’90 é justamente a expansão do setor terciário em relação ao setor secundário. Neste novo quadro, a multiespecialização tende a ser mais valorizada que a antiga formação profissional que tornava os empregados especialistas de uma única função. No entanto, não se deve esquecer que tal padrão não atinge a todos os setores ou campos profissionais, estando mais marcantes nos escalões profissionais estratégicos. Em torno destes, gira um conjunto de subespecializações marcadas pela contratação precária do trabalho. A instalação de grandes corporações estrangeiras nas áreas periféricas aos grandes centros econômicos mundiais tornou menos custosa a demissão e/ou reaproveitamento profissional e integrou redes diretas e indiretas de empregos que abarcam, inclusive, relações de trabalho não-assalariadas. Da mesma forma que surgem na paisagem dos lugares para usufruir e serem usufruídas, tais empresas podem desaparecer tão logo outros lugares ofereçam condições de investimentos mais atraentes ou seu filão de atividade se esgote. Esta é a tragédia possível de Endora em Aprendiz de Sonhador, a tragédia vivida por Wires and Cables Company em Com o Dinheiro dos Outros e a tragédia quase vivida pelo estaleiro e seus empregados em Uma Linda Mulher. Em nenhum dos filmes analisados ocorre a conciliação do desenvolvimento e resgate das potencialidades, criatividade, sensibilidade e afetividade humanas com a paisagem onde surge as relações possíveis de trabalho.

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