Alphaville

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Eddie Constantine em Alphaville

Para você que não gosta de samba, eu explico: existe uma canção de João Nogueira e Nei Lopes chamada "Baile no Elite", que narra uma noitada na lendária gafieira do Elite, onde a animação ficava por conta da Orquestra Tabajara de Severino Araújo e o crooner era, nadamaisnadamenos que Jamelão, mangueirense de status. No final da canção descobre-se que "foi tudo um sonho, se acabou", pois "a Tabajara é muito cara e o velho tempo já passou". Mas o barato, além do estilo Kid Morengueira, é a alfinetada no nosso "Garoto de Ipanema", Nelson Mota. João sussurra, ao final: "seu Nelson Mota deu a nota que hoje o som é rock’n roll". Acontece que assistindo ao Manhattan Connection, programa pela TV a cabo onde NM bate um papo com seus amiguinhos novaiorquinos, ouço, com bastante humor, a seguinte frase: "Jabor, como éramos imbecis naquela época. Hoje em dia eu revejo Alphaville do Godard e penso ‘que porcaria, que filme ruim!’" Pois bem, como podemos observar, tall and tan, o "Garoto de Ipanema" continua dando a nota errada.

Poderia adivinhar-lhe os motivos para tamanho despropósito. Mas não interessa. O que importa é que Alphaville não é somente uma projeção anárquica, estilizada e lírica sobre o futuro do mundo ocidental. De modo que não cabe saber se o filme erra ou acerta nas preleções. Interessa identificar, na bagunça armada pelo projeto-Godard (muito semelhante ao projeto-objeto de outro iconoclasta, Frank Zappa), o que ele sugere sobre o futuro, enquanto premonição (?) e o que ele transporta para o futuro para "facilitar" o acesso a outras realidades semelhantes e complementares ao pré-68. Este segundo aspecto é o melhor do filme, pois trata-se dos sintomas de uma transição para o Godard de Duas ou três coisas... e, mais precisamente, para A Chinesa e toda a fase "politizada", pré-Dziga Vertov.

Não esperem portanto o militante, mas o observador estratégico e mordaz. Logo no início ouvimos "é sempre assim: nada entendemos e, um dia, morremos." A França é pintada como um compartimento dentre outros, dos quais os terráqueos chamam "galáxias". Godard anteviu as grandes corporações privadas, que dominariam o mundo (basta dizer que hoje, os 400 homens mais ricos possuem mais da metade do dinheiro do planeta); pensou o esvaziamento da imagem e seu poder significante; pensou o destino da palavra no mundo das imagens ("trés bien, merci, je vous en prie"); pré-viu o mundo de uma via, sem alternativas, ou seja, um e somente um padrão lógico, cabível a tudo e a todos,. como reflexo de um mundo "globalizado", próximo-distante e fragmentado. Há referências ao que se tornou crime neste mundo Sci-Fi: chorar, viver de maneira ilógica, mentir, etc.

Nada obscuro e bem humorado, Alphaville é um clássico da ficção-científica, do pastelão e das touradas.

 

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