Amor Além da Vida
(What Dreams May Come),
de Vincent Ward (EUA, 1998)
Como falar mal deste filme parece chutar cachorro morto, uma vez que todos já o fizeram, fui ao cinema com um só intuito: arranjar motivos para defender Vincent Ward. Afinal quem já fez Navigator pode até errar na mão, mas nunca transformar-se no idiota completo que pregava a imprensa. E a surpresa minha foi que de fato achei motivos para defender o filme.
O maior deles é que ele se arrisca o tempo todo. Numa era de narrativas caretas, historinhas chinfrins de um falso realismo ilusionista, e milhares de filmes medíocres a serem esquecidos ao primeiro chopp pós-sessão, Ward ousou tentar muitas coisas que nunca tinham sido feitas. Na maioria, com certeza, errou a mão. No entanto prefiro aquele que erra tentando ao que não se arrisca a errar. Verdade seja dita, Amor Além da Vida é o filme visualmente mais fascinante saído de Hollywood em anos. As tentativas de Ward, com seu fotógrafo e equipe de efeitos visuais, de criar uma possível imagem do paraíso e do inferno tem momentos de extrema beleza. Além de outros de extrema breguice. E o filme caminha nesta tênue linha o tempo todo: consegue uma cena fantástica e a segue com uma inacreditavelmente brega, e assim por diante.
Porém, afirmo, nas cenas fantásticas que consegue o filme é mais interessante do que 80% do circuitão comercial atual. O início, por exemplo, é de um romantismo tosco, com o caso de amor publicitário de Robin Williams e Annabella Sciorra. Em seguida temos as mortes dos filhos do casal e de Williams, que permitem cenas duras e bastante soturnas, além do efeito belíssimo conseguido para fazer o personagem do "além" de Cuba Gooding Jr um ser "fora de foco". Aí, o filme vai para o paraíso, que, simulando telas de pintura do imaginário de Williams é construído de forma inédita no uso de efeitos visuais. Estes são os mais belos momentos do filme, pois pegam o espectador de surpresa, e os flashbacks que passam a aparecer se sucedem num ritmo hipnótico quase experimental, numa proposta de imersão no filme. Quase psicodélico, este pedaço do filme é bela e contemplativa.
Com o suicídio de sua esposa, Williams precisa ir ao Inferno buscá-la. Embora mal realizada, não se pode deixar de admirar a coragem de Ward de realizar tal epopéia de um Dante, com todo o artificialismo, na Hollywood naturalista. Há verdadeiros tableau vivants construídos, especialmente na entrada de Max Von Sydow em cena. Mas é verdade que daí ao fim o filme é brega que só ele, com o encontro com os filhos, a salvação da mulher pelo amor, a reencarnação (esta chega a doer), e um inferno que, embora bem construído, em nada foge aos clichês esperados.
O filme resulta extremamente imperfeito, mas minha missão foi cumprida: achei o toque de um diretor interessado em ousar, seja neste caso visualmente e na estrutura narrativa, se não na estória e seus detalhes. E, em meio a meus devaneios de "intelectualóide" na saída me encontrei com jovens que já perderam pai ou mãe chorando com a simples humana necessidade de ilusão de que haverá um reencontro; e casais mais iludidos ainda acreditando por um momento na existência do tal amor eterno. E quer saber, já que a felicidade, mesmo que momentânea (e todas o são), não tem preço, sei lá se não vale a pena dar isso a algumas pessoas ao invés de satisfazer os exercícios analíticos de uns panacas como eu.
Eduardo Valente