FESTIVAL DO RIO 99
críticas dos filmes em exibição

   ARMADILHAS, de Vera Chytilova

República Tcheca, 1998


Como um fã do cinema do europeu, encontro-me sempre pronto a assistir com olhos especialmente carinhosos os exemplares do cinema desta região, que geralmente só chegam até nós nas mostras e festivais. Por isto, este filme apelava para o meu imaginário pré-sessão como poucos na mostra. O cinema do leste europeu e ex-repúblicas soviéticas tem como marca básica um registro entre o hiperreal e o surreal, geralmente com poucas gradações intermediárias. Fala-se do realismo mágico latino, mas os exemplares do melhor cinema da região da ex-Cortina de Ferro costuma exacerbar muito mais o real e o fantasioso, sempre com um imaginário fortemente marcado pelo seu dia a dia. É um cinema muitas vezes feito com poucos recursos, mas muito coração.

Isso dito, o filme de Chitilová começa especialmente empolgante com as cenas de uma crueza atroz de uma castração de porcos (confesso que não vi tudo, tive que virar os olhos...), cortando para duas relações sexuais entre personagens do filme. A idéia básica está já nestes poucos minutos promissores: a relação dos homens (porcos) com o sexo e seus impulsos.

Apesar de toda promessa deste início, infelizmente Chitilová perde a mão da sua estrutura de filme justamente por tentar construir uma história excessivamente baseada nos artifícios tradicionais do cinema narrativo. Como seu início mostrava, não era esta a mais óbvia escolha. O filme segue misterioso e diferente como seu início até uma cena de festa que leva a um estupro, e daí para a castração de dois homens pela mulher estuprada. Daí em diante a história ralenta em torno das mesmas idéias, e vira uma trama de personagens, sendo que construir personagens (no sentido psicologizante tradicional do cinemão narrativo) não é exatamente o forte da maior parte do cinema do leste europeu, e não é o caso aqui também. O enfoque claramente feminista, por si só, não é fator de interesse ou desinteresse, mas acaba diluído justamente pela duração excessivamente longa e desconjuntada das idéias da diretora. O resultado é um filme com idéias bastante desconcertantes, mas que denuncia um certo descuido de realização, especialmente no que diz respeito à sua montagem final, desperdiçando material dos mais contundentes.

Eduardo Valente

 

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