FESTIVAL DO RIO 99
críticas dos filmes em exibição

   O CADETE WINSLOW, de David Mamet

EUA, 1998


O objetivo maior da arte é se superar sempre, definindo novas possibilidades estéticas e alargando as formas de compreensão da realidade. Essa ânsia, as vezes doentia, faz das vanguardas um pouco cegas ao se negarem a perceber que a linguagem é única e que a criação só existe em cima de um mesmo sistema de códigos que por sorte ainda não estão totalmente mapeados. Militar por uma evolução estética, antes de tudo exige um total domínio da linguagem usada e qualquer imposição revolucionária, sem a devida fundamentação nesse universo de signos do qual faz uso, já nasce vazia, falsa e sem capacidade de se firmar como base para futuras criações.

Neste visualmente impecável O Cadete Wislow David Mamet parece trilhar o único caminho possível hoje em dia rumo a um real engrandecimento das possibilidades da linguagem cinematográfica. Parece que negando todo e qualquer vínculo com uma vanguarda que levaria o cinema para um mundo novo e cheio de uma linguagem nova (o que, como já foi dito, é impossível), Mamet mergulha de cabeça na boa e velha linguagem cinematográfica, sem firulas e sem montagens mirabolantes, buscando extrair o máximo que consegue de significação nesse vasto universo ainda inexplorado. Na tela, as situações tem importância quando despertam uma reação nos personagens. Só assim é que a narrativa se desenvolve. É uma obra para pessoas onde elas contam os fatos vivendo-os da sua maneira. Não interessa reconstruir para o espectador o acontecimento que levou a uma certa forma de agir. A maneira como as relações dos personagens se desenrola já é capaz de mostrar tudo dando uma liberdade de associação e interpretação enorme para quem vê o filme. É graças a essa forma de filmar que cada plano, apesar de convencional, carrega no seu interior uma quantidade enorme de realidade. Porém, essa realidade não está simplesmente construída por esquemas de representação já bastante conhecidos do público. É uma realidade que assume um caráter menos impositivo nas suas significações, e assim não se faz tão ilusória.

Extremamente modesto em relação à uma possível vanguarda, o filme tem mais direito de ser visto como arte do que qualquer outro cheio de pretensões mal controladas. Percebendo do que esse cinema clássico ainda é capaz, Mamet ocupa um lugar privilegiado no grupo de cineastas preocupados com a impossibilidade de criação no fim do milênio, e ao se fechar no convencional, esse filme ultrapassa suas bordas, chegando a um nível de atuação sobre a linguagem que nenhum moderninho, com câmeras tortas, vai conseguir.

João Mors

 

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