Cenas de Praia (Ano natsu, ichiban shizukana umi),
de Takeshi Kitano (Japão, 1992)
Ruy GardnierCenas de Praia apresenta a montagem mais selvagem de Takeshi Kitano que se pôde ver até hoje. É um filme que faz do minimalismo uma regra de conduta e do rigor do plano um modelo de composição. Terceiro filme de sua carreira e seu primeiro cujo tema não é a violência, Cenas de Praia é entretanto um filme doce, talvez a obra mais lírica de Kitano. É a história de um menino e uma menina; ele quer ser surfista; ele é surdo. Com essas características básicas, que aliás se enquadram na proposta radical do filme, de depuração quase total da mise-en-scène, Takeshi Kitano realizou um de seus mais belos filmes, o único em que o descontentamento e a desesperança não estão presentes.
Como sempre, em seus filmes, os jovens são aprendizes. A câmara segue o jovem Shigeru (e sua fiel escudeira) pela loja de pranchas, pelos primeiros contatos com o mar, pelos concursos de surfe. A história não conta nada mais além disso. A sucessão dos planos que no cinema de Kitano é sempre imprevisível mas extremamente coerente não dá conta de uma narratividade, mas antes de um ritmo, de uma musicalidade (cf. a crítica de Hana-bi, edição de janeiro, aqui reeditada nesse especial). Não é à toa que um de seus filmes se chama Sonatine.
Musicalmente, os temas se desenvolvem em pequenas notas, sempre discretas, de uma ironia fina (o riso, vindo sempre do abobalhamento, é uma constante em seus filmes). Essas notas jamais vão construir uma sinfonia: Kitano está distante dos cineastas sinfônicos como Eastwood ou De Palma. Não há ápice dramático ou clímax narrativo. Cenas de Praia desenvolve-se plano por plano, à maneira que degusta-se um prato garfada a garfada. Longe do épico, o final do filme acontece pela ausência: um objeto sem dono explica tudo de uma vez só, num anticlímax tão belo como doloroso. Como sempre em Kitano, a natureza é mais forte que os corpos.