Clube da Luta (Fight Club),
de David Fincher (EUA, 1999)

Nada sobre Mauá

David Fincher já tinha um filme-culto para os moderninhos de plantão: era Se7en, filme em que o espectador não sabia se se identificava com a lógica fria e rígida do serial killer ou a falta de lógica do bom policial. O estilo do diretor também ficava nesse meio de caminho. Tratava-se de diversos efeitos herdados do videoclip e do comercial de televisão para ilustrar um enredo muito rastaqüera e uma filosofia de padaria das piores encontráveis. Mas era apenas um primeiro filme (o verdadeiro primeiro filme, Alien3, foi mero fruto da substituição do diretor Vincent Ward) e não sabíamos se a ambigüidade moral e estética eram apenas alguns pilares faltantes ou constituíam a "essência Fincher".

Com Clube da Luta — depois de um não-visto The Game, seu filme seguinte a Se7en —, essa "essência Fincher" fica mais clara. Trata-se de uma velada propaganda das formas "espartanas" de comportamento social frente ao conformismo e a infelicidade contemporâneos. Nem tanto assim, afinal de contas, pois nenhum tipo de integralismo — a nao ser o integralismo do mercado, da "concorrência" — poderia ser defendido num cinema megaempresarial. Fincher revela um fascínio sobre o tipo integralista de conduta e seus slogans: volta a um tipo mais 'primordial' de existência, o uso da força contra o inconformismo, o coletivo valendo absolutamente e o individual relegado, etc. É claro que tudo isso no filme aparece apenas como um flerte, mas de qualquer forma como uma tentativa possível.

Tudo começa quando um personagem — interpretado por Edward Norton e que permanece sem nome até a conclusão do filme — resolve nos contar como a sua vida era ruim quando ele era um graduado trabalhador de uma grande companhia de seguros que gostava de passar para trás seus clientes. O estresse diário era tanto que ele mal conseguia dormir. Sua salvação foi encontrar os grupos de auto-ajuda, aqueles famosos grupos de 'Anônimos': com tanta experiência de sofrimento e relatos de existências traumáticas, nosso personagem podia finalmente dar vazão a toda sua ira chorando copiosamente nos braços de homens sem testículos, tuberculosos ou portadores de câncer de pele. Se toda essa primeira parte do filme ainda carrega uma certa graça de humanismo ao filmar esses grupos de anônimos, a despeito de algumas deselegâncias estilísticas e das piadinhas deslocadas e de mau gosto, já podemos ver para onde o filme lentamente nos leva.

Mas é só quando aparece o fortinho Tyler Durden (interpretado por Brad Pitt), numa dessas burocráticas viagens de avião, é que o personagem de Norton é finalmente capaz de mandar para o inferno toda a sua vida anterior para montar junto com Durden o tal Fight Club onde a rigidez e os 'valores viris' devem predominar. Nessa passagem de deprimido do sistema até clubinho protofascista, alguns puderam visualizar uma explicação psico-sociológica para o acontecimento dos microfascismos, ainda mais pelo delírio psicológico do qual só temos noção no final do filme e que, por motivos óbvios, esse texto não mencionará. Mas essa explicação, caso seja realmente uma tese do filme, revela-se tristemente simplista, pois tentar caracterizar a experiência integralista somente a partir de um estado de coisas conformista e de um complexo psicológico de impotência é infeliz, redutor e não dá conta das manifestações que a História já acolheu.

O passo seguinte do fight club, contido na proposta inicial do grupo, é a destruição dos grandes prédios de gerenciamento dos cartões de crédito — sem crédito o mundo poderia como que nascer de novo, ao mundo seria dada uma 'outra chance'. À essa possibilidade, David Fincher nos dá uma interpretação patética, ainda mais se a compararmos à 'outra chance' que é dada ao mundo no Fuga de Los Angeles de John Carpenter. Fincher visualiza o fim do capitalismo ocidental à maneira de um bon-vivant debilóide: vendo do alto de um arranha-céus, com uma mulher inócua (a graciosa Helena Bonham-Carter: a misoginia nos filmes de Fincher é patente, sendo a ação dos filmes um assunto de homens), com uma (excelente) música dos Pixies ao fundo, que comenta o estado mental do personagem. Ao contrário, Carpenter é um verdadeiro anarquista: o mundo pode ter uma 'outra chance' da mesma forma que um cigarro é acendido, em plena liberdade, sem as pieguices da moda ou grafismos desnecessários e desimportantes. A dimensão da liberdade está fora do filme de Fincher, da mesma forma que a instância individual, e a caracterização — ora como drama, ora como pastiche de drama — só privilegia as figuras de ordem, tanto no plano narrativo como no estético (o filme é um "espetáculo"). A única salvação do filme, como do personagem, seria o feminino como instância de liberdade — liberadora da paranóia e do jogo social. Mas o máximo de feminilidade que Fincher prefigura é uma simples companhia prescindível enquanto o mundo explode. Notas sobre o hiperconformismo contemporâneo.

Ruy Gardnier

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