De Caso com o Acaso (Sliding Doors),
de Peter Howitt (Inglaterra, 1998)

 

É impossível, com a estréia quase um ano depois de sua exibição no Rio Cine, não pensar em Corra Lola Corra quando se analisa De Caso com o Acaso. Isso porque embora o filme inglês tenha sido lançado um ano antes, o fato de estarem juntos no circuito ressalta que ambos partem da exata mesma premissa: um fato que se dê de forma levemente diferente na vida pode alterar tudo que se segue. Entretanto, as semelhanças entre os filmes praticamente param aí. E com se poderá ver, para sorte do filme inglês.

Isso porque embora o filme não se proponha a ser mais que diversão leve, o faz de forma honesta, inteligente, e muitas vezes mais inovadora que seu pretensioso companheiro alemão de circuito, que disfarça o seu completo vazio e "som e fúria significando nada" em troca de bitolas, movimentos de câmera, fotografia estilizada, montagem videoclipesca, como se ao causar um "overload" de informações no espectador ele não fosse perceber que o vazio domina. O filme inglês é muito mais "tradicional" na linguagem, e no entanto bem mais transgressor. Enquanto Lola é, em verdade, um exercício de roteiro bobo e previsível, no De Caso com o Acaso o diretor intercala as duas possibilidades de história, cortando de uma para a outra muitas vezes em continuidade, o que dá grande mobilidade sem precisar correr com a câmera e torna imprevisível a narrativa. É muito verdade que este filme se utiliza de artifícios explicativos óbvios (para não confundir arranja cortes de cabelo diferentes para a personagem, e assim sabemos logo em qual história estamos), tem um final incomodamente moralista. No entanto é um filme muito mais agradável e inteligente, sem nunca se disfarçar de ser mais do que é; enquanto o alemão começa com um deplorável discurso filosófico e se acha muito cult e inteligente, e faz uma coisa vazia e cheia de baboseiras...

Talvez no entanto a maior crítica que se possa fazer a ambos os filmes é a de não levar a cabo ideologicamente sua principal premissa. Os diretores não acreditam de fato no tal caos que pode dominar a vida, mas sim no caos controlado, pois só se permitem ver determinados momentos de mudança bastante óbvios, quando podiam mergulhar muito mais fundo na estrutura narrativa. É a ordenação do caos. Ambos parecem convergir para o final que se esperaria (por si só uma heresia com o caos), no caso do filme inglês insinuando até que o destino existe e domina completamente a teoria do caos, contradizendo todo o filme. Com esta imensa ressalva, deve-se reforçar que, pelo menos, se De Caso com o Acaso não chega a impressionar pelo rigor ou inteligência, ao menos é honesto consigo próprio e com o espectador.

Eduardo Valente

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