Filmes da TV:
Felizes Juntos
(Happy Together)
e
Anjos Caídos
(Fallen Angels)
de Wong Kar-Wai
(Hong Kong, 1997)
Chang Chen em Happy Together
Os filmes de Wong Kar-wai habitam um mundo próprio no cinema contemporâneo. Antes de tudo um artista das cores, seus filmes entretanto não se parecem com os outros filmes de "direção de arte", como Reviravolta / U-Turn (Stone), O Livro de Cabeceira / The Pillow Book (Greenaway) ou os filmes de Michal Winterbottom (Butterfly Kiss ou Bem-vindo a Sarajevo). Em seus filmes, nenhuma estetização parece ausente de sentido. Os ângulos em diagonal, a fotografia granulada, os filtros, a montagem rápida: todos esses elementos aproximam o cinema de Wong, à primeira vista, da estética do videoclip, descerebrada menos por sua essência do que por seu uso. Só que seus filmes, ao contrário, submetem sempre a "forma" a algo que vai além dela, que é a sua vontade de fazer histórias, de dar conta das mudanças e do estado do mundo contemporâneo. Não é à toa que ele é da China capitalista, onde a circulação de informações e de poluição visual é uma das maiores do mundo (como podemos ver em outros filmes de outros diretores, como Adeus ao Sul de Hou Hsiao-hsien ou, de forma mais amainada, em Vive l'Amour e O Rio, ambos de Tsai Ming-liang). Talvez seja aí que forma e conteúdo não façam mais diferença, dando origem a uma instância que, por ora, podemos chamar de narratividade. E essa narratividade no cinema de Wong é acima de tudo uma defesa do indivíduo num mundo reificado. Mas quem imagina que isso faz de seus filmes peças "indigeríveis" ou desagradáveis perdeu o ponto. Wong nunca passa do limite da história. A ponto de fazer dessa reificação objeto de estética: em Anjos Caídos (Dia 8, às 13:00 na HBO) os círculos de convivência dos personagens são tão poucos que os encontros se tornam matemáticos (A-B, A-C, B-C, etc.); em Felizes Juntos (Dia 7, às 22:20 na Telecine 5) uma viagem à Argentina leva os dois personagens a refazer todo o círculo de afetos.
Possivelmente "anjos caídos" seja a melhor definição para caracterizar os personagens de Wong. Eles mantêm com o mundo uma dupla relação de alegre melancolia e esperança infinita. Os personagens trabalham sempre no íntimo (comem pêssegos, vendem sorvete, etc.), mas Wong os alça ao social: viver a vida é o que nos basta. Daí podermos sair tão sorridentes e esperançosos com seus filmes. Nesse sentido, podemos aproximar Wong de Richard Brooks, cineasta-padrão da opção individual nos anos 50-60 em Hollywood. Nos dois, o vetor que vai fazer com que tudo funcione é menos uma subjetividade do que a vontade em continuar vivendo. Quanto a isso, Wong nos mostra claramente: ele pode fazer em Felizes Juntos um filme quase todo depressivo, desde que no final essa depressão sirva para potencializar o happy-end. E isso nos basta.
Ruy Gardnier