JLG/JLG
Auto-Retrato de Dezembro
(JLG/JLG Autoportrait de Décembre)
Como imaginaríamos uma biografia de JLG por JLG? Ora, isto é absurdo: o homem que irrelevou o "tempo cinematográfico" (o tempo que "dá conta" da ação e do cotidiano) pode responder por uma cronologia? Estranha pergunta, porque Godard fala muito pouco do sua história neste auto-retrato. A pergunta mais correta giraria em torno da questão "como construir uma biografia anulando a cronologia, desconstruindo os dados passados e sua continuidade?" Aqui ele procede desinteressadamente, criando passagens para o diálogo entre a bagagem e a velocidade/vivacidade de seu cinema. De modo que este belíssimo/brevíssimo filme é constituídos por encadeamentos aparentemente ilógicos, porém fecundos.
a) Godard mata a cronologia, preferindo o auto-retrato. Ele anula o peso do tempo e instaura em seu lugar um regime mnemônico confuso onde enumera uma série de feitos passados e evoca elementos de sua formação para mesclá-los com seu presente: trabalho, tristeza, solidão, fé e descrença, leituras...Enfim, uma auto-fotografia, uma fixação, uma chapa de Kinrley, reveladora de imagens, intensidades, energia.
b) No entanto, não basta colar os fatos num mapa, ao léu, produzindo poesia e reinventando estilo. Godard se presta a alguns "comentários imagéticos" dos quais gostaria de comentar.
b.1) Imagens estáticas: elas são uma tentativa desesperada de suscitar no espectador certa nostalgia da imagem, como se pudéssemos restituí-la do desgaste a que se encontra submetida.
b.2) Descentramento: são breves os momentos onde se esclarece tratar de uma biografia. Godard propõe uma montagem onde um esquema "político cultural" (arte ¹ cultura, criação ¹ regra) se encadeará com diálogos cotidianos (dia-a-dia da Sonimage), que por sua vez se conectará a fotos da infância, geografia e respiração. Descentramento como fuga paradoxal de um eixo.
O final traz uma justificativa geral (embora não acreditamos-na consciente): o cinema como canal possível para o amor. Não o amor de casa-significados, em nome da santa família, amém. Mas o múltiplo amor de Godard, que irrompe com a feitura do filme. E ele próprio é a expressão deste amor, nele está contido. É show de bola!!
Bernardo Oliveira