Leila (Leila),
de Dariush Mehrjui (Irã, 1997)

Ano passado a Mostra de São Paulo brindou o público com uma retrospectiva de Dariush Mehrjui, na qual se pôde ver a obra de um cineasta que vem filmando desde os anos 60, fato desconhecido da maioria dos espectadores nacionais que só conhecem o cinema iraniano dos anos 90. Nesta retrospectiva se viu um cineasta que filma com vários estilos e que foge bastante ao neo-realismo observador que mais tem caracterizado o cinema iraniano (antes que chovam protestos, SIM, eu estou generalizando). Se viu, por exemplo, A Vaca, filme de 1969 que tem mais a ver com o Cinema Novo e a Nouvelle Vague que com qualquer outro movimento. Ou ainda A Escola em que Estudamos de 1981, filme diretamente político e contestador que mostra que mesmo no mais conservador Irã se pode fazer filmes com inteligência que fale diretamente de política. Leila representa outro filme estranho ao que se espera do cinema iraniano, pois é um filme que analisa relações sentimentais numa classe média alta, a partir do ponto de vista das mulheres.

Cinematograficamente é um belo filme. Sua fotografia é rebuscada sem ser excessiva, cheia de expressivos closes, claros e escuros, jogos de cores. Sua montagem é bastante ousada, usando muito o corte no eixo, ou o famoso pulo na ação sem mudar o enquadramento. Usa uma narração sobre a imagem inquietante pois não unificadora: às vezes representa uma reflexão de Leila, às vezes o que ela pensa na hora da ação. Especialmente sofisticado é o uso da edição de som, que lembra O Silêncio no cuidado com que joga sempre com primeiro plano e fundo, no sentido sonoro. Além disso, o filme usa de congelamento de imagem, cortes com fusão para cores (efeito que sempre relembra Gritos e Sussurros) e vários outros artifícios, mostrando grande sofisticação de linguagem sem interferir com a história a ser contada, ao contrário.

Tematicamente é que o filme pode ser questionado. Pois trata principalmente da subserviência da mulher iraniana, incarnada na figura de Leila, que ao descobrir que não pode ter filhos, cede às pressões e aceita que seu marido arranje outra mulher para procriar, ajudando inclusive na escolha. Embora este drama seja muito bem desenvolvido, com cenas lindas que passam a angústia desta mulher, que abre mão da felicidade de um casamento e de sua vida, há dois fatores que me parecem tornar o filme essencialmente retrógrado: primeiro que a figura "maléfica" apresentada pelo filme é a da mãe do marido (a sogra), e da irmã desta. Ou seja, a opressão vêm de outras mulheres. Por mais que se diga que as mulheres após séculos de opressão se tornam realmente mais conservadoras que os próprios homens, não se mostra isso como processo. E sim, os homens sempre compreensivos e sentimentais (o marido, o pai deste, o tio de Leila), num retrato que acaba por colocar a culpa da dor de uma mulher em outras (aliás, bem parecido com A Maçã, no qual o pai se justifica e a mãe surge como grande "vilã").

Mas o pior talvez esteja na cena final do filme. Após resistir irracionalmente a qualquer chance de retomar a relação com o marido, Leila vê de cima a chegada deste em sua casa com a menina que nasceu da relação dele com a nova mulher. E reflete: "Se não fosse pelo meu sacrifício ela não estaria viva". Num primeiro momento um belo pensamento, bastante emocionante mesmo. Mas, de muito mau gosto pois legitima numa sociedade castradora que uma mulher deve dar a sua vida pela felicidade de outros. Se fosse um filme escocês ou argentino, poderia ser lido como a opção de uma mulher e uma bela história de resignação. Mas, no Irã, me parece mesmo perpetuar a opressão que o diretor tenta criticar, mesmo que o faça inconscientemente. Pena, pois Leila é um filme que vale ser visto, e que tem muito a ser apreciado. No entanto, no final, o gostinho que fica é de conservadorismo, se não cinematográfico, pelo menos ético.

Eduardo Valente

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