Lilian M – Relatório Confidencial

por Bernardo Oliveira

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Lee Nujyja e Célia Olga em
Lilian M – Relatório Confidencial

Mil Mulheres em Lilian M

Carlos Reichenbach é o autor que promove uma salutar balbúrdia de referências em seu segundo longa metragem. Buscando um estilo marcadamente sintético, encarna uma consciência intrínseca aos projetos e pensamentos referentes ao cinema brasileiro. Falamos de uma precisão, da pesquisa incessante por uma relação apropriada entre produto, produtor e público no Brasil. Este estilo ganha corpo em Lilian M. É um modo, dentre tantos possíveis, porém original e conflitante (é de se estranhar as imagens mais "precárias"). (Abramos um parêntese pelos que julgam o tom inicial deste texto um tanto xenófobo. Não se trata de proteger as fronteiras — de que valeria negar Chaplin? — mas construí-las. Levar em conta esta construção prevê dois fatos inegáveis: nosso subdesenvolvimento e nossa "incompetência em copiar". Virar as costas, fingir que não vê, falar mal e outras fugas não resolvem nem sugerem problemas e soluções para nossa cinematografia).

Lilian narra sua história a um repórter (?) e nos revela detalhes de uma vida calcada pelo acaso, em ritmo de aventura. Sabemos tratar-se um flashback e este nos conduz por uma reunião de tipos que atravessam a vida da moça. Estes lhe impõem limites, os quais ela ultrapassará (do campo à cidade, da miséria à riqueza, da família ao prostíbulo). A singeleza de seu marido, em conflito com os personagens seguintes são o resumo da trajetória, pois mil mulheres se apresentam aos desafios. Ela conhece um sujeito nervoso e loquaz que a leva para a cidade de Fusca; noiva com um figurão grotesco e bondoso; o filho do figurão a atormenta; ela busca outros parceiros, tão "machos" quanto os primeiros. Em sua saga contra os tipos mais estranhos ela se apresenta como mil Lilians que contornam todas as intempéries. E no entanto, ainda é Lilian, minhoca da terra, curiosa, que escolhe os homens e os "compreende" como a um bando de crianças. Lilian M, pois, é a história da vida de uma moça que resiste, não raro com "facilidade", graças à sua multiplicidade e perspicácia.

Mas, pensemos as escolhas de Reichenbach: não são escolhas morais, na medida em que Lilian não se redime, não há salvação e a vida continua. Mas os personagens que marcam seu trajeto revelam nas entrelinhas, um traço crítico, porém carinhoso, do estilo de Reichenbach. Seu intuito, nitidamente heterogêneo e caro às questões de nosso cinema, se expõe à revelia do autor, revelando um humor cotidiano e grosseiro, típico das chanchadas. Mas, não falamos de chanchadas, mas de um olhar crítico e carinhoso sobre este gênero tão popular e desprezado. Reinchenbach retoma com Lilian M o valor popularesco e a identidade da chanchada como autêntico produto cultural brasileiro. Ele não desbanca este passado do cinema brasileiro com a arrogância dos sabedores de Pabst. Ele reinterpreta através dos tipos grosseiros, das desventuras cotidianas, do tom utilizado para as piadas (lembrem do milionário sem cartão de crédito), das encenações, muitas vezes simplórias, em plena conexão crítica com a precariedade da era Atlântida. Isto é, entendemos que não parece lhe interessar o destino de Lilian, mas as funções dramáticas possíveis (no pleno sentido eisensteiniano do acontecimento) para narrar a história. Por exemplo: Reichenbach poderia resolver alguns diálogos com cortes pseudo-estéticos, que lhe conferiria um ar nouvelle vague, e então estaríamos falando de Glauber. Mas não: falamos das chanchadas porque há uma insistência proposital em fazer ressurgir uma idéia nos contemporâneos da Atlântida e em nós, salvos pelo vídeo, suscitar a memória afetiva deste período, hoje bem repassada via TV. Reichenbach opera para retirar a pecha de mau gosto — um rótulo preguiçoso — para pensar o porquê do sucesso relativo que foram as chanchadas. Isto é digníssimo e o resultado, um monstro de originalidade, embasado na TV, em Roger Corman, no lirismo de Mário Peixoto e na beleza histórica de nosso cinema.

Com Reichenbach e seu segundo longa — o primeiro foi dado como perdido — podemos refletir uma outra fase do cinema brasileiro que foi o cinema marginal: o que fez a boca do lixo?, qual sua importância? e em que medida não dependia de um orgão estatal, muito conhecido de todos nós, que adorava brincar de unidunitê na hora de escolher?

Escolha por escolha, ficamos com Reichenbach.

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