O Irrefreável Desejo de Real

por Ruy Gardnier

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Por que temos a sensação, diante dos filmes de Nanni Moretti, de que algo diferente se mexe no território quase sempre estático do cinema? Por que a sensação constante de estar no mundo, de fazer parte dele e de poder mudá-lo? Certamente isso não é característica apenas dele, já havíamos visto isso pelo menos em Duas ou Três Coisas Que Eu Sei Dela, filme de Godard sobre a cidade de Paris e sobre a tomada de consciência. Mas o que se mexe em Aprile e em Caro Diário que faz com que todos os outros filmes ditos políticos pareçam tão imbecis, tão impessoais e tão pouco efetivos, ao passo que nos filmes de Nanni Moretti vemos tudo que ele nos mostra com outros olhos?

A resposta pode parecer simples: ele faz um documentário de sua vida, de como ele vive no momento e quais os males que o afligem. Claro, é nesse momento que ele faz a grande jogada de seus dois últimos filmes — conjugar sua vida pessoal intrinsicamente com sua vida em sociedade. Daí o drama do despreparo dos médicos para diagnosticar um simples tumor benigno em Caro Diário ou a importância dos líderes de esquerda não deixarem Berlusconi falar sobre a liberdade em Aprile. Mas para isso foi preciso que Moretti montasse um esquema completamente diferente de cinema, uma outra forma de cinema.

Para realizar essa mistura pessoal/social, Moretti teve que inventar um domínio do cinema do qual ele e apenas ele faz parte: a do cinema-crônica. Se Caro Diário já em seu nome mostrava o âmbito que seu cinema ocupava, Aprile não faz por menos. Aprile não deixa de ser uma data no diário. Uma data em que Berlusconi ganhou as eleições na Itália e uma data em que seu filho nasceu (em anos diferentes). Uma data em que ele decidiu, após ser entrevistado por um jornalista francês, que era preciso fazer um documentário sobre a situação atual da Itália. Moretti realiza, a partir disso, um pacto com o espectador: "você acompanhará a minha vida, eu a mostrarei toda para você, mas contanto que você não desvie os olhos para tudo que eu mostro". Aprile, então, passa a atuar nessa imbricada linha que os velhos teóricos continuam a marcar entre o documentário e a ficção. Seu documentário sobre a Itália nos mostra (no íntimo, não no frio "documental" do cinema de denúncia) os principais acontecimentos ocorridos no momento de sua realização: a independência da província da Pavânia, a chegada de um navio de exilados albaneses na Itália, os debates e o dia da eleição, a mídia fútil/sensacionalista e a mídia a serviço do poder central.

Mas há em Aprile também uma outra inversão, dessa vez unicamente íntima. Para a realização de seu documentário sobre a Itália, há uma pasta dedicada somente às coisas que o desagradam, como as capas da revista L'espresso. E seu documentário vai se transformando cada vez mais em obrigação e menos em trabalho prazeroso. Nos momentos importantes da vida política italiana, Moretti quer mais é cuidar de seu filho e de tomar um capuccino. Um documentário não é para mostrar as coisas que te irritam. Aliás, o cinema, para Moretti, como profissão de fé, é para dar um reforço à vida, para que se saia do cinema ciente do que há no mundo, mas com um sorriso de satisfação de estar vivendo, e não com a cara emburrada de quem acha que não há nada mais para viver. Daí a alegria das cenas em que o cineasta abandona seu documentário para dirigir seu musical sobre um padeiro trotskista. No último plano, o mais contente de todos no filme, vemos os figurantes/dançarinos do musical. Ao fundo, a equipe de filmagem, incluindo Moretti. Todos a equipe dança, numa coreografia tão simples quanto simpática. É essa a sua moral (tanto pessoal quanto cinematográfica): é preciso que, em sociedade, vejamos todos os seus problemas e façamos o que podemos para solucioná-los; mas, ainda assim, é preciso que haja música, para que todos possam ainda dançar.

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