Os Dez Outros Filmes de 1998

por Ruy Gardnier
(dedicado a Fernando M.)

Que todos esses filmes tenham passado no Brasil em 1998 é impressionante e, por si só, digno de nota. O próprio Serge Toubiana, editor da revista Cahiers du Cinéma, ficou espantado ao saber que Amsterdam Global Village tenha sido exibido: "Ici, à Rio?" Oui, dissemos, com algum orgulho de ter talvez a maior variedade de filmes exibidos no Hemisfério Sul. Contracampo deseja, então, que esses filmes mereçam alguma segunda chance, dessa vez no circuito comercial.

1) Os Idiotas, de Lars VON TRIER (Dinamarca)
2) Amsterdam Global Village, de Johan VAN DER KEUKEN (Holanda)
3) As Flores de Xangai, de HOU Hsiao-hsien (China)
4) Velvet Goldmine, de Todd HAYNES (Inglaterra)
5) Matador, de Darezhan OMIRBAEV (Cazaquistão)
6) Inquietude, de Manoel de OLIVEIRA (Portugal)
7) Blackout, de Abel FERRARA (Estados Unidos)
8) Congelado, de WU Ming (China)
9) Peixes de Agosto, de Yoichiro TAKAHASHI (Japão)
10) Crônica de um Desaparecimento, de Elia SULEIMAN (Israel)

Ficção mundial, cine-mundo, o mundo faz seu cinema. Um cinema que, percebemos, está rodeado de indagações dignas de ocupar espaços do pensamento contemporâneo. Tudo isso, óbvio, percebendo-se que se está numa linguagem própria de comunicação de massa específica do século XX, que é o cinema. São dez filmes que acreditam no cinema como forma de intervenção (não estritamente política, mas social em sentido lato) e significação, indo de filmes aparentemente despolitizados (como Velvet Goldmine e Flores de Xangai), mas que de fato apresentam um espectro social de liberdade individual e construção das personalidades, até filmes críticos da atual situação contemporânea, como o documentário Amsterdam Global Village, que apresenta por quatro horas as relações da cidade holandesa com o mundo inteiro; como Crônica de um Desaparecimento que, em uma fragmentação narrativa de inspiração godardiana, apresenta uma outra Israel que não é filmada, a das dissoluções das tradições e da falta de rumo coletivo; ou como o apocalíptico Matador, que nos apresenta em pouco mais de uma hora a falência das ciências e a absoluta reificação do mundo numa sociedade de trocas capitalistas tão velozes (para dizer o mínimo).

Mas esses filmes petit-comitée de 1998 também apresentam uma dimensão puramente existencial, claramente implicada na situação contemporânea, mas que para fins analíticos, resolve colocá-la entre parênteses. Filmes que ainda tentam achar algum tipo de ternura na existência, como os belos Inquietude e Peixes de Agosto. Ou então filmes que partem para a ruptura radical com a vida, atravessando sinistramente as relações ente vida e morte. Em Congelado, um artista resolve ser a própria obra e se mata simbolicamente quatro vezes, para dar o termo final em uma quinta vez. Em Blackout, filme que não teve sua chance no cinema, sendo lançado diretamente em vídeo, Matthew Modine encarna todos os problemas existenciais de um cineasta do amor demais que é Abel Ferrara. Fechando a lista, um filme-acontecimento, Os Idiotas. Filme pouco entendido por público e crítica, Os Idiotas é acontecimento menos pelo Dogma 95 do que pelo que ele realmente é: um filme que expõe aos olhos de todos um aparente não-humano. Filme que é para ser visto à luz de nosso tempo, da História da Loucura de Foucault e das nossas próprias noções de humanidade, Os Idiotas é, como Saló (Pasolini), Freaks (Browning) ou Noite e Neblina (Resnais), um filme à parte na história do cinema.

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