O Sexto Sentido (The Sixth Sense),
de M. Night Shyamalan (EUA, 1999)

Quando quer se queira analisar seriamente um filme, é importante que ele seja inserido no seu contexto histórico e de produção, e não somente que se tente olhá-lo exclusivamente pelo que ele mostra, como se algo pudesse existir fora da História. Assim, para se falar de O Sexto Sentido é importante que se pense na Hollywood de hoje de onde ele surge, e especialmente na instituição do "filme de verão" no qual ele se inclui. O filme de verão é um fenômeno que foi disparado por Guerra nas Estrelas em 1977, e que se fortaleceu nas décadas de 80 e 90, dominando hoje o mercado por representar a maior parte da renda dos estúdios. Ao longo dos anos, impulsionados por este "filme de verão", Hollywood se voltou praticamente para o público adolescente, e cada vez mais enxerga este público como um coletivo imbecilizado, interessado em idéias simples, efeitos visuais complicados, muita ação e pouca reflexão. A maioria dos filmes que se tem lançados tem este perfil, e o pior, críticos e diretores mais sérios começam a ver que a ditadura do adolescente cada vez mais toma conta de gêneros e enforca outras possibilidades, donde se fala muito que a década de 90 talvez seja a pior da história do cinema americano. Esta última afirmação pode ser discutida, mas não é o caso aqui.

Toda essa introdução serve para localizar O Sexto Sentido. Lançado no fim da temporada de verão, não era o típico candidato a "blockbuster" (ou super sucesso) e nem foi pensado com tal. Uma vez fechadas as contas no entanto, foi o segundo filme que mais arrecadou dinheiro nas bilheterias americanas, somente atrás de Guerra nas Estrelas – Ameaça Fantasma. Este fenômeno chocou muitos, e parece interessante analisar o filme a partir daí. Isso porque o filme é na verdade um quieto estudo da relação entre dois personagens e uma exploração do medo infantil e do sobrenatural. Ao contar a estória de um garoto psicologicamente perturbado e sua relação com um terapeuta infantil, sob os tons do sobrenatural e do suspense, não há no filme uma exploração estúpida do susto pelo susto, da ação pela ação. Nele o sobrenatural é tratado com respeito e cuidado, e não como uma mera abstração sem lógica para causar sustos ou problemas. Seu olhar pode mesmo ser analisado como próximo de uma visão séria da vida após a morte. O filme apenas toma o ponto de vista do seu personagem principal (magistralmente interpretado pelo menino de 9 anos Halley Joel Osmond) e assim assusta a platéia enquanto o personagem principal está assustado. Uma vez que seu mistério é descoberto e solucionado, o filme continua por mais meia hora sem a menor tentativa sensacionalista de assustar ou criar frissom, mas simplesmente porque a história precisa ser fechada. Toda a atenção do público está direcionada para o drama humano (ou sobrehumano) dos personagens. O filme tem muitos diálogos, poucos deles óbvios, poucos personagens coadjuvantes. Centra-se sempre na relação dos dois personagens, fato aliás que sinaliza para a solução final (o famoso "segredo" do filme), permitindo até que esta seja descoberta ao longo do filme. Mas, ao contrário do que alguns dizem, isso não é um defeito pois o filme é saboroso mesmo sem a surpresa no fim, talvez ainda mais, para se perceber nuances de construção e a inteligente e clássica decupagem.

Na verdade, há alguns anos não haveria porque se elogiar tanto o filme. Mas a verdade é que no quadro atual, acaba sendo bastante "vanguardista" para um blockbuster de verão. O filme não subestima a inteligência do espectador, se coloca em frente a questões sérias de forma digna, centra-se em questões humanas e numa trama de interação e diálogos, e principalmente sentimentos. Seu sucesso extremo pode ser um bom sinal de que o público está se enchendo de ver sempre a mesma fórmula (ainda devemos lembrar o sucesso de A Bruxa de Blair e Austin Powers, além do fracasso relativo de bombas como As Loucas Aventuras de James West) e que talvez tenhamos espaço para a inteligência de volta nos filmes comerciais. Ou quem sabe isso é só uma visão por demais otimista...

Eduardo Valente

O Sexto Sentido não é exatamente um filme de terror, mas tem um ponto de partida bastante aterrorizador, sem dúvida bem construído: um psicólogo infantil deve tentar ajudar um garoto que tem dificuldades de relacionamento (tratado como freak pelos colegas de classe). Mas não é só isso, o garoto brinca em uma igreja, recita latim, dorme em uma cabana improvisada cheia de imagens de santos, tudo contribuindo para que ele pareça realmente bem "estranho". Mas ele não é estranho por acaso, ele tem um "sexto sentido" muito especial: ele pode ver os mortos.

O elemento assustador de O Sexto Sentido está aí, no fato de que o espectador pode compartilhar dessa visão "especial" de Cole – o garoto – e participar da sua vida nem um pouco tranqüila, pelo contrário, muito cruel, e ainda mais por que ele é uma criança... É difícil, portanto, não ser, pelo menos, solidário com o garoto. É muito fácil e imediato, aliás, tomar o seu partido ou ter compaixão por ele, já que nós, os espectadores, somos os únicos a quem é dada claramente a prerrogativa de ver e sentir o que Cole vê e sente, e de entender a enorme gravidade do seu problema, ao contrário dos outros personagens. Compartilhar os medos, as visões e a opressão de que ele é vítima é, nesse sentido, o mais interessante e não deixa de ser um mérito a maneira como o filme torna isso possível para o espectador.

O problema é que esse "mero" partilhar perceptivo entre espectador e personagem é acessório em relação à trama e não pode durar para além daquilo que o justifica dramaticamente. O filme precisa seguir uma rígida dramaticidade hollywoodiana, e a história de Cole tem que ceder espaço para a primazia do drama patético do personagem de Bruce Willis – eixo principal da trama. Ao invés de dar continuidade à parte de Cole, o filme a encerra um tanto bruscamente para poder dar uma reviravolta inesperada, uma surpresa. Surpresa que não é mais do que o desvelamento de uma ilusão premeditada e estudada.

Não se trata, aqui, de criticar a ilusão, ou mesmo a premeditação (que é sempre, de qualquer maneira, forçada), mas sim de questionar a necessidade de surpresas, a necessidade de surpreender o público (por que esse efeito é buscado deliberadamente?), e portanto, de subordinar tudo às necessidades do desenvolvimento dramático justificado e didático e aos modelos esquemáticos dos roteiros hollywoodianos, problema que se aprofunda quando a direção se limita a intensificar (câmera, interpretação, música, etc) os seus efeitos, a intensificar o drama.

Por que trocar o interesse que o espectador pode ter na participação no "sexto sentido" de Cole pelos problemas do fantasma de Bruce Willis? Por que se tornou tão importante surpreender o espectador para além de suas expectativas? O que sobra do filme depois que uma grande surpresa é revelada? Talvez, no fim, seja sempre muito mais algo como o carisma de Cole (do personagem e do ator) do que as peripécias realizadas pelas tramas.

Luiz Rezende Filho

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