Pânico 2 (Scream 2),
de Wes Craven (EUA, 1998)

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Cena da seqüência inicial de Pânico 2

A vida imita a arte que imita a vida. Estamos na pré-estréia de Facada, filme baseado nos crimes de Woodsboro, ocorridos no primeiro Pânico. Um casal de negros ganha as entradas e discute sobre filmes de terror. Estamos diante do mesmo artifício do primeiro filme da série: por meio da discussão sobre o próprio mecanismo dos fimes de terror, tenta-se encarar o filme não como um sonho coletivo, mas como uma estratégia de discurso imersa num mundo de significações. Entrando na sala, o casal vê inúmeros personagens vestidos com as roupas do assassino do filme, dadas pela própria publicidade do espetáculo. Um bando de jovens enlouquecidos grita e corre por todos os cantos com facas de plástico dando sustos um no outro. Quando o casal se separa, o jogo começa: a curiosidade matou o gato, e mata o namorado que coloca o ouvido no box do banheiro para ouvir os barulhos de sexo no box seguinte. A próxima é a mulher, que toma o assassino pelo namorado – que também havia colocado a máscara – e grita inapelavelmente por socorro, uma vez que os gritos dela se misturam aos da multidão que delira com a sanguinolência do filme Facada. Então, quase morta, o espetáculo se destrói por dentro: ela vai – cambaleante e já sem chances de continuar viva – até o palco, onde emite um grito para imobilizar, um grito mais forte do que o grito dos teenagers. Daí, o filme verdadeiramente se realiza: atrás da mulher morta, o assassino corre atrás da vítima, mas ninguém mais se importa. Eles estão boquiabertos porque viram que foram vítimas de seu próprio circo.

É sempre nessa esfera que Wes Craven gosta de atuar. Antes de toda preocupação metafórica ou metalingüística que seus filmes possam ter (e o têm, com um brilhantismo comparável a poucos no cinema contemporâneo), o cinema de Craven dá sempre o comentário e a dimensão social de seus personagens – e a maior prova disso é um de seus melhores filmes, Criaturas Atrás das Paredes. Prova disso é o próprio filme Facada. Ciente do que é a indústria de Hollywood nos anos 90, ele refilma o primeiro assassinato de Pânico (o de Drew Barrymore) e uma cena nos corredores da escola. Mas a refilmagem das cenas não é exatamente 'bom cinema': vemos cenas que navegam entre o cinema trash (pela obviedade dos personagens/atores) e a representação das sitcoms (pela obviedade do roteiro). Fazer cinema nos Estados Unidos é, portanto, estar ciente de que se trabalha num mundo povoado pelo óbvio.

E qual é a saída de Wes Craven? Adotar como modelo a fábula, a fábula por definição dos nossos últimos trinta anos (o cinema de horror) para tentar refazê-la, dessa vez com os valores não da falsa moralidade, mas da tomada de consciência. Se  no primeiro filme da série a jovem Sidney Prescott tem que ir para a cama com o assassino para só depois poder matá-lo, não é tanto como estratégia narrativa do que como puro desejo de inverter a fábula, fazê-la funcionar no sentido da política – para conseguir o que você quer, é necessário que se perca a inocência (e nesse sentido, os dois Pânico são os anti-A Vida É Bela). Mas em Pânico 2 não é assim que funciona. Se no primeiro Pânico a jovem Sidney é o condutor da consciência, no segundo filme ela é Cassandra, personagem que ela vive no teatro. Mas, ao invés da Cassandra mitológica, ela não consegue prever nada, todas as decisões que ela toma são as erradas, e duas mortes ocorrem por sua culpa.

Pânico 2 é, ao contrário do primeiro, um filme sombrio. A tomada de consciência do primeiro filme é substituída por uma outra tomada de consciência: não é a força de vontade o que faz as coisas se moverem em Pânico 2, e sim o dinheiro. Os heróis do filme mexem com dinheiro, e o assassino só consegue ser pego pelos personagens "mercenários". Eles vêm à salvação de Sidney Prescott com segundas intenções, ela que diferentemente de Cassandra não pode prever nem o que acontecerá em seguida. Eles, ao contrário, sabem exatamente o que fazer. É aí que o filme de Wes Craven revela-se uma fábula universitária: para conseguir fazer alguma coisa boa (sair da esfera universitária para a do trabalho), é preciso sujar as mãos (ganhar seu dinheiro). É isso que, o filme sendo uma fábula, os salvadores ensinam a Sidney.

Além de todo o lado fabuloso de Pânico 2, o filme ainda apresenta maravilhosos momentos de cinema, por exemplo quando um vidro permite que a personagem jornalista Gale Weathers esteja imune mesmo a centímetros de distância de seu algoz, ou então o momento em que a mesma jornalista, tentando descobrir o assassino pelas fitas de vídeo, acaba sendo descoberta por ele, que também está atrás de uma câmara. Estranha comparação de Wes Craven com o assassino: na verdade, o que os dois têm em comum é o fato de servirem de passagem,fazer seus algozes sairem do estado de ignorância/inoperância para o lado da ação. Daí ser Wes Craven, em muitos sentidos, um cineasta político.

Ruy Gardnier

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