Para Sempre Mozart
(For Ever Mozart)

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O grupo da atores vai a Sarajevo em Para Sempre Mozart

Ao mesmo tempo que Godard fazia suas História(s) do Cinema, fazia também com Para Sempre Mozart a história de sua época, e conseqüentemente a relação do artista com ela. O início deixa tudo às claras: "40 personagens à procura de História". Como todos os caracteres estão em maiúsculas, não sabemos realmente se Godard nos fala de história, narrativa, relato ficcional ou de ciência histórica, situação do homem com sua época. Mas uma primeira aproximação já nos leva a crer nessa última: os dois jovens vão até Sarajevo para interpretar uma peça de Musset, On ne badine pas avec l'amour. Ao mesmo tempo, um diretor de cinema tenta, a todo custo, dar o melhor de si para conseguir melhor filmar seu Bolero Fatal. Aliás, tudo que está associado a esse filme revela a falência de alguma coisa: os atores que não são bons o suficiente, a atriz que não consegue dizer seu sim a não ser fora das lentes da câmara, a audiência que foge da fila ao saber que o filme é "de arte".

Tudo em Para Sempre Mozart nos obriga a pensar no modo como a juventude faz arte hoje, e como ela pode ser politicamente efetiva. O grupo de jovens, obviamente, não consegue chegar até Sarajevo porque é feito prisioneiro dos soldados. Mais uma vez Godard, antibelicista, mostra a guerra em seu estado mais animalesco (como já havia feito antes em Tempo de Guerra), o dos abusos individuais. A arte não pode mais nada contra a guerra, a arte não consegue ultrapassá-la para ser política. A arte hoje não suporta mais ideais ou lutas para o que quer que seja. O máximo que ela faz é campanhas de ajuda, dissociadas de ideologia (salvem as florestas, os povos do Tibete,...).

"O que Musset tem a ver com Sarajevo?", parece nos dizer o filme a cada instante. Mas não é por ignorância dos atores que eles vão a Sarajevo. Não só por isso, ao menos. Eles querem ser úteis, mas não sabem absolutamente o que fazer. É a queda dos artistas como pessoas históricas, e para tentar reencontrar um espaço público de interferência vale tudo, de encenar Thomas Mann com os nordestinos (Lessa & Rowland) até olhar pra Sarajevo com ouvidos em Van Morrison (Winterbottom). Exemplos pífios de como a arte hoje pode, mesmo com tantas intenções contrárias, ser a-histórica.

O que nos, resta, então é uma única imagem: a de um Mozart, quieto, interpretando. Ele toca rápido, e desbrava as limitações de sua arte. Tenta trazer algum novo elemento a sua sociedade. Quando o ato do artista se completa, logo quando o artista consegue atingir seu verdadeiro papel, ouvimos da parte do público "notas demais"... e percebemos que a cena tem associação com os espectadores do Bolero Fatal: a audiência é também a-histórica, e vive outro mundo que o da História: um mundo da sociedade de consumo, um mundo que esconde sua própria história, um mundo em que História é apenas uma cronologia que começa no dia em que você nasce e acaba quando você morre. Mais uma vez Jean-Luc Godard encontra Guy Débord.

Ruy Gardnier

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