FESTIVAL DO RIO 99
críticas dos filmes em exibição
QUANDO TUDO COMEÇA, de Bertrand Tavernier
França, 1999
Houve uma época em que se acreditava no poder do cinema de agir na sociedade, e mudá-la para melhor. Hoje em dia quando se fala em influência do cinema está sempre se referindo a uma possibilidade nefasta de causar insensibilidade, violência, distanciamento. Pois bem, Bertrand Tavernier sempre foi um cineasta que acreditou no poder do cinema de falar de assuntos contemporâneos (não por acaso ele tem uma grande carreira também como documentarista), e de influenciar o mundo à sua volta.Isso tudo para dizer que Quando Começa Hoje é um filme absolutamente político, um grito de socorro e uma carta de intenções, tudo ao mesmo tempo. Filme político não é um filme que trate de política, nem um filme partidário, mas antes um filme que quer expor sua ideologia e causar uma reação a partir das suas idéias. Nesse sentido, o bom cinema político tem estado em falta. O tempo da globalização tem como sua maior marca um estado de aceitação de certas opções do capitalismo mundial como verdades universais e necessárias. Tavernier tenta com este filme justamente mostrar que ele acredita que este sistema não está solucionando tudo, ou ainda, está solucionando bem pouco. Como percebeu o teórico e professor João Luiz Vieira, forma com A Vida Sonhada dos Anjos (Erick Zonca) e Só Contra Todos (Gaspar Noé) uma trilogia, um painel o qual, a partir da França, pode ser aplicado a todo o mundo moderno na questão do mal-estar do fim do século. A diferença deste filme de Tavernier para os outros é que, enquanto aqueles se assumem como obras de ficção baseadas no comportamento de personagens frente as dificuldades marginais do sistema, Quando Tudo Começa propõe linhas de ação e postura positivas contra a dessensibilização do humano, e ao mesmo tempo assume um formato quase documental.
De fato, é quase impossível acreditar que são atores encenando a história deste diretor de escola maternal pública, que enfrenta a burocracia do Estado em várias frentes tentando dar um tratamento humano e pessoal aos seus alunos que habitam as áreas mais pobres. A câmara na mão dá um senso de urgência, e o scope é usado não pelo espetáculo belo das imagens, mas para aumentar a captação desta realidade, dando outra abrangência às imagens. A montagem é inteligentíssima, pois se disfarça de contadora de histórias na medida em que registra momentos absolutamente banais (ao invés de plot points), que quando somados dão veracidade maior ainda ao filme como "retrato de uma vida". Quando Tudo Começa é um filme feito para causar efeito no seu público, revolta, ação. Propõe uma atuação de cada um no melhoramento da sociedade. Nesse sentido é um filme vital e importante, além de ser cinema da melhor qualidade. Perguntado se não era ingênuo pensar que o filme mudaria algo, Tavernier respondeu: "E a ausência do filme, mudaria mais?". Fade out rápido, pois após estas palavras não há muito o que se discutir. Vejam o filme, e ajam!!
Eduardo Valente