Quem Sou Eu? (Who Am I?),
de Jackie Chan & Benny Chan
(Hong Kong/Holanda, 1998)

Há uma sequência em Quem Sou Eu?, já quase no fim, que por si só vale o filme inteiro. Simplesmente desde que Fred Astaire e Cyd Charise, Gene Kelly e Debbie Reynolds, todos as gangues de West Side Story, resumindo, tudo que de melhor o musical americano produziu, desde então não se via uma coreografia tão impressionante, fluida, linda, de parar a respiração. Que ela seja de uma sequência de luta diz muito da época de hoje com relação ao passado, mas diz muito também do talento de Jackie Chan. Na verdade, se formos buscar paralelos no cinema teríamos que pensar em Busby Berkeley, pois assim como este, o que Chan faz desafia o raciocínio de todo e qualquer espectador. Numa era dos autores/diretores, Chan é uma estrela de cinema que merece ter os nomes acima dos créditos porque seus filmes têm uma garantia de entretenimento e espetáculo como há tempos não se via.

É verdade que o início do filme é quase constrangedor, pessimamente dirigido e com um roteiro com tantos clichês que parece uma colagem de idéias já feitas. Mas o fã de Jackie Chan sabe que não perde por esperar. Chan é uma mistura de Renato Aragão, Tom e Jerry, Bruce Lee e Gene Kelly, se é que se pode imaginar algo assim. Ele traz consigo uma noção de espetáculo, de sobre-humano e de humor para o gênero da ação que é impossível não reconhecer. Cada filme com ele parece nos recompensar por cada segundo já gasto com os maus (pois há bons) filmes de Stallone, Van Damme, Schwarzenegger, Willis e menos votados. Chan percebe o quanto o herói de ação é improvável e ridículo e que o espetáculo over que eles propõem não pode ser encenado sem uma dose cavalar de auto-ironia (na verdade Schwarzenegger percebe isso também nos últimos anos). Assim, Chan sente dor na tela, mas ao mesmo tempo é um personagem de cartoon indestrutível. Ri das suas próprias piadas, sente medo, mas segue em frente.

Não há porque descrever a trama do filme, pois como sempre é uma bobagem. Há sim que se louvar a fotografia e a montagem, ao mesmo tempo que se questionar a direção que parece perder o rumo às vezes. Na verdade, nos momentos em que Chan (o roteirista do filme também) tenta criar situações dramáticas a ingenuidade do que se vê na tela lembra o trabalho de um Simião Martiniano. Porém isso não importa, pois Chan é bicho cinematográfico num sentido muito mais amplo do que esse, profundo em outro nível. Chan brilha em cada segundo de tela, mas é no terço final do filme, aquele que realmente tem ação, que é impossível não se recostar e aproveitar um gênio trabalhando. Primeiro na maravilhosa perseguição de carros. Depois com a indescritível cena de rua na Holanda, envolvendo os famosos tamancos que são o símbolo do país. E aí chegamos à sequência da luta no telhado, com sua longuíssima e verdadeiramente poética, divertida, impressionante coreografia. Trabalho de um virtuose na sua arte. Chan nos faz rir, impressiona, enche de emoção. Como as estrelas de hoje em dia já não fazem mais...

Eduardo Valente

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