O Soldado do
Futuro,
de Paul Anderson (EUA, 1998)
Paul Anderson dirigiu uma interessante ficção-científica em 1997, O Enigma do Horizonte. Era um filme assustador, que conseguia momentos de extrema angústia e horror. No entanto, o filme sofria de uma dupla personalidade que o prejudicava. Ele passeava entre Hellraiser e Aliens, e os estilos não chegavam a se completar resultando num filme irregular, ainda que com qualidades.Este seu novo filme tem um problema maior ainda de falta de identidade, e por mais que Anderson seja um diretor iniciante necessitando fazer concessões aos estúdios, não dá mais para esconder que ele precisa decidir qual o filme que ele quer fazer. Os primeiros quinze minutos de O Soldado do Futuro são entretenimento da melhor qualidade, do tipo que satisfaz os fãs do gênero e também aqueles em busca de linguagem cinematográfica ousada. Neles, somos apresentados a um programa das Forças Armadas americanas de pegar bebês e criá-los isolados do mundo, fazendo deles máquinas de matar. Através de uma colagem quase sem palavras, vemos o processo de crescimento deste grupo de soldados, em sequências interessantes por vários motivos: o jogo de imagens, sons e elipses temporais; a encenação de batalhas imaginárias futuras que sempre mexem com os fãs de ficção; o questionamento de como se comportaria uma criança que não conhecesse outro meio que não a obediência e medo que regem o Exército. Chegando ao fim desta sequência somos apresentados a uma nova geração de soldados, modificados geneticamente e treinados, levando à obsolescência da geração anterior. Isso tudo em quinze minutos de ótimo cinema. É até aí um filme de forte teor anti-militarista, e até anti-neoliberal pois denuncia a substituição de trabalhadores por máquinas sem alma. Prometia.
Mas, daí para a frente o filme perde a linha. Numa série inacreditável de cenas bregas e clichês, e inverossimilhanças do tipo incomodativo (ou seja, aquelas que pedem que o espectador E os personagens sejam completos idiotas para a história prosseguir), o soldado obsoleto que Kurt Russell interpreta vai parar num planeta-depósito de lixo onde uma comunidade quase hippie se formou de exilados e perdidos. Lá, ele vai aprender a ser humano, seguido pela redenção do enfrentamento com os soldados mais modernos, é claro. O filme não só apela a clichês como se torna incoerente: só a violência extrema e sem controle que ele aprendeu pode salvar. É o elogio ao militarismo para salvar os pobre-coitados. E, assim, de repente, um filme que parecia instigante e inteligente vira uma exibição técnica de fotografia, montagem e som (todos competentíssimos, como sempre) em como se filmar carnificina, em níveis assustadores, chocantes mesmo, dignos de lutadores descerebrados de vale-tudo. Imperdoável. Como no seu primeiro filme, Anderson usa uma direção de arte fabulosa (o planeta-sucata é genial), um ponto de partida fascinante e um personagem principal interessante (mesmo assumindo as vezes do herói, ele nunca é simpático), mas mais ainda que em Enigma joga tudo fora em favor de uma estética batida, fascista, e burra. Pena.
Eduardo Valente