Sonatine (Sonatine),
de Takeshi Kitano (Japão, 1993)

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Há duas grandes semelhanças entre Sonatine e Pulp Fiction, de Quentin Tarantino. Existe nos dois filmes uma estilização da violência e uma banalização dos atos violentos. Sim, são dois grandes observadores das sociedades em que vivem, e tentam com esses filmes fazer algo como um Bouvard e Pécuchet Kickboxers. Mas a semelhança pára por aí. Não há nada mais distanciado dos estilos dos dois autores. Enquanto o cinema de Quentin Tarantino até Pulp Fiction se preocupa antes de tudo com a narrativa e com o acaso, a obra de Kitano lhe é oposta: ele trebalha com o plano e com o destino.

A primeira parte do filme é muito violenta. E como faz Kitano para filmá-la? Ele filma tudo placidamente, com a câmara fixa e observadora, nem sempre no lugar em que ocorre a ação (da mesma forma que há ações que não ocorrem). Todas as imagens violentas são profundamente desfetichizadas, desespetacularizadas. Montador exímio (é ele mesmo quem monta seus filmes), ele sabe transformar a violência em simples jogo brutal de destruição de corpos. Numa luta de grupos yakuza, um subgrupo controlado por Murakawa (numa interpretação zen do próprio Takeshi Kitano) comete um ato de vingança e tem que se refugiar numa casa à beira da praia.

É aí que Sonatine atinge sua verdadeira dimensão. Quando passamos da cidade à praia (que parece ser sempre um lugar fetiche, decisivo para Kitano), passamos também da violência à infância. É emocionante ver as gags, os jogos e as brincadeiras dos personagens que outrora empunhavam armas. Mas essas brincadeiras não são menos angustiantes. A vida nos filmes de Kitano sempre está por um fio. As brincadeiras com revólveres afligem: atira-se nas maçãs que estão na cabeça, brinca-se de roleta-russa... Mas a dimensão de joguete, de reles existência é dada pelo joguinho de bonequinhos de papel que devem se movimentar num círculo. Por um artifício de direção, são depois os personagens que entram nesse jogo (foto acima), onde a música domina tudo e o fast-forward faz com que os atores se transformem em autômatos.

Mas a brincadeira que mais incomoda é a dos buracos. Um buraco, vale lembrar da esposa de Nishi em Hana-bi, significa a morte, e isso faz de Murakawa um mestre de cerimônias que controla a vida e a morte, um personagem desesperançado e niilista que controla a vida de todos e que está num processo de autodestruição (supõe-se que o motivo seja o mundo em que vive). Murawaka é assim um deus tornado louco, um furioso suicida que dá uma real fragilidade a qualquer corpo que aparece na tela (isso irá aparecer em Hana-Bi de forma mais sutil).

Em Sonatine, entretanto, há um momento de calmaria. Ele é dado pela presença de uma jovem e bonita camponesa. Ela é finalmente a passagem possível para Murakawa aceder a um pouco de felicidade. Poucas vezes uma cena amorosa foi tão sintética. Num simples campo/contracampo, onde a menina aparece com a blusa branca molhada pela chuva, percebe-se que haverá entelaçamento amoroso. Há depois uma volta à cidade: é preciso pela última vez prestar contas com a gang inimiga. Dessa cena só vemos a claridade dos disparos. Na volta para a praia, no caminho para a camponesa, o carro de Murakawa pára e ouvimos um disparo. O suicídio em Kitano não tem nada a ver com o suicídio de Trinta Anos Esta Noite. Nunca o suicídio virá da falta de sentido. Para Kitano, ao contrário, o suicídio é o excesso de sentido, o sentido do tempo que mata tudo, de uma infância perdida que conduz à violência. Mas Sonatine não acaba com o descanso dos mortos: Kitano faz questão de acabar com a espera da moça, uma espera que nunca vai chegar ao fim. Cineasta da crueldade, Takeshi Kitano prefere manter-se sempre do lado dos vivos, observar o tempo passar e transfigurar o real. Daí a preferência pelo plano, unidade símbolo da crueldade, que observa o destino dos corpos passar.

Ruy Gardnier

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