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O motor é desligado e o pequeno bote inflável desliza sobre as águas da Ponta dos Currais, no litoral de Santa Catarina.  O silêncio só é perturbado pela cadência das ondas quebrando na praia  ao longe

Tão suaves quanto o movimento da embarcação e da própria natureza, aos poucos os primeiros golfinhos aparecem na superfície da água para respirar, mergulhar e de novo voltar à tona.  Num instante, dezenas deles surgem aos bandos, recomeçando um extraordinário espetáculo da vida selvagem brasileira.  Nesse trecho de mar nas redondezas da Ilha de Anhatomirhn, que não por acaso é conhecido pelos pescadores da região como Baía dos Golfinhos, o comportamento desses animais chama a atenção.  Em qualquer estação do ano, faça calor ou frio, cerca de 120 golfinhos vivem juntos e não se separam por nada  o que os toma a maior colônia dessa espécie no mundo

Protegida por lei federal, a Baía dos Golfinhos faz parte da Área de Proteção Ambiental de Anhatomirim, que compreende 3 000 metros quadrados de mar, praias, costões e florestas. É a única unidade de conservação ecológica do Brasil criada especialmente para proteger uma espécie de animal marinho, no caso os golfinhos-cinza.  Na prática, entretanto, a região vive agora sob a pressão do turismo.
 
 

Uma quantidade enorme de embarcações turísticas e de passeio cruza essas águas, principalmente no verão, chegando a cinqüenta barcos por dia.  Pescadores locais são testemunhas de uma cena que tem se tomado comum: barcos rodeando insistentemente os golfinhos para fotografá-los e filmá-los de perto.  Um ato que os perturba, interrompendo suas atividades de alimentação, amamentação, de acasalamento e de descanso.  Assim, mesmo que protegidos pela lei, a sobrevivência desses animais de inteligência excepcional - ainda não compreendida pela ciência - está em risco.

Fuzis e ecologia

Essa invasão do ambiente do golfinho-cinza (Sotaliafluviatílis) é recente.  No passado, quando os turistas retomavam da ilha histórica de Anhatomirirn, numa viagem de 30 minutos a partir de Florianópolis, voltavam encantados por terem avistado os animais.  Foi o suficiente para que a colônia de gofflnhos se tomasse um atrativo e tanto para as empresas de transporte marítimo.
Não que o interesse turístico pela ilhota tenha se deslocado exclusivamente para as águas ao seu redor.  Afinal, o Forte de Santa Cruz, construido ali entre 1739 e 1744, é um marco importante da História do Brasil: foi erguido para defender Santa Catarina de uma provável invasão espanhola.  Contudo, o posto bélico nunca foi utilizado e acabou ganhando má fama em 1894, quando serviu de cenário para o fuzilamento de quase 200 pessoas contrárias ao governo republicano recém - instalado.  A Marinha o manteve sob vigilância até fins da década de 60, mas o conjunto arquitetônico já estava depredado.  Só a partir de 1979, sob a administração da Universidade Federal de Santa Catarina, é que começou a ser restaurado.
O tipo de golfinho que habita seus arredores é pouquíssimo estudado. Sabe-se que atinge até 2,20 metros, é tímido (tanto que não dá saltos ornamentais como outras espécies), vive 35 anos e é encontrado na faixa litorânea de Santa Catarina a Colômbia, além da América Central.
 

Hoje, o pouco que se conhece sobre ele deve-se, na verdade, ao esforço quase solitário do mesmo homem que quase todos os dias conduz o bote inflável pela Baía dos Golfinhos.  Há oito anos, o biólogo Paulo Flores vem sistematicamente observando os golfinhos de Anhatonúrim. É de sua autoria um exaustivo trabalho que identifica os animais por meio de marcas particulares nas barbatanas.  'Sem a observação constante, não há como conhecer seus hábitos", diz o pesquisador catarinense, que no ano passado ficou seis meses distante do mar por falta de dinheiro para o combustível.  "Cada dia que se perde longe dos golfinhos é um prejuízo enorme para a pesquisa", lamenta.
 

Mesmo que esse projeto de conservação do golfinho-cinza seja pioneiro no mundo, ele só sobrevive por causa da perseverança do biólogo.  A única verba disponível para o trabalho são l 000 reais, doados por uma indústria têxtil de Brusque, em Santa Catarina.  Cerca de 80% desse valor, no entanto, vai para o programa de monitoramento da baleia-franca na costa sul brasileira.  Flores acaba dependendo da boa vontade de voluntários interessados em estudar os cetáceos.  Neste verão, seus esforços se multiplicam: ele tenta orientar os barqueiros a não cercar os bandos e a permanecer no máximo 10 minutos na baía, navegando com o motor em baixa rotação.  Importunados, alerta o cientista, os golfinhos podem migrar para águas mais tranqüilas.  Ou seja, o espetáculo dos golfinhos de Anhatomirim corre o risco de ser desastrosamente interrompido.



OBS: Esta reportagem bem como as fostos, foram retiradas da revista TERRA, de janeiro de 99, ela foi escrita por Sérgio Túlio Caldas, de Florianópolis, e as fotos são de Zig Koch

 

   

 

 

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