Os Embalos de Sábado à Noite ("Saturday Night Fever"), direção de John Badham; roteiro de Norman Wexler; produção de Robert Stigwood. Música escrita e interpretada pelo conjunto Bee Gees. Elenco: John Travolta, Karen Gorney.
Em português, a palavra é cafona; os peruanos dizem huachafo; em hebraico pode ser blí-tam e em todas as línguas aceita-se o termo Kitsch, do alemão Verkitschen, tornar barato. É a sublime estética do mau gosto, a elegância plástica produzida em série que caracteriza as ilusões de progresso, eficiência e bem-estar social dos nossos tempos. A cafonice de Os embalos de sábado à noite concentra-se no mundo frenético dos inferninhos freqüentados pelos jovens ítalo-americanos de Nova Iorque. A opressão da família, com suas aspirações de ascensão social, as limitações da religião feita para outros tempos e outras circunstâncias, o trabalho brutalizante e mal pago, tudo é esquecido na noite de carnaval de todos os sábados. Aqui eclodem os sonhos eróticos para fazer frente à instrumentalização diária do corpo humano. Aqui basta saber dançar bem para conseguir respeito e admiração.
Todos vão gostar deste filme. Quem acha que não pertence ao mundo cuidadosa e inteligentemente retratado pelo diretor John Badham terá o prazer de menosprezar a elaborada estupidez dos personagens e de se sentir confortavelmente superior. Mas quem se identificar com a cafonice ficará feliz com a defesa que o filme faz dos que acham elegante usar roupa de poliéster, sapato branco de salto alto e cruz de ouro no peito cabeludo. Junto ao público, John Travolta fará mais sucesso do que Marlon Brando no papel de Stanley Kowalski, o imigrante polonês másculo e insensível de Um bonde chamado desejo. Afinal, aquela obra era diversão de gente fina; seu principal personagem, Blanche Dubois, era uma madona sonhadora do século XIX que fora parar, por erro, no rude meio proletário de Nova Orleãs. Travolta também põe os olhos numa donzela refinada, que usa sua sofisticação para humilhá-lo. A coisa poderia transformar-se numa guerra de classe, mas, voilà, Stefanie é uma falsa grã-fina, ela mesma oprimida pela aspiração de pertencer a uma esfera social que a despreza. Tony a liberta, rejeitando seu chá com limão e pedindo à garçonete café e um hambúrguer, que come com a boca aberta. Enquanto dura a ilusão, Stefanie veste-se de branco para os ensaios e as danças. Cor mágica das noivas italianas em O poderoso chefão e do carro esportivo da mulher misteriosa em American Graffiti (Loucuras de verão), o branco é um feitiço desesperado para sugerir pureza virginal, atrair dinheiro e afugentar a miséria. É também a cor do terno de Tony, cujo estilo entrou na moda, já existindo projetos para abertura de butique especializada - a Night Fever - no bairro de Brooklyn, Nova Iorque.
Aparentemente uma diversão ingênua, a película de Badham é, na realidade, um produto feito estritamente sob medida. Há quem diga, na Califórnia, que no futuro o cinema será feito de acordo com enredos estruturados a partir de pesquisas de mercado por computadores. Futuro? Este roteiro de Norman Wexler parece o pesadelo de um estudante de sociologia, fugido de algum livro didático com o título de Vinte problemas na socialização do imigrante. Numa enquête realizada por Newsweek, Rui Gutierrez, 21 anos, afirmou: "Esse filme realmente me disse algo". Mas disse o quê? Como reagem os personagens ao desafio do mundo? Agredir não é a solução se não se consegue sequer adivinhar quem é o adversário. É significativo que, quando a inevitável violência explode, Tony e seus amigos atacam a gang errada. No trabalho, a rebeldia fugaz de Tony é aplacada por um gesto bonito do patrão, que lhe oferece o "futuro" de seus infelizes colegas, Mike e Harold, com quinze e dezoito anos de casa respectivamente. Nessa área não há ilusões. Nem o brilho traiçoeiro da discoteca, que é o chamariz di filme. Ele não engana Tony: o adolescente redime-se por sua capacidade de verbalizar os sentimentos, contrastando favoravelmente com as personas de James Dean e do jovem Brando, condenadas, pela ignorância, à incomunicação.
Aos tropeções, Travolta manifesta certa consciência de sua condição, rejeitando o cobiçado primeiro prêmio de dança porque deveria ter sido entregue a um casal de porto-riquenhos (spicks, em termos pejorativos). "Todo mundo tem de montar nas costas de alguém", grita Tony à namorada. "Os spicks descarregam em cima da gente e a gente descarrega nos spicks, não é isso?" Existe apenas uma saída: o relacionamento pessoal de Tony e Stefanie, porque ela consegue assumir a classe a que pertence e aceita, ao mesmo tempo, o homem que no início considerara socialmente inferior. Em termos de Hollywood, há, nesse gesto tímido, mais esperanças do que em terremotos devastadores, discos voadores, movimentos sindicais cujos líderes seriam - segundo o novo filme Fist - homens corrompidos por suas ligações com a Máfia.
É uma pena ser necessário lembrar que Tony e Stefanie não viverão felizes para sempre, dançando numa discoteca além das nuvens. "O futuro que se arrebente", diz o jovem inexperiente ao patrão. A resposta: "Tony, você não pode mandar o futuro se arrebentar. É o futuro que arrebenta a gente".
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Crítica extraída da revista VISÃO de 24 de julho de 1978.