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Considerações sobre a Bienal.
*Túlio Muniz é jornalista e historiador.
Tenho acompanhado com certo distanciamento o início da V Bienal de Dança. Não por ausência, e sim prudência, por ter notado um niilismo subréptico em alguns dos primeiros espetáculos. Preocupei-me ao refletir sobre como esse niilismo contemporâneo permeou produções de três países diferentes: Brasil (“Défair”), Itália(“Ostinato”), e Moçambique(“Um Solo Para Cinco”).
A meu ver todos estes espetáculos citados, em menor ou maior grau, trazem uma ausência do real, e deixam evidente que uma ‘estética do desespero’ vem sendo assimilada por artistas e públicos de diferentes continentes. Mas há na platéia quem aplaude constrangido, talvez por educação ou resignação, ou mesmo quem não aplaude. Será lícito um evento como a Bienal promover a desistência da busca pelo belo?
Na programação da Bienal não constam produções locais, nacionais e estrangeiras que extrapolam o escatológico e a ausência de sentido presente em alguns dos espetáculos apresentados. Muitas produções não chegam aqui por falta de incentivo ou patrocínio, e a Bienal seria um bom momento para esse acerto de contas. A nível nacional, posso citar, por exemplo, o espetáculo Caminho da Seda, da Cia. Cisne Negro de São Paulo, ainda inédito no Ceará.
Antes da Bienal, li na imprensa local discursos ardorosos defendendo o conteúdo ‘vanguardista’ da programação do evento. Isso ‘seria’ a prova de que Fortaleza surge como “alternativa” ao Sul do país em termos de produção e difusão da dança contemporânea. Mas esse discurso tom ufanista é que nos coloca ainda vez mais à periferia de uma programação afeita à vida, ao belo. Afinal, afora a Bienal, recebemos pouquíssimos espetáculos, sendo que os mais belos (como o de Carlota Ikeda, anos atrás) depende, geralmente, de iniciativas pessoais.
Tudo isso não seria resultado de uma certa negligência que vem se tornando marca da atual gestão de política cultural no Ceará?? Vejo com reservas esse discurso de defesa da priorização da produção cultural local, em que pese sua importância, pois ele discrimina até a realização de artistas que aqui atuam. Acho inexplicável, por exemplo, a ausência, na Bienal, de produções como “A Culpa do Sangue”, de Carlos Gonçalves.
É preciso lembrar sempre que “cultura” é um conceito reacionário (Guatarri) e que uma suposta identidade local deve ser reafirmada se for para buscar no outro, no ‘de fora’ algo que engrandeça nossa própria singularidade e existência..
Esperemos, pois, pelo final da Bienal para conclusões mais abrangentes.