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Entrevista com Adísia Sá - 10 anos da criação da função de ombudsman - dezembro/2003

No dia 17 de dezembro de 1993 o jornal O Povo empossava no recém criado cargo de ombudsman a jornalista Adísia Sá. O fato marcou a história do jornalismo cearense, não apenas por se tratar de uma atitude pioneira, mas por representar o início de uma nova era. Passados dez anos, muita coisa mudou. Dialeticamente o cargo não é mais o mesmo, tampouco quem o ocupou. O ombudsman passou a ser figura indispensável no jornal. Lamentavelmente apenas dois jornais no País mantêm esse tipo de função: além do O Povo, seu introdutor no Brasil, a Folha de São Paulo.

A professora Adísia Sá conta como foi sua experiência no cargo que, além de ter inaugurado, ocupou outras duas vezes. Bem ou mau, gostem ou não os jornalistas, o ombudsman é figura indispensável em qualquer veículo de comunicação que deseje desempenhar sua função social com o mínimo de compromisso com sua finalidade. Quando o todo poderoso The New York Times teve sua credibilidade abalada pelo episódio protagonizado pelo repórter Jason Blair, que inventou diversas matérias, a quê recorreu na tentativa de recuperar sua imagem? Instituiu um ombudsman. A mestra Adísia nos fala um pouco sobre o cargo.

 

Em Off - Professora Adísia, como surgiu e quem teve a idéia de implantar o cargo de ombudsman no jornal O Povo? Como ficou definido a característica da função e o seu nome para ser a primeira pessoa a ocupá-la?

Adísia Sá - Comecemos pelo final. Terminava missão como diretora executiva da AM O POVO, quando Demócrito (Dummar, presidente da empresa jornalística O Povo) me chamou e disse: "depois desse desafio, um outro: você será a primeira ombudsman do jornal."A idéia partiu dele - sempre atento ao que a Folha de São Paulo fazia. Tentei aproximação por telefone com o pessoal da FSP: muito fechado. Em compensação, travei conhecimento com Junia Nogueira de Sá, recém nomeada para idêntica função na FSP. Ela veio para minha posse - dia 17 de dezembro de 2003 - falou-me sobre o que era a função e... ciao.

Em Off - Quais foram suas dificuldades iniciais? Como pioneira, desbravando um terreno nunca dantes pisado, a senhora deve ter encontrado muitos percalços...

Adísia Sá - Com o pouco que a Junia me passou, dei início ao trabalho, tipo ensaio-e-erro. Organização de fichário... arquivo de comentários... diário de bordo (tudo que recebia do público). Sem literatura específica, o caminho era esse mesmo: nadando...nadando... nadando. Com um "que": trabalho em casa. Montaram uma pequena redação: fax, computador, secretária eletrônica, jornais diários (daqui e de fora), revistas... Depois, lendo o Caio Túlio Costa, constatei que fui a quarta pessoa - ombudsman - a trabalhar em casa. Loucura... nem erra redação... nem residência... As pessoas também não tinham noção do que fazia a ombudsman e me telefonavam a qualquer hora do dia e da noite: "está havendo uma festa de arromba aqui na minha rua"... "um cara ligou o som nas alturas..."

Em Off - A redação hoje encara o ombudsman de uma maneira diferente de quando a senhora inaugurou essa nova era?

Adísia Sá - A redação - como eu e o leitor - também estava perdida: "que diabo é isto?!" Houve momento de tensão, irritação, atrito, mas outros de descoberta, de querer acertar. Afinal, ninguém sabia ao certo que ave era aquela recém chegada ao... éden/inferno... Sim, a partir de um determinado momento (impreciso... indefinido...indeterminado) as coisas foram tomando assento e agora flui, quase que naturalmente.

Em Off - O leitor também modificou sua relação com o ombudsman? Como a senhora sentiu esse intercâmbio com o leitor na sua primeira experiência como ombudsman e nas demais vezes que ocupou o cargo?

Adísia Sá - Acredito que tenha sido o leitor o primeiro a reconhecer o papel do ombudsman. Dentro de seu natural "faro", o leitor sentiu que aquele elemento estava ali para ser seu arauto. Limitado, sim - pois que "apenas" transmitia o que ele leitor descobria...via... denunciava... apontava no jornal: faltava e falta ao ombudsman o "poder" de modificar, de alterar a ordem vigente. Foi o leitor, sem dúvida, o primeiro a perceber a presença e o significado do ombudsman no esquema. Depois foi tendo consciência dessa limitação. Mesmo assim continuou usando de sua prerrogativa de encaminhar erros... sugestões... críticas... aplausos... recados ao jornal. Digo bem: ao jornal e não apenas à redação. Graças ao leitor eu reconheci que o ombudsman não tem presença apenas no que faz a redação, mas em tudo que se passa no jornal. Daí porque cunhei a frase: "tudo que acontece no jornal, é de responsabilidade do jornal."

Em Off - Na primeira vez que a senhora desempenhou a função de ombudsman, houve momentos nos quais o desânimo ou o arrependimento surgiram? E se surgiram, como foram superados?

Adísia Sá - Nunca uma missão assumida, por mais terrível que fosse, me desanimou ou me deu arrependimento. Sempre me vi desafiada... em desafio permanente. Isto me "calejou"... Ao assumir a função de ombudsman, fui fiel aos meus princípios: tenho régua e compasso... meu destino sou eu que faço. Quero dizer, como Gil, sempre soube o que queria: era ombudsman inteira, não "maria vai com as outras"... "pau mandado". Por justiça devo dizer: o jornal nunca me considerou assim. Pelo contrário...

Em Off - Qual foi o fato mais marcante que a senhora vivenciou quando era ombudsman? Com certeza existem muitas histórias interessantes para serem contadas...

Adísia Sá - São tantas histórias, não hierarquizadas. Juro. Não há nenhuma mais relevante.

Em Off - O jornalista Lira Neto transformou em livro sua passagem pelo cargo de ombudsman. A senhora tem planos de também deixar documentada sua contribuição?

Adísia Sá - Pelo visto, vocês não leram o meu livro "Clube dos ingênuos", sobre minha experiência como ombudsman. O Lira veio depois. Como faço chegar a vocês um exemplar do livro, antes que ele desapareça?...

Em Off - Os jornalistas ainda resistem quanto à adotar o comentário do ombudsman como um parâmetro, um guia, uma referência ou já há uma resistência menor?

Adísia Sá - Sim, ainda resistem. Mas não tanto. Há uma consciência em amadurecimento. A redação reconhece que o ombudsman não quer derrubar ninguém, pelo contrário. E tem mais: como os equívocos, erros ou incompetência da redação apontados pelo ombudsman são mensagens do leitor e acompanhados de provas (onde o erro... o equívoco), só resta reconhecer e não pisar no mesmo caminho.

Em Off - Na sua avaliação o surgimento da figura do ombudsman na imprensa demorou a se concretizar? Esse cargo não deveria ter surgido há muito mais tempo e, principalmente, não deveria ser mais difundido, assimilado e adotado pelas empresas de comunicação? O jornal O Povo hoje não pode ser imaginado sem a semanal coluna do ombudsman - que já deveria ter se transformado em diária -, enquanto o Diário do Nordeste nem uma secção "erramos" publica...

Adísia Sá - Não, não penso que o ombudsman demorou a chegar. Tudo tem seu tempo, está no Eclesiastes e lugar certo. O tempo era 1993... o lugar era O POVO. Vejam: quantos jornais tinham ombudsman? Vários. Quantos restam (pelo que sei) no Brasil? Na Folha e no O POVO. Diariamente há o comentário interno do ombudsman para a redação e sua resposta. Se poderia ser diária? Não sei se o tempo já preparou a ave para o seu vôo mais alto... É possível que este tempo chegue e eu espero que seja NESTE lugar...

Em Off - Professora Adísia, a senhora será sempre a ombudsman não apenas do jornal O Povo, mas de toda a imprensa. Como o jornalista se torna apto à desenvolver essa função? Afinal, esse tipo de pessoa não é formada pelos cursos de jornalismo.

Adísia Sá - Creio que todo jornalista (competente, ético, experiente) é um ombudsman em potencial. A grande escola é o exercício, onde se é avaliado todo dia pelos colegas, pela empresa. Mas eu creio e espero que um dia a disciplina Ombudsman/Ouvidor conste do currículo dos cursos de Jornalismo.

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