Em Off
Página dedicada aos profissionais de imprensa.
Entrevista com jornalista Renato Rovai - Outubro/2005
O sítio Em Off chegou, no mês de outubro de 2005, ao seu sexto ano atividades. No dia 25 de outubro de 1999 foi ao ar a primeira atualização. Nesses seis anos, chegamos à atualização de número 289. Nos anos anteriores, tivemos a honra de contar com entrevistas de pessoas que têm uma grande importância para os que fazem o sítio, como a professora Adísia Sá e Moacir Japiassu. Nomes que fizeram história no jornalismo brasileiro e hoje ocupam uma posição extremamente importante para as gerações de jornalistas que se sucederam nas últimas décadas.
Para marcar esse sexto aniversário procuramos um nome que mantivesse o nível dos antecessores. Um jornalista que não se pode considerar integrante da "nova geração", uma vez que já conta com 37 anos de vida – desculpe-nos a indelicadeza camarada –, 17 dos quais no exercício do jornalismo, Renato Rovai, mas que mescla com maestria a fundamentação acadêmica com a prática do jornalismo. Rovai é mestre em Comunicação pela Escola de Comunicação e Artes (ECA) da Universidade de São Paulo (USP), professor universitário. Está atuando no jornalismo desde 1988, tendo passado pela TV Gazeta (SP), Editora Globo, Diário do Grande ABC, Diário Popular (atualmente Dário de São Paulo) e Sindicato dos Bancários de São Paulo. Há 10 anos tem a Editora Publisher Brasil, que edita a Revista Fórum.
Rovai é contundente em suas críticas, direto, nomeia profissionais e empresas de comunicação que critica. Suas palavras são de extrema importância para que se faça uma reflexão sobre o jornalismo que é feito, a forma, os interesses e como se deve repensar o jornalismo para que ele deixe de ser colocado à disposição de interesses pessoais e empresariais. "Não me recordo outro momento histórico no Brasil onde os jornalistas foram tão subservientes aos interesses dos donos da mídia", afirmou em uma de suas respostas. Uma excelente opinião para ser refletida por estudantes, profissionais recém-formados, pelos mais experientes. Um bom exemplo para que futuros, novos e consagrados jornalistas vejam que nossa profissão não combina com acomodação, subserviência e cooptação.
Em Off – Rovai, comecemos pela sua reportagem sobre artigos escritos pelos jornalistas Otávio Cabral e Diogo Mainardi, relativos à eleição de Aldo Rebelo para a presidência da Câmara dos Deputados. No texto você foi bastante incisivo quanto à forma como os dois abordaram o assunto, escrevendo: “Vi esse Mainardi como um ratinho, encostado no fundo do plenário, por horas, falando baixinho e olhando pro chão. Parecia ter medo que alguém lhe fosse cobrar honestidade ou coisa do gênero. Algo ridículo. Deu umas zanzadas pelo salão verde e voltou para o seu esconderijo. Depois dessa sensacional ‘missão jornalística’, foi para o seu laptop e ‘corajosamente’ escreveu aquilo que o chefe adoraria ler. E ofendeu a quem o chefe gostaria de ofender. Sem ter compromisso com o real, só com sua corajosa missão de agradar a quem lhe garante a coluna”. Infelizmente Mainardi não é o único a colocar a pena à disposição para escrever o que o chefe adorara ler. Como e porquê profissionais de Imprensa acabam se submetendo a esse tipo de jugo? Circunstâncias empregatícias ou há algo mais, relacionado ao caráter e à personalidade?
Renato Rovai – Acredito que há pelo menos três tipos de profissionais que aceitam escrever qualquer coisa. Um primeiro time, talvez o maior, que o faz com a justificativa de que precisa apenas manter o emprego. Em geral, a esses são dirigidas as tarefas mais "comezinhas". Como se o exercício do jornalismo fosse algo que permitisse em nome do emprego desvio de condutas.
Um segundo time, que espera obter algumas pequenas ou grandes vantagens. Que pretende ascender profissionalmente e muita vezes, por conta de tarefas "patronais" bem feitas, consegue sucesso, atingindo cargos de confiança e maiores salários.
Há ainda um terceiro time, de profissionais ególatras, que fazem de tudo para aparecer e se diferenciar. A maneira mais fácil que encontram para atingir seus objetivos é exalando ódio, preconceito e rancor. Esses são os piores. Mainardi é um deles. Arnaldo Jabor é outro.
Em Off – Você alertou que esse tipo de conduta apenas contribui para que, cada vez mais, o jornalismo e os jornalistas sejam expostos ao ridículo. Como combater essa prática extremamente danosa mas que cada vez mais de enraíza no jornalismo brasileiro?
Renato Rovai – Um primeiro desafio é mudar a cor e a origem dos profissionais de imprensa. Se por um lado a obrigatoriedade do diploma de jornalismo trouxe vantagens para a corporação, por outro impediu o ingresso no jornalismo de pessoas de origem mais humilde, que não conseguem chegar às faculdades por razões óbvias. Se conseguíssemos mudar essa "correlação de forças sociais" nas redações teríamos, ao menos, debate mais profundo a um certo tipo de cobertura que exala preconceito de diversas ordens. E traríamos para dentro das redações o debate a respeito da realidade de fato do país. Pode parecer ingênuo, mas acho que lutar pela inclusão de pessoas de outras classes sociais nas faculdades e depois redações ajudaria no bom combate contra certos procedimentos. Por outro lado, só democratizando a comunicação como um todo e abrindo espaço para que novos veículos possam surgir e façam o contraponto a esse tipo de prática.
Em Off – Em seu texto você escreveu: “Os tiros do padrão Veja de jornalismo estão sendo dados enquanto o silêncio acomodado da maior parte dos jornalistas segue impávido. Parece que é assim mesmo, que faz parte do jogo. Não é. Não se pode deixar que seja. Os profissionais mais jovens ainda merecem um desconto. Os mais experientes, calados, são cúmplices. Estão ajudando a desmoralizar a profissão. E pagaremos todos por isso.” Não apenas nesse caso da Veja, mas em muitos outros essa postura omissa da maioria dos jornalistas quanto aos achaques ao jornalismo e à nossa profissão tem sido uma tônica. Aqui no Ceará a cultura da omissão, da vista grossa chega a produzir situações inaceitáveis. Como acabar com essa cumplicidade dos mais experientes e como tentar fazer com que as novas gerações de jornalistas não optem pelo caminho da covardia e da omissão?
Renato Rovai – Se por um lado, hoje nas redações a média de idade é muito baixa, por outro, os mais experientes que restaram são quase todos comprometidos com um "jornalismo de ocasião", aquele que interessa aos melhores resultados comerciais. Isso tem influenciado por demais a postura dos que estão chegando, que passam a acreditar que jornalismo é uma atividade como outra qualquer, onde pode imperar o vale tudo. O silêncio atual é amedrontador. Não me recordo outro momento histórico no Brasil onde os jornalistas foram tão subservientes aos interesses dos donos da mídia.
Em Off – No Ceará, como em muitos outros estados, a predominância do “jornalismo chapa branca” é forte e tem uma longa história que não dá sinais de estar caminhando para o cadafalso. Afinal, porquê a conduta dos jornalistas – que foi marcada especialmente nos períodos de exceção da história política brasileira pela resistência, defesa dos interesses coletivos acima dos pessoais – sofreu essa transformação? Na sua opinião, esse quadro atual é fruto de qual processo?
Renato Rovai – O jornalismo, por motivos que já disse na pergunta anterior, por um lado se tornou uma profissão de classe média para cima. O que torna os veículos algo de um só olhar. E por outro, "técnica". No que diz respeito ao elemento técnico impera o bom mocismo em relação ao cumprir as ordens. Não se aprende num curso de faculdade como lidar com chefias corrompidas. Isso deveria ser uma das principais disciplinas.
Em Off – Cada vez mais se multiplicam os cursos de jornalismo por todo o País. A cada dia surge um, numa corrida distorcida onde a educação é vista como uma atividade comercial. Essa proliferação sem controle dos cursos de jornalismo, a limitação da qualidade do ensino, vai afetar de forma o futuro do jornalismo?
Renato Rovai – Isso também vai influenciar a qualidade do jornalismo, mas a meu ver a falta de diversidade na origem desses profissionais é que mais desqualifica os veículos de comunicação. Eles ficam, no mínimo, vesgos.
Em Off – Os erros – desde os mais infantis até os mais absurdos – são cada vez mais freqüentes na Imprensa. Dos mais grotescos atentados à nossa língua pátria até os erros crassos de informação têm-se tornado, infelizmente, um lugar comum. Esse tipo de fato pode ser creditado ao despreparo com que os jornalistas estão chegando no mercado de trabalho? Esse número desenfreado de cursos de jornalismo tem contribuído para esse cenário?
Renato Rovai – Acho que isso também tem muito a ver com a qualidade do ensino como um todo.
Em Off – A situação agravou-se ainda mais com a decisão equivocada da juíza federal Carla Rister que, ao arrepio da lei e rasgando a Constituição, entendeu que não é necessária a graduação universitária em jornalismo para a requisição do registro profissional, decisão que, esperamos, seja revertida pelo Tribunal Regional Federal da 5ª Região, de São Paulo. Na sua opinião a graduação universitária em jornalismo é dispensável não apenas para o exercício legal da profissão, mas também para a formação do jornalista?
Renato Rovai – Considero que a graduação em jornalismo poderia ser também (quero frisar, também) complementar. Um garoto que ao entrar em Letras, por exemplo, na USP, que é um curso onde a concorrência é menor, pudesse depois fazer três ou quatro semestres de especialização em Jornalismo. Considero que isso garantiria maior diversidade à profissão.
Em Off – Infelizmente a pressão dos empresários do ramo de comunicação fez com que o projeto de criação do Conselho Federal de Jornalismo fosse abortado. O mais impressionante foi ver muitos jornalistas – aqueles mesmos que você descreveu como os que gostam de escrever o que o chefe gosta de ler – se posicionando contra a criação do CFJ. Como você avalia a forma como a criação do Conselho foi boicotada e o posicionamento dos colegas que se colocaram contra a proposta?
Renato Rovai – Naquele episódio e no da Ancinav foi possível perceber como os nossos veículos de informação são hábeis para manipular notícias. E como há coleguinhas mais comprometidos com os de cima do que com os de baixo.
Em Off – As redações ainda resistem fortemente a qualquer tipo de avaliação de seu trabalho, notadamente pelo fato de apenas dois jornais impressos possuírem ombudsman – Folha de São Paulo (SP) e O Povo (CE) –. Como lutar contra essa danosa postura dos jornalistas de não serem receptivos à crítica e questionamento? Como quebrar essa resistência? Não se percebe essa preocupação nos cursos de jornalismo.
Renato Rovai – Acho que é necessário construir observatórios da mídia, com gente de diferentes segmentos sociais, em todos os lugares possíveis. Seria legal que as críticas desses observatórios fossem divulgadas em sites para que, no mínimo, algumas informações pudessem ser checadas.
Em Off – Nesses seis anos de vida, completados no corrente mês de outubro, o sítio Em Off tem provocado discussões sobre jornalismo, sua conduta, princípios, postura ética que contaram muito mais com a participação dos outros setores da sociedade do que dos próprios colegas. A sociedade está mais atenta às ações dos meios de comunicação de massa, dos jornalistas? A população – ainda que restrita a uma parcela que tenha esclarecimento o suficiente – está mais alerta para o jornalismo e seu papel social, na democratização do acesso à informação, à notícia como um bem público?
Renato Rovai – Não tenho dúvida de que sítios como o Em Off contribuem em muito para pautar o debate da qualidade da informação. Acho que contribuições como essa devem se reproduzir. Acho também que existe uma desconfiança maior da população em relação à qualidade das informações reproduzida nos meios, isso é bom. Destaca-se nesse sentido, um movimento que começa a ganhar forca, contra o que chamo de jornalismo covarde de Veja. A revista panfleto da Editora Abril tem feito muito mal ao jornalismo brasileiro e é símbolo maior da baixa qualidade do jornalismo atual.