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IMPRENSA CEARENSE
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ANO VIII - ATUALIZAÇÃO N.º
384 - 10/03/2.008 - (00:00h)
DESCONHECIMENTO – A tônica da maioria dos que fazem os programas policiais que infestam a grade de programação das TV locais, além do exercício ilegal da profissão de jornalismo, é o desconhecimento do que está falando e que, invariavelmente, acaba provocando as mais pueris e absurdas aberrações. É fato que a maioria dos “repórteres” e “apresentadores” desse tipo de programa são falsos profissionais, mas na semana passada um erro teve como protagonista um jornalista profissional.
DESCONHECIMENTO – No programa Barra Pesada (TV Jangadeiro), foi exibida uma matéria sobre o atropelamento de um homem, num flagrante de imagens, onde o condutor do veículo causador do fato tentou empreender fuga e apresentava sinais de embriaguês. A vítima acabou morrendo e a reportagem enfocava a viúva, clamando por justiça, informando que até o momento não havia sido feito nada por parte da Polícia, sequer o exame de dosagem etílica.
DESCONHECIMENTO – Quando o apresentador substituto Chagas Vieira – que também é diretor de jornalismo da emissora – começou a tecer comentários, cometeu erros típicos de não tem o conhecimento do que estava falando. Fez uma dura crítica às leis do País, dizendo que o Brasil era o país das leis que protegiam os infratores, citando o princípio de que ninguém é obrigado a produzir provas contra si mesmo numa referência ao fato da não realização do exame para aferição do estado ou não de embriaguês.
DESCONHECIMENTO – Esse princípio não é adotado apenas no Brasil. Muitos outros países, principalmente do chamado “primeiro mundo”, também seguem essa regra. Como os Estados Unidos, por exemplo. Homicídio é um crime de ação penal pública e dessa forma cabe ao Estado, através do Ministério Público e da Polícia Judiciária, no caso, a Polícia Civil, a produção das provas para esse fim. A negativa em realizar o exame de medição da dosagem etílica no sangue deve ser utilizada como agravante contra o acusado. As próprias imagens exibidas pela emissora, onde o condutor do veículo apresentava sinais de embriaguês, também podem e devem ser usadas.
DESCONHECIMENTO – Homicídio é o mais grave crime tipificado pela lei. Atenua-se, entretanto, quando não há o dolo, na desqualificação. Com os agravantes, a intenção do MP é caracterizar o dolo, ainda que eventual. O trabalho da defesa é tentar convencer de que o fato é culposo, sem a intenção de efetuá-lo. Cabe ao juiz que conduz o processo decidir se aceita a denúncia com o dolo ou não. As críticas deveriam ser direcionadas não ao que dispõe a lei, mas à sua interpretação e aplicação.
DESCONHECIMENTO – Seria – e é – muito mais produtivo que a crítica tivesse sido feita se as alegações da negativa em fazer o exame e demais recursos, como as imagens, não tiverem sido utilizadas ou não fossem aceitas pela Justiça. É mais fácil – e cômodo – criticar a letra do que a toga. Portanto, se menores infratores são liberados poucas horas depois de serem apreendidos cometendo crimes; se bandidos presos por crimes de maior potencial ofensivo são soltos e novamente presos delinqüindo, pouco tempo depois de ganharem a liberdade a crítica não deve ser direcionada à lei, ou exclusivamente a esta, mas a quem, de fato, é o responsável pelos fatos: a Justiça.
DESVIO – Desvio do foco do real motivo dos fatos é uma tônica, infelizmente, da maioria esmagadora da imprensa. Os programas policiais televisivos carregam nas críticas contra a deficiência na segurança pública, na falta de policiamento, etc., sem direcionar os holofotes para quem, de fato e de direito, é responsável: o governo do Estado e a União. No caso da TV Jangadeiro, durante anos a fio isso foi feito pelo fato de ter nascido, crescido e amadurecido sob a égide de administrações tucanas, principalmente o senador Tasso Jereissati, que também é proprietário não apenas da emissora, mas do Grupo Jangadeiro de Comunicação.
DESVIO – Infelizmente esse tipo de distorção ocorre com freqüência, quando há o interesse de quem detém o meio de comunicação. Em outro momento, na mesma emissora, mais um exemplo foi verificado. No Jornal Jangadeiro foi exibida matéria sobre o caos nos terminais de ônibus, onde há tumulto sempre que chegam os coletivos, nos horários de pico, fazendo com que idosos e crianças, bem como mulheres, preteridos pelos “mais fortes” na tentativa de embarcarem nos ônibus pelo fato da inexistência de fila. O tumulto e a algazarra também favorecem a ação de marginais, que aproveitam para praticar furtos e roubos.
DESVIO – O enfoque da matéria foi, exclusivamente, a falta de funcionários temporários da Ettufor, empresa da Prefeitura de Fortaleza responsável pela administração dos terminais. Não se trata apenas de um problema da carência de funcionários. Trata-se, muito mais, de uma questão de educação. Como a emissora é controlada por políticos tucanos, existe o interesse que perdura há anos em opor-se à administração municipal. Acontece assim desde que a TV foi inaugurada, uma vez que o PSDB nunca conseguiu montar uma base na Capital, seja no comando do Executivo, seja na Câmara Municipal. Fica mais fácil criticar apenas o Poder Público, que também tem responsabilidade no fato, mas não é o único. Mostrar a forma como as pessoas acabam agindo de maneira animalesca é opção descartada pela emissora. Mas não deveria, se os princípios do jornalismo fossem observados.
DESVIO – Quando interessa, a emissora “despersonaliza” a crítica, mas quando lhe é conveniente, direciona de maneira exclusiva. A bem da verdade essa característica não é “privilégio” apenas da TV Jangadeiro, mas de todas as emissoras, sejam elas privadas ou públicas. Mesmo sendo concessões do Poder Público e com função social definida em lei. As emissoras do Sistema Verdes Mares de Comunicação agem da mesma forma, sempre na observância dos interesses de seus donos; da mesma forma as do Grupo Cidade de Comunicação, a do Grupo O Povo, etc.
CAMPANHA – O uso distorcido dos meios de comunicação também pode ser observado, de maneira escancarada, no modo como o apresentador e o comentarista do programa Cidade 190, respectivamente Edson Silva e Vítor Valim, fazem campanha política. Com a desculpa de prestação de serviço, a dupla visita semanalmente um bairro de Fortaleza, com a justificativa de “ouvir a comunidade”, mas tratando-se, na verdade, de comícios. Edson elegeu-se deputado estadual com a ajuda da popularidade do programa, em 2006. Naquele ano, Vítor chegou a ensaiar uma candidatura a deputado federal, desistindo pouco tempo antes do pleito.
CAMPANHA – Agora, com as eleições municipais se aproximando, as “visitas” se intensificam. Não de maneira gratuita. Uma cadeira na Câmara Municipal é motivo de cobiça para muitos, e se a campanha pode ser feita com custos mais reduzidos, aproveitando a exposição do programa policial, melhor para quem augura. Em 2004 a emissora fez campanha aberta para o então deputado federal Moroni Torgan, que concorria à Prefeitura de Fortaleza.
CAMPANHA – Outro que vem utilizando a mídia para galgar cargo político é o radialista Paulo Oliveira. Usa seu programa na rádio Verdes Mares AM e na TV Diário para tentar se cacifar ao posto de vice numa cada vez mais improvável chapa do PSDB na disputa municipal. Além disso, colocou o filho como repórter de um programa policial da emissora, para tentar lançá-lo no mundo político. Outros “apresentadores” e “repórteres” também planejam entrar na vida pública. Como cidadão, qualquer um pode pleitear um cargo eletivo. Quando acumula essa intenção com um cargo num veículo de comunicação inevitavelmente acaba produzindo distorções, prática anéticas.
DIFERENCIAÇÃO – Durante a semana que antecedeu o Dia Internacional da Mulher, comemorado no dia 08 de março, os veículos de comunicação realizaram uma série de homenagens. Nada mais justo, até porque nos últimos tempos a presença feminina nas redações e estúdios tem sido muito superior à masculina. O problema é quando isso provoca um feminismo que acaba desaguando num corporativismo, condenável em homens e mulheres.
DIFERENCIAÇÃO – Na sexta-feira, a TV Diário exibiu, nos programas policiais que lotam sua grade de programação e reprisado nas demais atrações que aproveitam o material exibido pelos primeiros, matéria sobre a prisão de uma mulher que havia matado, a tiros, o ex-marido. O problema foi o tratamento dado à ré confessa. Primeiramente, sua identidade foi preservada, o que seria descartado caso se tratasse de um homem. Com certeza seu rosto, ainda que em imagem colhida sem sua autorização, teria sido exposta.
DIFERENCIAÇÃO – Aliado a isso, a “repórter” Marilena Lima esmerou-se em pintar um quadro onde o crime de homicídio fosse um desfecho de uma situação limite. O mesmo fez o apresentador Marcos Lima. É fato que a violência contra a mulher é incontestável, mas na hora em que se tenta justificar o assassinato de uma pessoa com o fito de resultado de um cenário de alegada ameaça, a argumentação tem que valer para mulheres e para homens. Ainda que tenha existido um histórico de ameaças da vítima à sua executora, mas o ato extremado não pode ser justificado dessa maneira. Ou, se for, o parâmetro deve valer para todos os casos.
DIFERENCIAÇÃO – O apresentador ainda tentou impingir ao Poder Público a responsabilidade pelo crime, alegando que a ré denunciara, várias vezes, ameaças que estaria sofrendo do ex-companheiro. Caberá ao júri popular determinar se a ré confessa deve ou não pagar pelo crime. Condenável é, sem dúvida, a parcialidade seja em que estágio ou nível for. O fato de ser mulher ou homem não confere a ninguém o direito de cometer crime e ter o enfoque abrandado ou, intencionalmente, manipulado.
DESTOANTE – Em 2004, durante a campanha, a então candidata Luizianne Lins fez questão de pontuar seu discurso, no segundo turno, de maneira a se contrapor ao adversário Moroni Torgan, que fincou sua plataforma há anos na segurança pública. Afirmava que não queria transformar o debate sobre o tema numa cruzada, tampouco transformar a Prefeitura num instrumento para esse fim. O próprio plano de governo da petista trazia essa disposição, trazendo, inclusive, severas críticas contra a política do governo federal para a área.
DESTOANTE – Ao longo do tempo, a prefeita modificou sobremaneira sua forma de pensar, bem como de agir. Assistiu, incentivou e determinou a militarização da Guarda Municipal de Fortaleza, que chegou ao cúmulo de figurar como principal acusada, através de um de seus integrantes, de ser autora da morte de um morador de um terreno na periferia, em ação de desocupação sem a determinação judicial e autorizada pelo então secretário regional Paulo Mindêllo, hoje vereador pelo PSB.
DESTOANTE – Na semana passada, numa entrevista numa série de reportagens sobre os cruzamentos considerados de risco de assalto, feito pela TV Verdes Mares, o presidente da AMC, Eduardo Patrício (foto), ao ser questionado pelo fato dos fotossensores multarem motoristas que cruzam os sinais vermelhos acima dos 60km/h (em determinado período de tempo da noite até madrugada é liberada a fiscalização do respeito ao sinal vermelho, exatamente para que o condutor diminua o risco de ser assaltado), disse que “isso (os assaltos) não é problema da AMC”. Com efeito, não é responsabilidade legal da AMC segurança pública – assim como não é da GMF, que tem apenas a incumbência de guarda patrimonial, mas é administrada adversamente disso –, mas diante da maneira como a Prefeitura se posta e do discurso tantas vezes reverberado pelo diretor da Guarda, Arimá Rocha, de integração Estado/Município quanto à segurança, as palavras do presidente da Autarquia Municipal são, no mínimo, contrastantes.
OUVIDORIA – O governo do Estado, através da SOMA, disponibilizou um tele-atendimento para que os cidadãos registrem queixas contra órgãos da administração pública direta, indireta e concessionárias do serviço público. Um ato louvável, não fossem as ouvidorias, do modo como são postas, apêndices absolutamente dispensáveis e penduricalhos transformados em cabide de empregos e gastos para o contribuinte.
OUVIDORIA – Exemplos existem aos borbotões, pois as ouvidorias não têm qualquer função de execução, mas apenas de mediação, propositiva. Em Fortaleza, a Ouvidoria da Prefeitura é um organismo inoperante e despropositado. Não se sabe, sequer, o nome do(a) titular da pasta. No caso do novo “serviço” oferecido pela Ouvidoria do Estado, o atendimento é muito cortês, com atendentes tendo o script na ponta da língua, sem dele afastarem-se um milímetro, e ao final do atendimento é fornecido um número de registro para o acompanhamento da reclamação, com o detalhe de que não há prazo para resposta.
OUVIDORIA – Ou seja, o governo criou, na verdade, um mecanismo para que o contribuinte, além de ter mais esse gasto supérfluo, possa desabafar sua ira por causa da porcaria que é o serviço público – e nesse quesito não é “privilégio” do Estado, a má qualidade generalizada é característica também das esferas municipais e federal –, mas resolução que é bom, nada. Mais uma palhaçada, um jogo de cena que o governo do Estado apresenta para o contribuinte financiar.
GAIATO – Chama-se Beto Mansur, do PP/SP, o deputado federal autor do substitutivo ao PL 1.337/03, que altera a regulamentação da profissão de radialista. O substitutivo apresentado por Mansur retira as funções de jornalistas em Rádio e TV e atende aos interesses dos empresários do setor. O parlamentar, além de satisfazer os interesses dos proprietários de emissoras de rádio e dos inúmeros falsos profissionais radialistas que exercem ilegalmente o jornalismo e que já deveriam, há muito, estarem atrás das grades, fere o que já dispõe a regulamentação da profissão de jornalista. Aliás, o parlamentar é dono de emissora de rádio e legisla em causa própria.
PARA REFLETIR – "Quando eliminamos todas as evidências o que sobra, ainda que improvável, tem que ser a verdade". (Sherlock Holmes, personagem imortal criado por Sir Arthur Conan Doyle)